Lições de Xangai
Considerado já uma das classificações mais prestigiadas do ensino superior a nível internacional, o chamado Ranking de Xangai, agora novamente divulgado, permite tirar pelo menos quatro lições muito interessantes, a começar logo pela que é a liderança incontestada das universidades dos Estados Unidos, e de certo modo das anglo-saxónicas. O pódio é 100% americano, ocupado por Harvard, Stanford e MIT, e no Top-10 estão mais cinco americanas, com as exceções a serem Cambridge e Oxford, há vários séculos as mais valorizadas das universidades britânicas. A primeira universidade não-baseada num país de língua inglesa é a francesa Paris-Saclay, em 16.ª, e nas primeiras 20, a fechar, surge outra não-anglo-saxónica, a suíça ETH de Zurique.
Criado por uma universidade chinesa e até hoje elaborada por especialistas chineses, o Ranking de Xangai cruza critérios como os prémios Nobel e Fields (espécie de Nobel da Matemática), as publicações em revistas científicas ou as citações de artigos de professores e alunos. Há críticas a essa metodologia e também a acusação de que existe uma certa sobrevalorização das universidades chinesas. A melhor destas, na lista deste ano, é a Tsinghua, em 26.ª, segunda asiática depois de uma japonesa, a Universidade de Tóquio, o que parece desmentir o tal favorecimento nacional, pelo menos para lugares de topo.
A segunda lição tem que ver exatamente com a atitude competitiva das universidades chinesas, pois se o ranking reconhece as americanas como as melhores, então admite também que há um caminho a fazer para as igualar ou até ultrapassar. A própria Tsinghua tem feito uma progressão enorme a cada ano: em 2018 era a 45.ª, em 2019 a 43.ª, em 2020 a 29.ª e em 2021 a 28.ª. E nas primeiras cem universidades estão mais nove chinesas, o que significa um progresso generalizado do ensino superior, aliás em linha com o desenvolvimento económico do país, desde 2010 segundo maior PIB, só atrás dos Estados Unidos.
A tradição científica na China é milenar, e deve recordar-se também que as sucessivas dinastias imperais recorriam aos mais letrados para administrar os assuntos do Estado. Por isso, não é de estranhar os cada vez mais admiráveis desempenhos das universidades chinesas, mesmo que, curiosamente, isso passe pelo reconhecimento expresso de que, para já, a América faz melhor no ensino superior.
A terceira lição que se pode tirar do ranking de Xangai é que um dia a estratégia chinesa para ultrapassar as universidades americanas vai deparar-se com a necessidade de imitar os Estados Unidos e de forma ampla, pois a fórmula de sucesso de Harvard, Stanford ou MIT tem muito que ver com o espírito da própria sociedade que as rodeia.
Há semanas, numa entrevista ao DN, Joseph Lee, reitor da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, afirmava que "a ciência não conhece fronteiras. Penso que é essa a razão para os Estados Unidos serem tão fortes. Eu vivi 11 anos nos Estados Unidos, fiz lá formação e estive no MIT em Boston. A força dos Estados Unidos é o livre intercâmbio e os melhores cérebros do mundo vão para lá, pois a ciência não tem fronteiras e une as pessoas. É a melhor política para encorajar a investigação científica". É bom que os académicos chineses reconheçam a importância de uma sociedade aberta e cosmopolita, aliás é o mesmo que acaba por fazer o Ranking de Xangai.
Já agora, a Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau surge entre a posição 501 e 600 (a partir das 100 primeiras, o ranking enumera grupos de cem universidades), ao mesmo nível da Universidade de Coimbra e da Universidade Nova de Lisboa. As melhores portuguesas são as universidades do Porto e de Lisboa (201-300), seguidas das de Aveiro e do Minho (401-500). E daí a minha quarta lição, mais localizada: mesmo sem os recursos dos Estados Unidos ou da China, Portugal tem de ambicionar fazer melhor, basta pensar que vários países da União Europeia com população semelhante ou até inferior, como a Bélgica, a Suécia ou a Dinamarca, conseguem ter universidades entre as cem melhores do mundo.
Diretor-adjunto do Diário de Notícias