Quando entramos na Casa dos Animais de Lisboa (CAL), no Parque Florestal de Monsanto, somos recebidos pela Risa e pelo Caramelo, dois cães que já fazem parte da família e que Marta Videira, a diretora clínica da CAL, chama de seus. "São cães que acabaram por ficar, é como se fosse a nossa pequena matilha e nós temos variadíssimas histórias. Temos aquele cão ali à entrada que era de um bairro social, foi atropelado duas vezes por uma carrinha, para trás e para a frente, não foi intencional..Ele era ainda um cachorro. O Caramelo foi atropelado ao pé da estação de Benfica. Tinha detentor, que chegou a ligar para cá, mas nunca apareceu. Acabou por ser recuperado, sujeito a cirurgia, mas não resultou. Teve de fazer uma amputação e acabou por ficar aqui", explica Marta Videira..A Risa, que deve o seu nome ao facto de dar risadas, acabou por escolher a Casa dos Animais de Lisboa como a sua família. "Ela foi recolhida na zona da Ameixoeira, com uma ninhada. Quando cá chegou, amamentava os filhos e saía de todas as boxes onde a colocássemos, estamos a falar de alturas enormes, e vinha ter connosco. Quando era altura de amamentar a ninhada, voltava para junto dos filhos, depois regressava para perto de nós. Foi ela que decidiu ficar connosco. Cada um tem uma história. Uns de maus-tratos, outros de abandono, que são aqueles que nos tocam mais", prossegue a veterinária. Desta família também faz parte o Ruca, um labrador que em 2016 foi notícia quando o seu dono publicou na internet um vídeo em que ameaçava atirar o animal pela janela..A Casa dos Animais de Lisboa é o centro de recolha oficial de animais do município da capital e garante "a recolha, o alojamento, o tratamento e a preparação para adoção essencialmente de animais errantes, que não tenham detentores", explica Marta Videira, que trabalha com mais 51 pessoas nesta estrutura da Câmara Municipal, desde veterinários, tratadores e administrativos. "Neste momento, só temos cães e gatos. Por vezes, temos outras espécies, já chegámos a ter equídeos, chegámos a ter galináceos, pavões, pombos, coelhos, cobaias, pássaros, mas agora só temos cães e gatos. O número vai ser atualizado, porque estamos a preparar uma ação em que vão entrar 15 animais de uma só vez. Mas, sem contar com essa entrada, temos aproximadamente 160 cães e temos provavelmente à volta dos 60 gatos", enumera a diretora clínica da CAL..Durante o ano de 2020, deram entrada na Casa dos Animais de Lisboa 792 animais - 334 cães, 348 gatos e 110 de outras espécies. Segundo Marta Videira, não está acima do normal. "Durante este ano de pandemia entraram muitos animais por morte do seu detentor e, tirando duas situações em que soubemos que era por covid-19, a maior parte das vezes não temos essa informação, não conseguimos fazer essa ligação. Mas temos imensas situações de morte do detentor, de impossibilidade de continuar a ter o animal porque vai ser despejado, realojado, porque foi internado numa unidade hospitalar ou num lar. Normalmente, grande parte dos nossos animais chegam por situações assim.".As zonas de Lisboa mais problemáticas estão relativamente identificadas. No que diz respeito a cães, não existem muitas matilhas na capital, mas as áreas mais preocupantes são espaços rurais que ficam na fronteira com outros concelhos, como o Parque das Nações, e as zonas onde existem bairros sociais..Quanto a gatos, existem milhares de colónias na cidade de Lisboa. "Há zonas, sobretudo as mais antigas, com logradouros como Marvila, também nesta zona da Ajuda, ou em Alvalade, pela própria arquitetura, que têm a presença de colónias", explica Marta Videira..Se no capítulo da recolha de animais este ano de pandemia não trouxe grandes alterações, "proporcionalmente" foi sentido um maior número de adoções. "Adoções que, no nosso caso, foram muito bem pensadas. Nós não temos aqui adoções por impulso", garante a responsável da CAL, adiantando que em 2020 registaram 346 adoções, não havendo grande diferença entre cães e gatos. Nos dois primeiros meses deste ano foram 70.."Tivemos um elevado número de adoções de animais adultos e seniores, que acabam por ser muito mais fáceis de adaptar a um ambiente de família, porque muito depressa adquirem os hábitos e são mais calmos", prossegue Marta Videira. "Particularmente neste ano, foram pessoas que tinham um pouco mais de idade e que escolheram animais mais velhos. E é assim que deve ser. Para não haver aquele compromisso durante dez ou 15 anos, em que a pessoa já não tem a mesma força, sobretudo se o animal for grande. Além disso, são animais mais tranquilos, exatamente para fazer companhia. Houve essa consciência, pelo menos nós sentimos aqui em Lisboa que as pessoas estavam conscientes de que vinham adotar animais.".Com a aproximação do fim do dever de recolhimento e o regresso de muita gente aos seus locais de trabalho, Marta Videira teme que muitos animais adotados neste último ano sejam deixados para trás. "Todas as adoções que não foram bem pensadas, que foram mais para ajudar a ultrapassar um período difícil e em que o animal, em vez de ser visto como um membro da família, foi visto como um escape ou como um entretém, nós sabemos que isto é demasiado frágil e muito facilmente cansa..Depois, um animal dá muito trabalho, dá despesa. Necessita de cuidados veterinários, tem de ser bem alimentado, se estiver doente tem de ser tratado, tem de ser educado, portanto, necessita de tempo. Todas essas adoções que não foram bem pensadas poderão vir a resultar em abandono. Esse é o receio que nós temos", vaticina Marta Videira..Marta Videira, na qualidade de veterinária, deixou alguns conselhos para quem está a pensar adotar um animal, mas também para quem já tem e está a lidar com a realidade da pandemia e do confinamento. "Em relação às pessoas que estão a pensar ter um animal doméstico, deve ser uma decisão muito bem pensada. É um compromisso para a vida do tutor e também para a vida do animal..O animal não pode ser visto nesta fase como um escape para distração, para poderem ir só à rua passear, porque tem toda a outra parte, que é a educação, bem mais pesada", afirma a veterinária.."Quem tem um animal de companhia há mais tempo... Claro que neste momento os animais estão habituados a ter a presença do dono de uma forma muito mais constante. Estão habituados a passear mais, a sair mais. Aquilo que nós aconselhamos é que, se o tutor tem a expectativa de que irá retomar a sua atividade, deve ir gradualmente colocando os horários e as rotinas no ponto onde estavam antes do confinamento, para o animal não sentir tanto a diferença e não começar a ter algumas alterações comportamentais e patologias como a ansiedade por separação, começar a tornar-se muito irrequieto, destruir coisas, latir muito, a fazer micções involuntárias porque de repente está sozinho e não estava habituado. Nós aconselhamos essa atenção, para não ser uma forma brusca, porque depois surgem esses comportamentos que, quando se tornam muito pesados e dramáticos, influenciam às vezes todas as pessoas, não só da casa, mas os vizinhos. Essa pode ser, muitas vezes, a razão de a pessoa tentar depois devolver ou largar o animal", explicou Marta Videira..ana.meireles@vdigital.pt