Nesta quarta-feira, às 19.00, a bola voltará a rolar em Portugal, num Portimão Estádio de portas fechadas ao público. Com as bancadas vazias e silenciosas por todo o país, não haverá a Melinha de Braga a gesticular para o árbitro, nem as palmas do Manuel do Laço ou o trompete do senhor Lourenço. A pandemia obrigou o futebol português a parar no dia 12 de março e conseguiu o impensável: afastar dos estádios três dos mais reconhecidos adeptos de clubes em Portugal. Agora, futebol só na televisão. Mas não perdem a esperança de um dia voltar às bancadas, que chamam de "segunda casa"..O Lourenço trompetista que já foi atleta do FC Porto.Não há jogo no Dragão sem o trompete de António Lourenço ecoar nos ouvidos dos jogadores. É assim desde 1983. "O Pinto da Costa foi eleito em 1982 pela primeira vez e eu cheguei com o trompete um ano depois. Tinha 15 anos quando decidi levar o trompete para o pavilhão onde se jogava um decisivo FC Porto-Benfica, em hóquei em patins. Uma vitória valia o primeiro título nacional aos portistas, que acabou por acontecer. O jogo começou com uma hora de atraso, pois o antigo Pavilhão Américo de Sá, com capacidade para seis mil pessoas, devia ter nesse dia umas dez mil alminhas. Toda a gente de pé! Nesse jogo estava lá a claque Dragões Azuis, que gostaram do som do trompete e convidaram-me a acompanhá-los em todos os jogos, e assim começou uma história com muitos episódios", contou o adepto portista de 82 anos ao DN..Agora, ao fim de 37 anos, a pandemia (quase) calou o trompete. O jogo do FC Porto com o Famalicão (quarta-feira às 21.15, Sport TV) vai ser visto em casa. "Ir para lá e ficar à porta seria uma tortura", confessou o adepto portista, prevendo que "os jogadores vão, de certeza, sentir a falta do trompete".. Lourenço está "mortinho por voltar a ir a um jogo do FC Porto". Para ele "é muito triste não poder ir ao estádio" e só espera que esta "catástrofe" da covid -19 possa "fazer emergir algo de bom no futebol e na vida das pessoas". Ele não gosta do futebol quezilento que se viveu nos últimos tempos. Apesar de ter saúde, já não tem paciência para as "confusões das claques" e as "revistas policiais" e por isso evita as grandes deslocações, mas não esquece que o trompete já ecoou no Camp Nou com 120 mil pessoas. Ou uma outra vez em que foi ver o jogo dos dragões a Bremen, na Alemanha, (vitória por 5-0) de autocarro. Foram 36 horas de viagem e 2800 quilómetros para cada lado. No regresso pararam em Paris e tocou debaixo da Torre Eiffel. "São coisas que não se esquece", confessou, antes de lembrar que o trompete também ecoou em Viena "naquele golo de Madjer de calcanhar na conquista da Taça dos Clubes Campeões Europeus". A Liga Europa e a Champions com Mourinho também foram marcadas pela música de Lourenço. Assim como a Liga Europa com Vilas Boas. No Dragão não falha um jogo. E não é só futebol. Por ano vê "uns cem jogos do FC Porto". O amor aos dragões começou quando nasceu, na freguesia da Sé no Porto, e saiu reforçado quando aos 14 anos foi convidado para entrar na natação do clube. Foi ainda remador e basquetebolista dos azuis e brancos, apesar de ser mais conhecido por dar música aos adeptos. Se não fosse a companhia do trompete ele não sabe como teria superado a quarentena. Toca duas vezes por dia às 13.00 e às 19.00. Há uns vizinhos novos que parecem não apreciar e até já chegaram a chamar a polícia, mas Lourenço argumenta que, tal como os jogadores, também precisa de treino. O rol de músicas é diversificado, sobretudo música popular portuguesa, como o Malhão ou O Bailinho da Madeira, apesar de os portistas lhe pedirem para tocar "a música do Pinto da Costa". Numa dessas serenatas à varanda teve a visita de alguns elementos da claque dos Super Dragões..A Melinha do Braga ou a rainha Isabel II?.O seu nome é Maria Amélia Morais, mas ela prefere ser D. Melinha do Braga. Uma verdadeira guerreira do Minho. O Sp. Braga vai fazer 100 anos e ela tem quase 85 e não pensa deixar de ir à Pedreira. "Só se me der alguma coisa má." A coisa má chama-se coronavírus. Uma palavra que para ela significa "proibido ir ao estádio" e nada mais. Melinha não tem medo do vírus porque não tem "medo de morrer" e, se calhar, "é por isso que vive melhor". Mesmo em quarentena saiu para ir ao café e caminhar todos os dias. Foi abordada três vezes pela polícia para ir para casa... Sem poder ir à Cidade do Futebol ver o Santa Clara-Sp. Braga na sexta-feira (19.00, Sport TV) a adepta bracarense mais conhecida do país e no estrangeiro vai ver o jogo num café. E já tem lugar marcado: "O filho do dono do Café Viana, que fica debaixo da arcadas ali no centro da cidade, convidou-me a mim e à minha irmã para irmos lá ver o jogo, e eu aceitei logo. Vou vibrar na mesma, só não sei se vou vestida a rigor ou se levo apenas o cachecol.". Já perdeu a conta às vezes que foi ao estádio. A primeira vez foi algures em 1944 ou 1945, quando tinha 9 anos e o irmão mais velho a levou a um jogo de futebol. As bancadas eram de madeira e a única claque era o povo a vibrar com o jogo. A proximidade com o Estádio 1.º de Maio (antigo recinto do clube) contribuiu para o despertar da sua paixão pelo Sp. Braga, que perdura até hoje. Em 1962 o marido fê-la sócia do emblema bracarense, depois haveria de ficar viúva e, sem filhos, canalizou o amor para o clube, acompanhando-o para todo o lado: "Aplaudir o meu Braga é o mais importante para mim." Ainda não conseguiu ver o clube campeão nacional - "já esteve perto e a ver se não morro antes" -, mas já assistiu a algumas conquistas. A mais importante foi a primeira Taça de Portugal do clube, no Estádio do Jamor a 22 de maio de 1966. O golo do argentino Miguel Perrichon, perto do fim do encontro como Vit. Setúbal, fez a adepta ir às lágrimas, mas não sem antes dar nas vistas. "Já passava da hora e o árbitro nunca mais acabava o jogo, então meti-me me cima do muro e comecei a esbracejar e a gritar 'acabou, acabou o tempo' e ele ouviu-me e acabou o jogo." Sempre equipada a rigor com as cores e os símbolos do clube e impecavelmente penteada, a partir de certa altura as pessoas começaram a perguntar: "Quem é aquela senhora que acompanha o Sp. Braga para todo o lado? Hoje todos sabem que é a Melinha." Já teve de fugir de cadeiras a voar em campos adversários e até já foi confundida com a rainha de Inglaterra, quando o Sp. Braga foi jogar a Liverpool em março de 2011. "Fui confundida com a rainha Isabel II. Estava calor e o sol incomodava-me, então meti-me lá num coche para me abrigar. Ali estava eu dentro de um coche e começaram todos a chamar "Queen, queen", pensavam que eu era a rainha. Eu acenava e apareceram televisões inglesas começaram todas a filmar [risos]", contou Melinha, que não gosta de ouvir chamar nomes ao árbitro. Ela só lhes chama "palhaços"..O Manel dos 38 laços com amor infinito ao Boavista.No Estádio do Bessa todos o conhecem pelo Manuel do Laço, mas em casa ele é Manuel de Sousa. Nos jogos apresenta-se de chapéu xadrez, camisa cinzenta-escura, calças pretas, casaco branco e um par de sapatos de duas cores: o esquerdo preto, o direito branco. Um estilo exuberante que mostra a paixão pelo xadrez da cidade do Porto. O fato está pronto para o regresso do campeonato, mesmo que não possa entrar no Estádio do Bessa. O homem do laço tem 38 laços e um destes vai ser escolhido para ficar no estádio neste sábado, quando o Boavista receber o Moreirense (21.15, Sport TV). "Na quarta-feira vou ao Bessa levar o meu cachecol e o meu laço grande para colocarem na minha cadeira", revelou ao DN o adepto boavisteiro que já viu uns mil jogos do clube ao vivo em 73 anos de vida e de sócio. Esta época só falhou dois ou três por causa de uma crise de ciática. No sábado vai estar de rádio colado no ouvido e ver o jogo aos pedaços. "Vou ver um pedaço aqui no café, se abrir, depois dou uma volta e vejo o resto no centro comercial perto de casa, na zona da Boavista, pois claro", revelou o adepto que gosta de ver os encontros ao vivo: "A televisão enerva-me muito.".Emigrante nos Estados Unidos durante 30 anos, contam-se pelos dedos das mãos os jogos que falhou em casa desde que voltou a Portugal em 2001. A paixão axadrezada levou-o a vir de propósito da América para ver um jogo e regressar em seguida. Do outro lado do Oceano seguia a maior parte das partidas pelo rádio. Partiu três: "A onda falhava e eu enervava-me.".Chegou a ser dirigente. Um cargo honroso, mas sem poder executivo. Foi membro da Comissão Boavisteira na década de 1960. Uma das suas missões era organizar a caravana de autocarros para ir ver jogos fora. Chegavam a ser 70. Hoje confessa que até perde o apetite quando o Boavista perde. Já teve a felicidade de ver o clube do coração campeão (2000-01). Nessa altura, em vez de invadir o relvado e festejar com os jogadores, levantou as mãos, agradeceu aos céus e dedicou o título "a todos os boavisteiros que Deus já tinha levado"..Para ele, "um estádio de futebol sem adeptos é como um céu sem estrelas ou um jardim sem flores", mas se é pela saúde das pessoas, tudo bem. Na opinião do adepto boavisteiro a época devia ter terminado e os clubes deviam já estar a preparar a próxima, mas "como os clubes empregam muita gente", era importante o futebol regressar..Manuel viu a cara rotulada numa cerveja sem álcool e numa caixa de fósforos e tem "amor infinito ao Boavista", clube que acompanhou por todo o lado. A pandemia "está a matar muita gente que não merece" e Manuel só espera que "sirva para levar mais amor e compreensão" ao coração das pessoas: "O futebol português precisa de respeito."