Lucília esperou 23 anos para ver a sua queixa chegar a tribunal

Lucília Cruz, de 73 anos, está desde 1993 à espera de que o caso seja julgado. Alega que a Embaixada de Angola lhe deve 350 mil euros
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Lucília dos Santos Cruz, angolana com 73 anos, vai amanhã assistir ao início de um julgamento pelo qual espera há mais de 20 anos. Deverá ser o principio do fim de um processo que andou vários anos pelos tribunais, com alguns a não se considerarem competentes para julgar a ação, devido ao envolvimento de um Estado estrangeiro. A queixa de Lucília arrastou-se tanto pelos tribunais que até o jornal onde o caso foi denunciado, semanário Tal & Qual , já fechou.

Começa assim amanhã, na 1.ª secção cível de Lisboa, a ser analisada a ação aberta contra a Embaixada de Angola. Lucília alega que por mais de cinco anos, de dezembro de 1985 a fevereiro de 1991, prestou serviço como correio de documentos para a representação diplomática de Luanda em Lisboa. "Nunca recebi dinheiro", conta a angolana que em março de 1993 apresentou queixa reclamando o direito a receber oito mil contos (40 mil euros), dinheiro que dizia então ter adiantado do seu bolso para as viagens que fazia a Luanda para ir buscar documentos de 15 em 15 dias, certidões e até cartas de condução. Alfredo Pereira, o terceiro advogado a pegar no processo de Lucília em 20 anos, admite ao DN que "o caso é muito complexo". O advogado só adiantou que o valor reclamado na ação cifra-se atualmente na quantia de 350 656,88 euros. Desses, Lucília diz-se credora de 92 800 euros, sendo 82 528.44 a título de juros vencidos. A outra metade, 175 mil euros, é do pedido por danos não patrimoniais.

O processo já deu muitas voltas desde que Lucília intentou uma ação em março de 1993 no tribunal judicial de Lisboa, 7.º juízo cível. Segundo fonte conhecedora do caso, o tribunal declarou-se incompetente para julgar aquele processo e absolveu a Embaixada de Angola. Como fundamento, alegou a incompetência material internacional uma vez que a entidade que estava a ser processada e a quem era pedido um valor indemnizatório por uma cidadã é a representação diplomática de um outro país, no caso, o Estado de Angola. Lucília recorreu para a Relação de Lisboa e colocou também uma ação no Tribunal do Trabalho.

Em 2010, o processo entrou na Instância Central de Lisboa, na atual 1.ª secção cível do Juízo 3. Isto depois de ter ido para a Relação de Lisboa e de ter baixado à primeira instância. Segundo soube o DN, a Embaixada de Angola contestou sempre o pedido de Lucília dos Santos Cruz alegando que era ela quem angariava clientes à porta da embaixada para lhes trazer documentos do país e que seria paga por essas pessoas e não pela representação diplomática.

Ao processo Lucília juntou uma credencial da Embaixada da República Popular de Angola, em Lisboa onde se lia: "Para os devidos efeitos se declara que Lucília dos Santos Cruz é nossa colaboradora e que está autorizada a tratar de todos os documentos de que ela se faz acompanhar. Por ser verdade se passa a presente credencial que vai devidamente assinada e autenticada com o selo branco em uso neste Consulado Geral aos 31 de março de 1989". No fim do documento está a assinatura do cônsul.

Durante vários dias o DN tentou contactar por telefone o conselheiro de imprensa da Embaixada de Angola, Estêvão Alberto, que nunca se mostrou disponível nem respondeu ao e-mail enviado com um pedido de esclarecimento.

Já uma das advogadas da Embaixada no processo, Cristina Portela Duarte, respondeu por e-mail que não prestava declarações "declarações sobre questões profissionais pendentes".

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