Quando era pequeno chamavam-lhe Nelson Mandela. E ele quis saber porquê. "Já com sete ou oito anos ouvia falar nele e fui perceber quem era. Acabei por me identificar, naturalmente por ser africano, mas acho que Madiba acaba por transbordar essa fronteira. É um exemplo não só para os africanos mas para qualquer ser humano. Fascina qualquer pessoa", diz ao DN Nelson Tavares, que tem 29 anos e é um dos cerca de 2500 moradores do Bairro da Quinta da Fonte, no concelho de Loures..Aí foi desafiado, em 2013, pela câmara, a fazer um mural num prédio, no âmbito do festival O Bairro i o Mundo. "Resolvi fazer uma pintura que ligasse os jovens do bairro ao mundo e escolhi esta frase para tentar transmitir uma mensagem positiva às crianças cá do bairro", conta junto à pintura da cara do ex-presidente sul-africano, feita num rés-do-chão. As frases que a acompanham dizem: "A educação e o ensino são as mais poderosas armas que podes usar para mudar o mundo" e "Se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar". É preciso dar o exemplo às crianças, defende Nelson Tavares - como defendia também Madiba..Ultimamente o festival não tem sido lá porque, diz, a Câmara de Loures pretende reabilitar os edifícios. Vai pintá-los, conta Nelson Tavares. A requalificação do bairro, confirmou o DN junto da autarquia, irá acontecer em breve, mas não no imediato. E demorará algum tempo. Pressupõe um investimento de três milhões de euros. Depois de pintados os prédios, os artistas voltarão a ser convidados para fazer intervenções artísticas nos mesmos, confirmou a câmara..De raízes cabo-verdianas (a família é da ilha de Santiago), Nelson Tavares fez o nono ano nas escolas do bairro e depois tirou um curso de artes na Escola António Arroio. Gostava de viver das Artes, mas admite que é difícil. "Não sou um writer nem nada disso. Aliás, este mural não o fiz com sprays, fiz com recurso a tintas. Costumo pintar mais retratos, com tintas acrílicas, vendo alguns quadros, mas é mais um hobbie", conta o jovem artista, que trabalha numa fábrica de estampagens na Fábrica do Braço de Prata. É daí que vem, na realidade, o seu sustento..O mural em homenagem ao herói da luta contra o Apartheid e líder histórico do ANC na África do Sul levou cinco a sete dias a fazer. Nelson já não consegue precisar muito bem. "Logo quando estava a pintar, as crianças sentiram curiosidade, vinham perguntar quem era este que eu estava a pintar na parede. Eu explicava. E isso dava-me uma enorme satisfação", conta ao DN, numa altura em que várias crianças do bairro se aproximam, curiosas. Como é a própria natureza das crianças. E deveria ser sempre a do ser humano. Mesmo adulto.."As crianças acabam por ser influenciadas pelos adultos. Se esses derem um exemplo bom elas acabam por seguir esse exemplo", explica Nelson Tavares, que diz ter aprendido a ver a vida sempre pelo lado positivo, muito graças ao exemplo que os pais lhe deram. "Eu, graças a deus, tive uma infância em que os meus pais estiveram sempre presentes. Outras crianças, se calhar, não tiveram esse apoio tão vincado. E isso faz a diferença. Faz com que não veja as coisas pelo lado negativo, não seja um revoltado, cheio de ressentimento"..Admitindo que nem sempre é fácil arranjar emprego por causa da fama do bairro que há dez anos abriu os telejornais após um tiroteio entre dois grupos rivais diz: "Há uma minoria que, se calhar, não age da melhor forma. Mas sempre vivi aqui e só tenho memórias positivas, de convívio com os meus amigos". O importante, refere Nelson Tavares, que já foi a Cabo Verde mas nunca à África do Sul, é as pessoas conseguirem não responder ao ódio com mais ódio. Foi esse o exemplo que Madiba deu..Quando estava a fazer a pintura, contou com a solidariedade de todo o bairro. Como um só. "Pela dimensão, tive que pôr uns andaimes e as pessoas ajudavam-me na deslocação dos andaimes e também a trazer alguns baldes de tinta. Todo o bairro tentou ajudar-me de alguma forma. Uns viam que eu estava ali há muito tempo e ofereciam-se para me trazer um prato de comida, diziam-me para ir descansar. O bairro preocupou-se e, de uma forma ou de outra, esteve sempre a interagir".