O Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) justifica o despedimento de funcionária da Embaixada de Portugal no Luxemburgo por esta ter recusado a sua integração no quadro de pessoal da representação diplomática ao abrigo do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP)..A Confederação de Sindicatos Independentes do Luxemburgo (na sigla original, OGBL) vai processar o Estado português - a embaixada, o MNE e a Secretaria de Estado das Comunidades - por causa do despedimento desta empregada que diz ser "abusivo".."A OGBL vai lançar uma ação legal contra o Estado português para ver reconhecido o despedimento injusto de uma empregada de limpeza, que trabalhava na Embaixada de Portugal no Luxemburgo desde 1993, sem qualquer contrato de trabalho escrito e com uma remuneração inferior ao salário mínimo do Luxemburgo (10,4181 euros/hora). Este montante não evoluiu segundo a indexação desde 2010, conforme exigido por lei no Grão-Ducado para todos os trabalhadores, incluindo funcionários de missões diplomáticas envolvidas localmente", descreve a confederação sindical num comunicado de 25 de janeiro, depois de já em novembro ter denunciado publicamente o caso..Questionado pelo DN, o gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros afirma categoricamente que "a trabalhadora não foi despedida". Segundo o MNE, a empregada "foi indicada pelo Sindicato dos Trabalhadores Consulares e das Missões Diplomáticas para o Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública, ao abrigo do artigo 11.º da Portaria n.º 150/2017 de 3 de maio"..É neste quadro, argumenta o gabinete de Augusto Santos Silva, que a situação da funcionária "foi reconhecida como sendo um vínculo precário pela Comissão de Avaliação Bipartida do MNE e este parecer foi devidamente homologado". E acrescenta: "Nesse sentido, foi-lhe explicada, a sua situação jurídica e a proposta de contratação ao abrigo deste programa, com vista ao estabelecimento de um vínculo por tempo indeterminado com o Estado português, assim como as especificidades do mesmo. A interessada apresentou a sua candidatura ao concurso aberto ao abrigo do disposto na Lei n.º 112/2017 de 29 de dezembro.".A funcionária "recusou-se a assinar o contrato que permitiria a sua vinculação à função pública por tempo indeterminado", garante o MNE..A interpretação do sindicato luxemburguês é outra: "A embaixada apresentou, em dezembro de 2018, um novo contrato dando-lhe o estatuto de funcionária do Estado português, para assinar de imediato. Esta recusou-se a fazê-lo imediatamente para que pudesse submeter [o contrato] a conselho jurídico para verificação. Ora, esse contrato previa uma mudança fundamental na sua situação de empregada sujeita ao direito luxemburguês e continha, além disso, uma série de irregularidades, tais como: a falta de recuperação da sua antiguidade adquirida, 44 horas máximas de trabalho semanal; semanalmente, sem indexação da remuneração, etc.".Segundo a longa resposta dada ao DN pelas Necessidades, foi submetido à funcionária um "contrato modelo", "que é igual para todos os funcionários dos serviços periféricos externos do MNE" e que "acarreta a obrigação de exclusividade e tal facto foi-lhe devidamente explicado"..Este parece ser um ponto de discordância: o MNE exige exclusividade a uma empregada de limpeza, que - apontou o embaixador António Gamito em carta enviada à advogada da OGBL, em 9 de janeiro, e que foi divulgada pela agência Lusa - manteria dois empregos, ambos em serviços dependentes do próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros.."Estamos convencidos de que [a trabalhadora] queria manter a situação que existia (duas remunerações - a do Instituto Camões e a da embaixada mais um subsídio da embaixada), o que lhe permitiria ganhar, de resto, um salário superior ao mínimo local, quando os media dizem o contrário", escreveu então António Gamito..Nessa carta, o embaixador justificou que as alterações pedidas pela empregada não eram possíveis, porque "os serviços jurídicos do MNE as consideraram não fundadas por violarem a lei portuguesa, em particular a obrigação genérica de exclusividade"..O salário é outro ponto de discórdia e foi, aliás, por aí que esta história começou: em 29 de outubro de 2018 foi publicado um anúncio - no site da embaixada - com a abertura de um concurso para regularizar a situação desta empregada doméstica a trabalhar na residência do embaixador, já então ao abrigo do programa de regularização extraordinária de vínculos precários na administração pública..Nesse anúncio, para "assistente de residência", a que a agência Lusa teve acesso, assinado pelo embaixador António Gamito, que iniciou funções em outubro de 2018, fixava-se o salário em 1874,19 euros ilíquidos por mês, um valor inferior ao salário mínimo para pessoas não qualificadas, que é de 2048,54 euros mensais..Segundo o Código do Trabalho do Grão-Ducado, pagar um ordenado abaixo do valor mínimo constitui uma infração punida com coimas até 25 mil euros..Em 17 de dezembro, o advogado da OGBL informou o embaixador que não era possível assinar o novo contrato, uma vez que a mulher portuguesa trabalhava também 15 horas por semana no Centro Cultural Camões - um serviço também dependente do MNE. De acordo com o sindicato, "em momento algum, a Chanceleria se dignou a responder a estas legítimas considerações, mesmo que fosse para acusar a sua receção"..Sem que a embaixada tomasse posição, argumenta a OGBL, era impossível assinar o novo contrato até 31 de dezembro de 2018, como pretendia a representação diplomática. E a embaixada concretizou a ameaça de despedimento, desrespeitando as formas de rescisão dos contratos previstos pela legislação luxemburguesa, aponta a confederação sindical..O gabinete dos Negócios Estrangeiros nota que "uma vez que, não obstante todos os esclarecimentos que lhe foram prestados, se recusou a assinar o contrato de trabalho", a "prestação de serviços [da funcionária] cessou em 31 de dezembro passado". E adiantam as Necessidades: "Foi, portanto, explicado à trabalhadora em causa, antes da abertura do concurso, que a sua situação funcional tinha sido considerada pela CAB como vínculo jurídico inadequado, e que este parecer favorável à regularização tinha sido homologado pelos membros do governo competentes.".Recorda o MNE que a lei do PREVPAP define que "a não aceitação do contrato (...) impede o recrutamento dos candidatos"..O MNE admite que, apesar de trabalhar na representação portuguesa no Luxemburgo há 25 anos, "a trabalhadora não tinha contrato formal escrito", justificando-se com o facto de "apenas" fazer uma "prestação de serviços de limpeza numa base de quatro horas/dia, sendo remunerada por um valor estipulado entre as partes para a prossecução dos objetivos pretendidos"..Segundo a explicação dada ao DN, "estes aspetos formais e informais foram devidamente analisados", no âmbito do programa que o governo adotou para acabar com estas situações de precariedade. "Recusando o contrato que lhe foi oferecido, foi excluída do programa" e "a prestação de serviços (com carácter anual) cessou em consequência"..Em 2 de janeiro deste ano, pelas 13.30, a trabalhadora apresentou-se ao serviço, acompanhada de duas testemunhas e do seu advogado, relata o comunicado da confederação de sindicatos. Foi recebida por dois funcionários que a informaram de que receberam instruções do ministério de que ela não continuaria a trabalhar na representação diplomática, por não ter assinado o contrato na data prevista..No caso da indexação do salário (que se refere a atualizações ao custo de vida fixadas pelo governo luxemburguês), o MNE tem uma interpretação jurídica distinta da que é feita pelo sindicato, mas garante ter "obedecido às atualizações de salário mínimo (ao abrigo de normas imperativas locais)", apesar de admitir que "o processo de análise e autorização ministerial" é "demorado". No entanto, garante ainda o ministério, este facto "acaba por não prejudicar os trabalhadores abrangidos por ser corrigido, a posteriori, com efeitos retroativos"..O MNE conclui, na resposta dada ao DN, que "não houve qualquer despedimento e naturalmente não houve qualquer retaliação em relação à trabalhadora. Foi-lhe dada a possibilidade de integrar a função pública portuguesa por tempo indeterminado, a auferir o salário mínimo local"..Segundo o gabinete de Augusto Santos Silva, a questão do salário mínimo também estava a ser revista. "Assim que foi dado conhecimento aos serviços centrais do MNE do valor do salário mínimo local, foi desencadeado o processo de atualização, mas os trâmites processuais não foram concluídos a tempo de abertura do concurso. A prestadora de serviços foi informada desta situação. De salientar que, ainda assim, o valor foi corrigido a tempo de ser oferecido na fase de celebração do contrato.".O ministério insiste que não se trata de "um despedimento", mas antes "uma [cessação] de uma prestação de serviços, cuja iniciativa coube à interessada e não ao MNE", que até garantia "uma relação jurídica permanente e com um conjunto de benefícios, mas que implicava também um conjunto de deveres que não foram aceites pela interessada"..Em 3 e 4 de janeiro, a mulher voltou a tentar entrar na embaixada para trabalhar. Foi-lhe recusada a entrada. O próximo encontro deve acontecer em tribunal, avisa a confederação sindical. Para a OGBL, trata-se de uma "violação do contrato de trabalho", que "só pode ser qualificada como despedimento sem justa causa".