"Vi um Portugal com zonas muito bonitas, diversidade, floresta e hortas familiares, a par e passo com um Portugal feio, industrial, agricultura intensiva, eucaliptais, estradas e mais estradas." A um dia de terminar a caminhada de cerca de 650 mil passos entre Lisboa e Porto para alertar para a realidade ambiental de Portugal, Sofia Guedes Vaz conta que encontrou duas realidades distintas dentro do mesmo país. Viu "um pouco de tudo", mas, ao mesmo tempo, "muito pouco": "Nas estradas ao lado das que percorri, a realidade podia não ser igual.".Sofia Guedes Vaz, 54 anos, é natural de Lisboa, onde começou a caminhada no dia 25 de abril. Licenciada em Engenharia do Ambiente e doutorada em Filosofia da Natureza e do Ambiente, confessa-se uma "ambientalista de alma e coração". É associada da ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável, que apadrinhou a viagem, cujo objetivo era inspirar as pessoas "para que pensem mais no ambiente": "Queria mostrar que é possível fazer coisas diferentes e inesperadas", diz ao DN, a partir de Fiães. A inspiração, conta, veio da jovem ambientalista sueca Greta Thunberg, que criou o movimento mundial da greve às aulas pelo clima..Para não se perder, a investigadora na área do consumo sustentável seguiu as setas dos Caminhos de Santiago. Estimava dar 555 mil passos - daí a hashtag #555milpassos, mas descobriu que são, afinal, quase 650 mil. Fez a maioria do percurso sozinha, mas houve quem se juntasse para fazer duas etapas. Dormiu em albergues de peregrinos, hostels e casas paroquiais. Chegou na sexta-feira à Ribeira, no Porto, por volta das 13.00. O regresso a Lisboa é feito de comboio..Durante a caminhada, Sofia Guedes Vaz viu de perto a paisagem, a biodiversidade, a arquitetura. Entre aquilo que mais a chocou, fala-nos do lixo. Daquele que encontrou junto às estradas, bem como de "sacos de entulho no meio do caminho". "Agride-me", sublinha, destacando que passou também por uma espécie de "lixeira familiar com roupa, colchões, sofás, frigoríficos". Algo que "não faz sentido no Portugal de hoje"..Sofia perdeu a conta aos edifícios abandonados que encontrou. "Casas, casas senhoriais, indústrias, armazéns, restaurantes, quintas. Chocou-me porque são muitos, muitos." Ruínas que "trazem a ideia do fim e do princípio, da economia circular, do cuidar das coisas". Além disso, destaca as "estradas e as vilas sem passeios, muitos carros". "Está tudo feito só para os carros. Choca-me não haver respeito pelos peões, pelos idosos, pelas crianças, que não andam de carro", lamenta..Mas isso não foi o mais relevante na caminhada. "O caminhar durante muito tempo sozinha liberta-nos do quotidiano, faz-nos sair do sistema e isso é que é importante." Para a investigadora da Universidade Nova de Lisboa, a caminhada resume-se em três palavras, a primeira das quais "tempo". "O espaço e o tempo mudam. Não tenho pressa. Não estou preocupada com o rápido, o novo. Este conceito - o do slow down - é muito importante para o ambiente.".Sofia Guedes Vaz destaca também o "silêncio". Como fez o percurso quase sozinha, passou "mais tempo a sentir e menos a racionalizar". Ficou mais sensível aos sons e ao que eles lhe transmitiam. Destaca por exemplo "o silêncio absoluto" que encontrou num eucaliptal e "a riqueza de sons" dos bosques. "Se sentíssemos mais o ambiente, será que isso fazia diferença?", questiona..Por fim, a ambientalista chama a atenção para a "frugalidade". Nas últimas duas semanas, viajou com seis quilos às costas, o que a fez pensar no que é realmente essencial. "Se calhar é muito menos do que pensamos", afirma. Uma ideia que vai ao encontro da sua área de investigação, que é o consumo sustentável. "Podemos ser felizes com muito menos e isso é muito importante para o ambiente", frisa..A ambientalista tem dois filhos - um deles da idade de Greta Thunberg -, que acham a ideia interessante mas, confessa, ainda não é algo que lhes diga muito. "Percebem que têm uma mãe fora do comum.".A viver uma "fase de transição", a investigadora trabalhava na Fundação para a Ciência e Tecnologia. É autora do ensaio Ambiente em Portugal, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, e membro da direção da Sociedade de Ética Ambiental. Ao DN, conta que começou a interessar-se pelas questões ambientais quando entrou para a universidade. Mas despertou para o tema um pouco antes, quando esteve num intercâmbio de estudantes na Dinamarca. "Eles já falavam mais dessas questões. Em Portugal, ainda não era uma preocupação."