Libertar presos mais vulneráveis? Portugal diz que ainda não

Nesta semana, a alta-comissária para os Direitos Humanos das Nações Unidas apelou a todos os países para que tirassem das cadeias os presos "mais vulneráveis", como os idosos e doentes crónicos. Serviços prisionais portugueses não estão recetivos à ideia.
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"Para já, não está a ser pensado isso", garantiu ao DN a porta-voz do Ministério da Justiça (MJ), confrontada com o apelo feito nesta semana pela alta-comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

Já este domingo, numa nova nota enviada às redações, acrescentou que "o governo, através do MJ, acompanha com particular atenção a situação que se vive nas prisões portuguesas, face aos riscos específicos decorrentes da emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID 19 e ponderará criteriosamente a recomendação da senhora Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, assim como de outras autoridades nacionais, na avaliação que fará, muito em breve, das medidas tomadas em execução da declaração do estado de emergência".

Michelle Bachelet pediu aos governos que tomem medidas urgentes para proteger a saúde e a segurança das pessoas detidas, como parte dos esforços gerais para conter a pandemia de covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus.

A fonte oficial do MJ lembra que "houve um grande investimento na saúde dos reclusos - todos os reclusos com hepatite e VIH têm tratamento desde 2018, todos os reclusos têm acesso a prescrições médicas eletrónicas, bem como a vacinas da gripe e pneumonia".

Três infetados

Segundo a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), até este sábado estava registada "uma única situação positiva para o covid 19, que diz respeito a uma cidadã estrangeira [oriunda de Madrid] que foi detida por órgão de Polícia criminal, numa fronteira terrestre, na posse de estupefacientes e que se encontrava positiva para o covid 19".

A mulher, que foi detida pela GNR na fronteira de Caia, foi transportada pelo INEM para o Hospital Prisional de São João de Deus, em Caxias, onde se encontra em isolamento e tratamento.

Entretanto, foi depois confimada a infeção de uma auxiliar médica, no hospital de Caxias, e de um guarda da prisão de Custóias.

Fonte oficial dos Serviços Prisionais assinala que "todos os reclusos que entram no sistema prisional oriundos da liberdade fazem isolamento profilático de 14 dias, sob vigilância clínica".

A alta-comissária da ONU salientou que "o covid-19 começou a entrar em prisões e centros de detenção de imigração, bem como casas de repouso e hospitais psiquiátricos, e corre o risco de se espalhar pelas populações extremamente vulneráveis dessas instituições".

Bachelet lembrou que, "em muitos países, as instalações de detenção estão superlotadas, em alguns casos perigosamente". "As pessoas geralmente são mantidas em condições não higiénicas e os serviços de saúde são inadequados ou até inexistentes. O distanciamento físico e o autoisolamento nessas condições são praticamente impossíveis", acrescentou.

A alta-comissária instou os governos e as autoridades relevantes a trabalharem rapidamente para reduzir o número de pessoas detidas, observando que vários países já adotaram algumas ações positivas.

"A nível global, não há sobrelotação. A 31 de dezembro de 2019, havia uma lotação total nos estabelecimentos prisionais de 97,6% - 12 634 reclusos para 12 934 lugares", assegura a porta-voz da ministra da Justiça, Francisca van Dunem.

Mais vulneráveis separados

A DGRSP afiança também que todos os estabelecimentos prisionais receberam ordens para que "procedessem à reafetação [alojamento no mesmo setor prisional] e à diferenciação dos horários das rotinas diárias da população reclusa de modo a procurar separar, o mais possível, as pessoas que a DGS considera mais vulneráveis [idade superior a 60 anos, com imunossupressão ou doença crónica, designadamente respiratória, hipertensão e diabetes], dos restantes reclusos".

Por ser fim de semana, não foi possível a esta fonte oficial dos Serviços Prisionais aceder à base de dados para indicar o número de reclusos que se enquadram nestas características. De acordo com os dados disponíveis na página oficial deste organismo, a 15 de março estavam no sistema prisional 12 779 reclusos, sendo 2419 preventivos e 10 360 condenados.

As visitas, saídas precárias e trabalhos externos estão suspensos. Está criado um grupo de crise para o covid-19 (integrado pela chefe do Centro de Competências de Gestão de Cuidados de Saúde, pela a diretora, pelo diretor clínico, pela enfermeira-diretora, pelo enfermeiro-chefe e por mais um médico do Hospital Prisional de São João de Deus, bem como pelo diretor de Serviços de Segurança) em contacto permanente com o diretor-geral e que, em qualquer momento, as medidas poderão ser objeto de alteração.

Na passada semana, as Força Armadas instalaram oito tendas - seis em Caxias e duas em Custoias -, com 48 camas no total, preparadas para casos de isolamento.

Nesta quinta-feira, o Ministério da Administração Interna anunciou a disponibilização, através da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, 20 tendas e 260 camas para instalar em estabelecimentos prisionais, no âmbito das medidas preventivas de mitigação do contágio associado à pandemia da doença covid-19 entre a população prisional.

Atualizado a 29/3/2020, às 11h50, com a nota do MJ e a confirmação de mais dois infetados

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