O "folhetim" Livre-Joacine Katar Moreira já acabou, agora que a assembleia do partido (órgão máximo entre congressos) retirou confiança política à deputada? É bem provável que não. O que poderá estar, brevemente, em cima da mesa é a ponderação sobre se o partido deve (ou não) avançar para a fase seguinte: sanções disciplinares à deputada (que poderão ir da suspensão à expulsão)..O que vai ser analisado pela direção do partido é tanto o comportamento futuro da deputada - por exemplo, a hipótese de, de alguma forma, recusar o novo estatuto de deputada independente - como o comportamento passado. E, dentro deste passado, algumas declarações que Joacine fez no congresso de há duas semanas. Exemplos não faltam..Esta: "Usam o ódio do qual tenho sido alvo para me afastar." Ou então: "Elegeram uma mulher negra que foi útil para a subvenção." Ou ainda : "Isto é uma perseguição absoluta", "uma vergonha", "uma mentira absoluta". A direção do partido não gostou de ser chamada de mentirosa e das insinuações de racismo e daí que as ponderações disciplinares estejam a ser preparadas, para eventual queixa ao Conselho de Jurisdição (CJ) do partido..O CJ pode, por outro lado, atuar por iniciativa própria - mas sabe-se que o seu presidente, o advogado Ricardo Sá Fernandes, sempre foi apoiante do caminho da conciliação entre as partes. Isto embora não ponha em causa a legitimidade estatutária da assembleia do Livre para fazer o que fez na madrugada de quinta para sexta-feira, no decorrer de uma reunião que durou mais de oito horas: aprovar em voto secreto - com 34 votos a favor e sete contra - a retirada de confiança política à deputada..A direção do Livre vai estudar a possibilidade de sanções disciplinares, mas também - e na sequência de moções aprovadas no congresso - alterações às suas próprias regras internas de funcionamento, nomeadamente as eleições primárias de escolha dos candidatos do partido a órgãos externo (por exemplo: candidatos a deputados). Vai ser consignado um princípio atualmente não previsto: ninguém pode ser candidato a um órgão externo se tiver sido objeto de uma decisão de perda de confiança política. Por outras palavras: Joacine Katar Moreira não poderá ser recandidata em primárias internas a deputada. A situação não estava prevista porque ninguém antecipou como possível um caso destes..Imbróglio jurídico à vista na AR?.A direção do Livre já pediu uma audiência ao presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, para lhe formalizar a comunicação de que Joacine Katar Moreira deixou de ter a confiança política do partido - ou seja, já não o representa..Porém, não é claro se essa comunicação do partido será suficiente para passar a ter o estatuto de "deputada não inscrita" (agora o estatuto que tem é de DURP, sigla de Deputada Única Representante de Partido)..O regimento da Assembleia da República só prevê a possibilidade de ser o próprio deputado a requerer essa mudança - e não o partido que lhe retirou a confiança política. "Os deputados que não integrem qualquer grupo parlamentar, e que não sejam únicos representantes de partido político, comunicam o facto ao presidente da Assembleia da República e exercem o seu mandato como deputados não inscritos", lê-se, no artigo 11.º do regimento. E se Joacine não "comunicar o facto" ao presidente do Parlamento?.A verdade é que o regimento da AR - que aliás está em processo de revisão atualmente - estabelece o procedimento como se a decisão de rutura formal partisse sempre do deputado e não do respetivo partido (ou grupo parlamentar). Só que agora a rutura foi no sentido inverso: do partido com a deputada. Até há, pelo menos, um precedente - mas a forma como essa história se desenvolveu não se aplica agora..Perder tempo e dinheiro.Em 2006, o PCP pediu à sua deputada Luísa Mesquita, eleita por Santarém, para renunciar ao mandato e ser substituída, no quadro de uma política apresentada como sendo de renovação da bancada. Só que a deputada recusou. A seguir, o PCP expulsou-a. Mas foi Luísa Mesquita - e não o partido - quem comunicou ao então presidente da AR, Jaime Gama (PS), que passava a deputada não inscrita (vulgo: deputada independente) deixando de representar o PCP..Passando a deputada não inscrita, Joacine Katar Moreira perde subvenção estatal (ver quadro) mas também tempo de intervenção no plenário. Deixará de intervir nos debates quinzenais com o primeiro-ministro, perdendo também a possibilidade de definir a agenda de uma sessão plenária em cada legislatura. Também deixa de ter assento na conferência de líderes, que decide os agendamentos das sessões..Na comissão parlamentar da Transparência, na qual o regimento está a ser revisto, Joacine defendeu há uma semana que os direitos dos deputados não inscritos deveriam ser alargados. José Manuel Pureza, do BE, perguntou-lhe: "Isso é uma antecipação de alguma coisa, senhora deputada?" E a deputada respondeu: "Antecipação nenhuma, senhor deputado, é uma hipótese."