Segurança Social: mais de 20% das dívidas em execução não existem ou prescreveram
Mais de um quinto dos valores de dívida participados para execução pelo Instituto de Segurança Social acabam anulados ou declarados prescritos, num volume preocupante e que ficará aquém da realidade, segundo um relatório da Provedora de Justiça publicado ontem sobre aquele que é o maior motivo de queixas apresentadas ao órgão do Estado encarregado de zelar pelos direitos dos cidadãos.
Os valores que entram em processo de execução indevidamente - 300 milhões de euros em 2017 e 210 milhões em 2018 - são apenas parte de um extensa lista de problemas nas execuções fiscais levadas a cabo pela Segurança Social. Nesta, abundam exemplos de ilegalidades, "alheamento" da lei e dos direitos dos cidadãos.
É também referido como parte do problema um mecanismo de prémios, desde o verão do ano passado, que orienta as prioridades dos serviços responsáveis pelas execuções para que deem primazia a atividades com retorno - ou seja, a cobrança - havendo, por outro lado, processos de restituição de bens penhorados indevidamente que demoram "meses ou anos", segundo o relatório da provedora, Maria Lúcia Amaral.
Há um "problema estrutural de desconhecimento - ou, pelo menos, de não reconhecimento - de direitos e garantias dos executados", refere o relatório elaborado a partir de inspeções a 11 das 22 secções de processo executivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) e dos resultados de questionários enviados à totalidade das secções. A iniciativa, explica o documento, decorre do "imparável aumento do número de queixas" chegadas à Provedora. Foram 220 em 2018, e 242 já em 2019, constituindo a maioria das queixas tratadas pelo órgão que em 2016 abriu um processo sobre a matéria junto do IGFSS.
Segundo o documento, "apesar dos esforços desenvolvidos" desde então "não se registaram alterações significativas neste estado de coisas - no contínuo aumento, exponencial, das queixas relacionadas com a execução fiscal de dívidas à Segurança Social, a par do carácter reiterado e/ou grave das situações visadas".
Destas, o relatório da Provedora destaca "a morosidade excessiva no tratamento das oposições à execução, os atrasos no cancelamento de penhoras, a violação dos mínimos de impenhorabilidade e a instauração de processos de execução fiscal, por parte da entidade credora - o Instituto da Segurança Social -, sem que houvesse certezas de que os valores a cobrar eram efetivamente devidos", entre várias outras falhas sinalizadas no relatório.
"Deteta-se nos serviços visados algum alheamento (ou aparente sentimento de impunidade) em relação a normativos que tutelam os executados, passível de se agravar, neste enquadramento controvertido (que o potencia), com a recente aprovação de um sistema de recompensa dos trabalhadores do IGFSS pelos resultados obtidos na cobrança de dívida", refere o documento.
Entre os exemplos citados no relatório, está o de uma dívida não exigível que entrou em execução e teve oposição do executado em 2008. Só em abril de 2019 é que o centro distrital da Segurança Social responsável comunicou a anulação da dívida apesar dos vários pedidos da secção de processo executivo do IGFSS através de "e-mails onde figurava a bold e sublinhado o saldo credor do contribuinte". Ao fim de mais de dez anos de espera, ia já em "quase meio milhão de euros".
Mas, são múltiplas as falhas apontadas. Desde a falta de recursos humanos (em média, um gestor de dívida lida com 3930 processos e só há 43 juristas a lidar com estes processo a nível nacional), à falta de condições de trabalho (em Leiria, trabalha-se sob 40 graus nos meses de verão) e ausência de um sistema de gestão integrada de processos e de comunicação entre os diferentes sistemas informáticos utilizados. Por exemplo, não há acesso por parte dos gestores de dívidas a informação atualizada da Segurança Social sobre dívidas que, entretanto, tenham sido repostas ou estejam a ser compensadas com deduções em prestações sociais a receber, e há e-mails que têm de ser fotocopiados e digitalizados para que possam ser juntos aos processos.
Juntam-se várias ilegalidades. Por exemplo, exigência de valores mínimos em planos de prestações, que a lei não prevê, ou a realização de penhoras por incumprimento de planos de prestações sem que haja notificação prévia para a regularização. Mesmo nesses casos, podendo a ilegalidade constituir motivo para restituição das penhoras, o relatório assinala que as orientações são para não devolver o dinheiro "em obediência à diretiva central de que, 'enquanto houver dívida, não há restituição'". Outra situação é a não averiguação da existência de bens penhoráveis (nomeadamente, imóveis) antes de a dívida ser exigida a outros que não o devedor original.