"Madiba é um exemplo e não é só para os africanos"

Nelson Tavares, de 29 anos, é ex-estudante de Artes da António Arroio e, em 2013, fez um mural na Quinta da Fonte, bairro do concelho de Loures, dedicado a Nelson Mandela, cujo centenário do nascimento se assinala no dia 18. O DN perguntou-lhe como é que o exemplo de Mandela o inspira no seu dia-a-dia
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Quando era pequeno chamavam-lhe Nelson Mandela. E ele quis saber porquê. "Já com sete ou oito anos ouvia falar nele e fui perceber quem era. Acabei por me identificar, naturalmente por ser africano, mas acho que Madiba acaba por transbordar essa fronteira. É um exemplo não só para os africanos mas para qualquer ser humano. Fascina qualquer pessoa", diz ao DN Nelson Tavares, que tem 29 anos e é um dos cerca de 2500 moradores do Bairro da Quinta da Fonte, no concelho de Loures.

Aí foi desafiado, em 2013, pela câmara, a fazer um mural num prédio, no âmbito do festival O Bairro i o Mundo. "Resolvi fazer uma pintura que ligasse os jovens do bairro ao mundo e escolhi esta frase para tentar transmitir uma mensagem positiva às crianças cá do bairro", conta junto à pintura da cara do ex-presidente sul-africano, feita num rés-do-chão. As frases que a acompanham dizem: "A educação e o ensino são as mais poderosas armas que podes usar para mudar o mundo" e "Se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar". É preciso dar o exemplo às crianças, defende Nelson Tavares - como defendia também Madiba.

Ultimamente o festival não tem sido lá porque, diz, a Câmara de Loures pretende reabilitar os edifícios. Vai pintá-los, conta Nelson Tavares. A requalificação do bairro, confirmou o DN junto da autarquia, irá acontecer em breve, mas não no imediato. E demorará algum tempo. Pressupõe um investimento de três milhões de euros. Depois de pintados os prédios, os artistas voltarão a ser convidados para fazer intervenções artísticas nos mesmos, confirmou a câmara.

De raízes cabo-verdianas (a família é da ilha de Santiago), Nelson Tavares fez o nono ano nas escolas do bairro e depois tirou um curso de artes na Escola António Arroio. Gostava de viver das Artes, mas admite que é difícil. "Não sou um writer nem nada disso. Aliás, este mural não o fiz com sprays, fiz com recurso a tintas. Costumo pintar mais retratos, com tintas acrílicas, vendo alguns quadros, mas é mais um hobbie", conta o jovem artista, que trabalha numa fábrica de estampagens na Fábrica do Braço de Prata. É daí que vem, na realidade, o seu sustento.

O mural em homenagem ao herói da luta contra o Apartheid e líder histórico do ANC na África do Sul levou cinco a sete dias a fazer. Nelson já não consegue precisar muito bem. "Logo quando estava a pintar, as crianças sentiram curiosidade, vinham perguntar quem era este que eu estava a pintar na parede. Eu explicava. E isso dava-me uma enorme satisfação", conta ao DN, numa altura em que várias crianças do bairro se aproximam, curiosas. Como é a própria natureza das crianças. E deveria ser sempre a do ser humano. Mesmo adulto.

"As crianças acabam por ser influenciadas pelos adultos. Se esses derem um exemplo bom elas acabam por seguir esse exemplo", explica Nelson Tavares, que diz ter aprendido a ver a vida sempre pelo lado positivo, muito graças ao exemplo que os pais lhe deram. "Eu, graças a deus, tive uma infância em que os meus pais estiveram sempre presentes. Outras crianças, se calhar, não tiveram esse apoio tão vincado. E isso faz a diferença. Faz com que não veja as coisas pelo lado negativo, não seja um revoltado, cheio de ressentimento".

Admitindo que nem sempre é fácil arranjar emprego por causa da fama do bairro que há dez anos abriu os telejornais após um tiroteio entre dois grupos rivais diz: "Há uma minoria que, se calhar, não age da melhor forma. Mas sempre vivi aqui e só tenho memórias positivas, de convívio com os meus amigos". O importante, refere Nelson Tavares, que já foi a Cabo Verde mas nunca à África do Sul, é as pessoas conseguirem não responder ao ódio com mais ódio. Foi esse o exemplo que Madiba deu.

Quando estava a fazer a pintura, contou com a solidariedade de todo o bairro. Como um só. "Pela dimensão, tive que pôr uns andaimes e as pessoas ajudavam-me na deslocação dos andaimes e também a trazer alguns baldes de tinta. Todo o bairro tentou ajudar-me de alguma forma. Uns viam que eu estava ali há muito tempo e ofereciam-se para me trazer um prato de comida, diziam-me para ir descansar. O bairro preocupou-se e, de uma forma ou de outra, esteve sempre a interagir".

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