Lorca FC. A equipa de futebol que é treinada pelos adeptos pelo computador

Adeptos do Lorca FC, equipa da III Divisão de Espanha, decidem quem joga através de uma aplicação no telemóvel e até sugerem as substituições. Modelo revolucionário aumentou o número de sócios de 500 para 4000. Mas nem todos os treinadores concordam.
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No Lorca FC os adeptos são soberanos. O clube da região de Múrcia, que atua na III Divisão de Espanha, leva à letra a velha máxima de que o adepto tem sempre razão e resolveu dar-lhes o poder de escolher quem joga através de uma aplicação para telemóvel. Para os entendidos dos videojogos, é como jogar Football Manager com jogadores reais, em que o treinador da equipa está obrigado a seguir as indicações dos adeptos.

A ideia surgiu quando o presidente do Lorca, Roberto Torres García, chegou ao clube, em 2018, cheio de vontade e iniciativa em levar a equipa para outro patamar. Torres queria dar um impulso a um clube que tinha descido de divisão, contava apenas com 500 sócios e estava mergulhado num cenário de falência com dívidas na ordem dos 700 mil euros. Como gostava de ver os jogos na bancada, percebeu que os adeptos eram uns verdadeiros treinadores de bancada e que as suas ideias eram sempre diferentes dos critérios desportivos da equipa técnica. Então pensou: "Por que não procuramos uma forma de fazer chegar as opiniões das bancadas ao campo?" E foi assim que nasceu a ideia de criar uma aplicação, inspirada nos vídeojogos de futebol, como o PC Soccer e o Football Manager, para ajudar o treinador.

Após oito meses, o Manager Real Football viu a luz e já conta com mais de 4000 utilizadores espalhados por mais de 70 países, segundo confessou o presidente ao jornal El País.

Como funciona e como se põe em prática? Através da aplicação gratuita desenvolvida pelo clube, os utilizadores podem escolher entre quatro esquemas de jogo (4-4-2, 4-2-3-1, 4-1-4-1 e 4-4-1-1) e fazer o onze inicial. Depois, o sistema mais votado na aplicação é apresentado ao técnico, que tem a obrigação de o pôr em prática, mesmo que vá contra as suas ideias e estratégia de jogo.

Após os treinos, a equipa técnica prepara um relatório sobre cada jogador e insere os dados na aplicação. A atividade de cada atleta é medida numa escala de zero a cinco estrelas, determinada por variáveis ​​como drible, êxito no passe, força, velocidade e limitações físicas. Os adeptos podem assim ter acesso à ficha de cada um dos futebolistas, seguir os treinos e os jogos via YouTube e depois votar nos favoritos e assim ajudar a escalar o onze inicial. Jogam os mais votados em cada posição.

A função dos treinadores de bancada não se fica por escolher quem joga. Também são eles que decidem as substituições durante os jogos. A informação chega ao banco através de um elemento da equipa técnica, que acompanha as interações dos utilizadores através de um tablete transmite as indicações ao treinador. "Se, a qualquer momento, um grande número de utilizadores solicitar uma substituição ao mesmo tempo, o programa envia uma notificação ao tablet, que é comunicada ao treinador", explicou o presidente ao jornal El País, lembrando que o treinador tem de obedecer.

Uma situação que faz do banco do Lorca FC um lugar não muito confortável. E a verdade é que o clube já vai em três treinadores só nesta época. O projeto começou com Walter Pandiani, que abandonou o clube por causa das discrepâncias da aplicação e por considerar que "não representa os valores do futebol ou a filosofia da vida". O ex-jogador foi depois substituído por Walter Caprile, que se despediu após 15 dias no cargo com uma mensagem semelhante, apesar de o presidente defender que eles sabiam ao que iam e estavam a par das exigências peculiares do cargo.

Para o atual técnico, Víctor Dus, que alia o cargo com trabalho administrativo numa empresa de pensos, a aplicação "é uma ferramenta útil", mas admite que "a pressão é muito grande" para ele e para os jogadores. Mas, "felizmente", as suas ideias têm coincidido muito com as propostas dos utilizadores.

O clube está atualmente no sétimo lugar do campeonato da III Divisão de Múrcia, a seis pontos da ronda de qualificação, e o presidente confia que este modelo revolucionário levará o Lorca de volta ao futebol profissional e, talvez, chame à atenção de um investidor que evite a falência do clube.

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