É um caso raro de consensualidade, o de Luís Severo, de regresso aos discos com O Sol Voltou, confirmando - ou melhor, superando - todas as expectativas criadas nos dois trabalhos anteriores. O músico sorri, ao ouvir a palavra "consensualidade", afinal, como faz questão de corrigir, "o reconhecimento por parte do público só veio depois" do da crítica. "Foi muito mais difícil conquistar o público", diz..Agora que o conseguiu, a bola de neve não mais parou de crescer e o novo disco representa apenas mais um passo na conquista desse olimpo das canções perfeitas. "Começo a ter algum feedback de pessoas reais, que me enviam mensagens muito simpáticas e isso é muito bom. Tenho de confessar que estava um bocadinho inseguro com este disco, porque passei muito tempo a fazê-lo, sozinho e com pouca consultoria externa. No dia anterior ao lançamento estava um pouco ansioso, mas acabou por correr muito bem", afirma..A principal diferença de O Sol Voltou é um alargar do universo de Luís Severo a novos territórios, musicais e poéticos, digamos mais luminosos, fazendo um trocadilho fácil com o título do disco. "É o meu disco com mais solar, sim, mas também por isso é o que tem mais sombra, acaba por juntar esses meus os dois lados", concorda o cantautor, palavra "um bocado feia", mas à qual começa a habituar-se cada vez mais. "Tenho de me assumir como tal.".Já o rótulo de cantor melancólico e romântico é algo que lhe assenta melhor: "Não sou exclusivamente melancólico, embora exista alguma melancolia em tudo o que faço. Romântico sim, este disco acaba por sê-lo, mas mais pelo modo como enfatiza certos sentimentos e não tanto por ser sobre relações amorosas, vai mais além disso. Mas sem dúvida que a minha perspetiva sobre a música e a vida em geral continua a ser bastante romântica.".Já a variedade musical que apresenta foi pensada ao detalhe pelo autor. "Fico muito satisfeito que se note, porque me foquei muito nisso. É um disco com mais partes instrumentais, o que acaba por ser uma novidade. O facto de ter sido eu a tocar todos os instrumentos permitiu-me fazer uma digestão mais demorada desse lado mais musical. Foi o disco que me obrigou a estudar mais antes de começar tocá-lo. Coisas como as escalas e as harmonias, que em tempos já tinha estudado, mas entretanto já não me lembrava.".Parte desse trabalho foi feito na ilha de São Miguel, nos Açores, onde no início do ano esteve durante uma semana em residência artística, no Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas, na Ribeira Grande. "Tinha muitas coisas soltas que comecei a compor e a escrever logo depois da saída do segundo disco e foi lá que peguei nessa tralha toda, acumulada durante um ano, e a transformei em canções." Foi esse "afastamento" que "acentuou e confirmou" a vontade de falar de outros assuntos. "Sempre que acabo um disco penso sempre no que não fiz, e é a partir daí que começo a fazer coisas novas. Tinha vontade de ser mais contemplativo e de não estar tão ligado ao conceito de cidade, como no trabalho anterior." É portanto um disco "com mais silêncios, mais pausas, com um ritmo mais calmo"..De certa forma, isto também é resultante do tal reconhecimento por parte do público. "O meu primeiro disco, Cara de Anjo, é muito mais urgente porque sentia que ainda não tinha uma voz e tive de insuflar um bocado as canções, puxá-las para cima, para cativar as atenções e fazer as pessoas repararem em mim. Neste disco, pelo contrário, assumo que não preciso de falar tão alto para ser ouvido.".Talento precoce.Luís Severo tinha "5 ou 6 anos" quando pediu pela primeira vez aos pais para aprender a tocar piano. "Sempre foi uma teimosia minha", recorda. Já na escola, no 4.º ano, "um professor de Música, chamado Nuno Sá" incentivou-o a ir para o Conservatório de Odivelas, onde vivia, estudar uma componente mais clássica. "Fiz dois anos facilmente, o terceiro correu pior e no quarto desisti. Coincidiu com o meu 8.º ano, quando comecei a sair mais com os amigos e acabei por não continuar." Regressaria à música poucos anos depois, quando já estudava no secundário, "depois de perceber que havia muita gente a fazer música em casa e a partilhá-la na internet"..É nessa altura que cria uma página de My Space, na qual se dá a conhecer enquanto Cão da Morte, um nome mais adequado a uma banda de punk hardcore e não tanto ao tal "cantautor melancólico e romântico" que alguns ouvidos mais atentos começavam a reparar. "Nunca pensei que esse nome iria ser mais do que uma página do My Space. Tinha na estante o livro da Agatha Christie e, como tinha de arranjar um nome, ficou assim. Se na altura me dissessem que passados 11 anos estaria a falar disso com o DN, não iria acreditar.".O primeiro álbum, Cara de Anjo, foi lançado em 2015, pouco tempo depois de concluir o curso de Sociologia. Tinha 22 anos e foi nessa altura que decidiu começar a viver da música. "O disco não correu mal e comecei a tocar mais. Já conseguia pagar uma renda de casa e, apesar de uns meses serem melhores do que outros, a coisa ia dando sempre", diz. O pior foi quando teve de deixar de tocar durante alguns meses, no final de 2016, durante as gravações do segundo álbum, o muito elogiado homónimo Luís Severo, editado no ano seguinte. "Nessa altura, tive algumas dificuldades, sempre a tentar arranjar mais dois euros para ir comprar uma piza ao supermercado. A minha avó ajudou-me imenso nessa fase. Já me tinha convencido de que se corresse mal teria de arranjar outro modo de ganhar a vida." Mas acabou por acontecer precisamente o contrário: "Correu bem, de facto, e desde então passei a conseguir ter uma vida estável. Não tenho uma vida luxuosa, mas estou bastante contente com o que consegui. É uma honra conseguir viver da música em Portugal", concede..No ano passado deu cerca de 60 concertos, algo "inimaginável" quando começou a fazer música no quarto, há mais de dez anos. "Isso faz que me empenhe muito mais quando faço discos ou subo a um palco, sinto uma pressão que antes não existia." Antigamente, até evitava tocar ao vivo, não porque não gostasse de o fazer, mas por sentir que a sua música "não fazia grande falta às pessoas", por ninguém a conhecer. Mas até isso mudou a partir do momento em que se apercebeu de que tinha um público só dele. Agora, o sentimento é exatamente o contrário. Aquelas pessoas estão ali para me ver e ouvir, fazem questão de pagar, se calhar muitas delas até com algumas dificuldades. Tudo tem de correr, porque já não me envolve só a mim.".O Sol Voltou.Luís Severo.Cuca Monga/Sony Music Portugal.11 euros