Livros para pôr as crianças a fazer ondas do mar com a barriga
Antes de irem para a cama, Inês gosta de ter tempo para falar com os filhos, com calma, sobre o dia que passou. Podem ler uma história ou imaginá-la juntos. Podem apenas conversar ou respirar. Respirar? Sim, respirar. Os miúdos - com idades entre os 5 e os 9 anos - já não se surpreendem com esta ideia. Na escola primária que frequentam, em Barcelona, fazem meditação, adequada à sua idade, claro, com exercícios de respiração e consciência do corpo, trabalham a inteligência emocional e aprendem a apreciar o silêncio. "Não é fácil", admite Inês Castel-Branco. E foi inspirada pelos filhos e a pensar nos outros pais que criou Respira, um livro que é como um manual para ensinar as crianças a respirar, fazendo ondas do mar com a barriga, enchendo um balão, imitando os foguetões ou as árvores. Inspira, expira, inspira, expira.
"As crianças não se dão conta de tudo o que estão a fazer, ao início estão só a imitar o gesto, mas sabemos que a respiração é mais do que uma coisa biológica. Quando conseguimos atingir essa serenidade e nos sintonizarmos com o mundo há efeitos mais profundos. Há muito tempo que os orientais trabalham a respiração como porta de entrada, de contacto com o presente. E é uma das formas de afastar os medos", explica.
Respira é o primeiro livro escrito e ilustrado por Inês e é também um dos primeiros da recém-criada editora de livros infantis, Pequena Fragmenta - irmã mais nova da Fragmenta, a editora que Inês Castel-Branco e o seu marido, Iganis Moretta, criaram há oito anos.
Inês está habituada a aventuras. Estudou música dos 6 aos 14 anos mas um dia decidiu "deixar tudo" e dedicar-se à sua outra paixão, o desenho. Começou sozinha a investigar técnicas, da aguarela ao óleo, do pastel ao carvão. Aos 16 anos inaugurou a sua primeira exposição, em Castelo Branco, onde morava. E acabou por decidir estudar arquitetura, no Porto. No último ano do curso, foi fazer Erasmus em Barcelona. "Abriu-se-me um mundo." Não só na cidade, com toda a sua vida cultural, como também na universidade onde pôde estudar estética, a relação entre a arquitetura e a arte, entre o espaço, a liturgia e o teatro - a base da sua tese de mestrado. Entretanto, apaixonou-se decidiu ficar em Barcelona, onde fez o doutoramento sobre Peter Brook, Grotowski e o Living Theatre. "Todos usavam expressões ligadas à religião para falar de teatro, como ritual, a entrega. Isso interessava-me muito. Eram os anos 60 com toda a sua carga política e revolucionária. E como tudo isso influenciava o espaço, que era a base da minha tese."
Entretanto, enquanto faziam investigação, Inês o marido começaram a trabalhar juntos na edição de alguns livros e "surgiu aquela ideia: e se nós criássemos a nossa própria editora?". Em catalão não havia nenhuma editora que publicasses os livros que lhes interessavam, que ligassem a religião e o pensamento e as artes. "Sentíamos que havia espaço no mercado e sentíamos que tínhamos capacidade para o fazer."
Livros que abrem portas
Autodidatas, uma vez mais. Ela a aprender tudo o que podia sobre tipografia e paginação, ele a aprender tudo sobre como montar uma empresa, faturas e impostos, gráficas e distribuidoras. "Como diz o Siza: um arquiteto tem de ser capaz de desenhar uma cidade ou um puxador de uma porta. Nós fazíamos tudo." A Fragmenta começou em 2007, em casa, num apartamento de 60 metros quadrados, com dois computadores. "Não somos uma editora religiosa, fazemos livros sobre religião para todos os públicos, sobre pensamento, filosofia, etc. Explorando tópicos, dando a conhecer textos fundadores e não caindo nem na auto-ajuda nem numa coisa muito erudita."
Pelo meio, nasceram os filhos, Inês criou um blogue intitulado "Mamã Recicla", onde partilha alguns dos trabalhos manuais que fazem juntos, e, quase naturalmente, surgiu a vontade de voltar a desenhar e de fazer o seu primeiro livro, Respira. E com ele nasce a Pequena Fragmenta.
"A editora infantil segue a linha da Fragmenta. Queremos publicar textos que ajudem os mais novos a a pensar, que os façam ter curiosidade e despertem a sua imaginação. A fazer perguntas, mais do que dar respostas." Os primeiros três livros não podiam ser mais diferentes: além de Respira, estão já nas lojas Histórias de Nasrudin, com contos que vêm da tradição turca, e Funâmbulus, um livro que só na aparência é simples e que nos põe pensar no fio da vida e no quão difícil é atravessar esse fio sem cair. E todos têm, no final, um guia de leitura: "Não queremos que seja moralizante. O texto funciona sozinho, mas os pais, professores ou quem quiser ir mais a fundo tem aqui pistas de leitura e de jogos." Lá em casa, crescidos e miúdos têm se divertido nesta aventura. "São livros feitos a várias mãos, todos têm algo a dizer", conta Inês.
Em espanhol, catalão e português, há mais livros já a serem preparados - tanto pode ser uma história do yoga como contos do rei Artur - partindo do princípio que a literatura infantil "não é só os três porquinhos e o capuchinho vermelho". "Queremos apelar à criatividade. Se nesta idade as pessoas não podem sonhar, quando o poderão fazer?", pergunta Inês. Além disso, há uma evidente preocupação com todo o lado gráfico das obras: "Queríamos que estes livros tivessem o toque manual, que não fossem feitos só em computador."
Hoje, às 11.00, Inês Castel-Branco vai pôr pais e filhos a respirarem juntos num workshop baseado no seu livro que terá lugar na Capela do Rato. E às 18.00, os jornalistas João Miguel Tavares e António Marujo conversam com a autora na Livraria Ferin, em Lisboa.