Luís Amado: "O que se passou em Bruxelas vai continuar e a dimensão dos ataques vai escalar"
Como é que não se previu que poderia haver um ataque como retaliação pela prisão de Salah Abdelslam?
É difícil avaliar as condições em que a polícia belga e as forças de segurança europeias que se coordenam com ela atuaram. Não tenho elementos para saber se houve falhas de planeamento, mas este confronto é muito difícil para as polícias europeias porque têm de movimentar-se no quadro de uma atuação que tem constrangimentos a nível de garantias, liberdades e direitos dos cidadãos.
Porque os ataques são feitos por belgas, por europeus?
Mais uma vez, foram cidadãos nacionais a fazer o ataque. É natural que haja constrangimentos que só permitam às polícias agilizar a deteção de movimentações de suspeitos depois de se agravar a expectativa de atentados.
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A coordenação é difícil?
Problemas desta dimensão exigem uma cooperação a nível de forças de segurança, polícias e inteligência que está longe de ser conseguida na Europa, de forma a reagir a fenómenos desta complexidade e gravidade. É necessário dar um impulso mais integrado. Isso é difícil numa altura em que há movimentos de quase suspeita do reforço da integração, em que se pensa no fecho de fronteiras. É assim com Schengen e é assim com a União Europeia: é preciso mais integração, mas o ambiente político e social é reservado, é contrário a esse movimento, é desintegrador. A situação é de grande dificuldade política e põe em causa a evolução do próprio projeto europeu.
A radicalização dos povos europeus é um dos perigos.
Há uma preocupação imensa por causa das tensões de radicalização - e não é só aqui. Nos EUA, acompanhei o debate nestes últimos dias sobre terrorismo e insegurança. O fenómeno migratório está a gerar tensões também ali. É um fenómeno que tem que ver com tensão civilizacional, guerra religiosa, fragmentação geopolítica. E está para durar.
O clima de terror vai continuar?
O que se passou em Bruxelas vai continuar e a dimensão e gravidade dos ataques vão escalar. São ataques levados a cabo por grupos terroristas que estão por toda a parte. Temos de aprender a viver com isso. Temos de dar resposta, mas neste domínio não temos instrumentos que permitam garantir a segurança. Estamos no ponto de partida e não podemos ir atrás sem consequências graves.
O que é preciso fazer?
Temos de fazer um esforço grande de controlo do fenómeno nas comunidades de acolhimento europeias. Há uma integração muito grande entre as comunidades nos países de origem e nas cidades europeias, sobretudo de periferia. Na estratégia terrorista destes grupos fundamentalistas há a intenção de radicalizar o outro. Há uma década errámos ao não identificar o fenómeno de radicalização ideológica. Isto tinha de ter sido contido nessa altura. Nós fizemos o contrário: desestabilizámos estas sociedades, destruímos sistemas fundamentais - da Argélia à Síria, estes grupos eram contidos por regimes opressivos. Nós desintegrámo-los sem pôr nada no seu lugar e agora as comunidades estão em fuga. Temos de apoiar-nos no campo moderado árabe até sabermos e sermos capazes de lidar com isto.
A Europa tem de ser mais ativa?
A Europa não tem sabido resolver e proteger os seus interesses nas relações de vizinhança mais próxima. Isso é óbvio depois de uma década de políticas erráticas e alimentadas por ativismo político quase cego, que funciona por impulsos, sem visão de médio e longo prazo ou aderência à realidade desses países. Enquanto não resolvermos os nossos erros será difícil garantirmos a segurança.
Os EUA recuaram nessa dimensão interventiva?
Para os EUA é diferente - até têm um candidato que se atreve a dizer que a NATO é muito importante, mas se a Europa quer garantir a sua segurança tem de pagar, tem de investir. Isto mostra que estamos em período de transformação da Europa e do mundo. Vivemos uma mudança profunda.