Mães que arrastam os filhos para a morte. É por vingança ou desespero

Débora matou-se com o filho de 3 anos num carro que regou com gasolina e incendiou. Retaliou contra o ex-marido e levou o filho consigo, explica psicólogo forense Mauro Paulino, que estudou perfis
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A mãe açoriana de 40 anos que se suicidou levando o filho para a morte consigo, dentro de um carro que regou com gasolina, é o quinto caso do género este ano. Como nas histórias das outras mulheres que a antecederam, Débora, que acabou com a vida na ilha de São Miguel, também estava num contexto de separação conjugal e de disputa pela guarda do filho.

A justiça tinha decidido que o pai da criança podia ver o menino de 15 em 15 dias. Terá sido esse o rastilho na mente fragilizada daquela mulher.

"Pelo pouco que ainda se sabe sobre o caso, este terá sido um suicídio/filicídio por retaliação e altruísta ao mesmo tempo. Para se vingar do ex-companheiro mas também por misericórdia, por achar que o mundo é demasiado cruel para deixar uma criança para trás", avalia o psicólogo forense Mauro Paulino, que estudou o fenómeno do filicídio e traçou os perfis das mães e pais que matam os filhos num ato deliberado.

A suspeita de que Débora matou o filho antes de o colocar no banco de trás do carro com ela não foi confirmada ao DN pela PJ dos Açores, que aguardava ainda a realização das autópsias aos dois corpos. Tomás, de três anos, era o único filho de Débora.

"Quanto menor é a idade da criança, maior é o risco de filicídio. As mais vulneráveis são as que têm menos de cinco anos", sublinha Mauro Paulino.

Nos casos estudados, "quando as mães agem por doença mental ou por retaliação ao companheiro matam crianças mais velhas, com mais de cinco anos. Quando são mães maltratantes ou negligentes matam crianças mais novas".

Filhas e filhos: motivos mudam

O psicólogo Mauro Paulino referiu que a investigação sobre estes casos demonstrou que a motivação das mães é diferente consoante o género dos filhos. "Quando matam as filhas e se suicidam é quase sempre por questões altruístas. Quando matam os filhos e se suicidam agem mais por vingança".

No caso dos Açores estavam reunidos "vários fatores de risco", como analisa Mauro Paulino. Os sinais estavam lá, mas, aparentementem, ninguém da comunidade os viu. "Uma mãe doméstica,a tomar conta de pais idosos e doentes, com um filho a cargo: era toda uma situação potenciadora de um limbo onde entrou". Débora "não teri a uma rede social efetiva" e os que estavam próximos podem até ter desvalorizado sinais. "Nestes casos, a comunidade à volta devia ser mais ativa, do médico de família à escola. A articulação entre a justiça e a saúde mental também devia ser melhorada", analisa.

Mauro Paulino lembra o caso da mãe que se atirou da ponte sobre o rio Cávado com o filho de seis anos e como "essa mulher tinha feito uma tentativa similar uma semana antes, tendo sido impedida por um popular". E questiona: "Então se já tinha havido uma tentativa antes como foi possível que tivesse voltado a fazer o mesmo num tão curto espaço de tempo?" Na sua opinião, falharam a vigilância e o necessário acompanhamento neste caso, como noutros.

O estado de pânico interior

A pedopsiquiatra Ana Vascondelos explica que estas mulheres "agem com aparente frieza porque deixaram de ter medo e por isso não pediram ajuda. Estão antes num estado interior de pânico, desesperadas". São mulheres "que confundem a função de serem progenitoras com o facto de terem sido abandonadas por um companheiro. Perante um sentimento de desamparo estrutural esquece as suas funções nas relações com os outros e privilegia o seu egocentrismo pessoal. O filho passa a ser uma extensão delas". Com os homens que matam os filhos acontece o mesmo, ressalvou.

Há vários tipos de filicídios, lembra o psicólogo forense Mauro Paulino. Para além da morte altruísta dos filhos ou por vingança, há também o acidental, o da criança indesejada e o causado por doença mental. "Também há vários tipos de mães que matam os filhos. As desapegadas das crianças, as abusivas ou negligentes, as mães deprimidas ou psicóticas e as retaliatórias, que querem impedir o companheiro de ficar com o filho".

Quando a morte de mãe e filho acontece por retaliação, "muitas vezes o deslocar da agressividade que era canalizada para o companheiro vai para a criança". O resultado é a morte violenta.

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