Juan Guaidó chegou, viu e ainda está para se ver se venceu. A sua ascensão foi meteórica. Até Nicolás Maduro parece não ter contado com ela. O engenheiro, de 35 anos, tornou-se presidente da Assembleia Nacional da Venezuela a 5 de janeiro e, 18 dias depois, declarou-se presidente interino do país latino-americano em que vivem cerca de 300 mil portugueses e lusodescendentes..Apoiado pelos Estados Unidos, por países latino-americanos como Colômbia, Brasil ou Argentina, por países da União Europeia como Espanha, Portugal, Reino Unido e França e por instituições como o Parlamento Europeu, Guiadó exige a saída do poder de Maduro, um processo de transição através da realização de eleições livres e democráticas. Isto porque, segundo a oposição, os resultados das eleições que levaram à tomada de posse de Nicolás Maduro a 10 de janeiro, permitindo-lhe renovar o mandato de presidente, são fraudulentos..Mas apesar de meteórica, a ascensão do líder do partido Vontade Popular nada tem de acaso, pois foi preparada. Preparada pelo homem que apesar de preso, privado de todos os direitos políticos, continua uma luta incansável contra o regime de Maduro. Esse homem é Leopoldo López, ex-presidente da Câmara de Chacao, de 47 anos, atualmente em prisão domiciliária, na sua residência em Caracas..Faz hoje cinco anos que Leopoldo foi preso. Acusado de ser o responsável pelas violentas manifestações do início de 2014 contra Maduro. Nelas morreram 43 pessoas e centenas ficaram feridas. Por isso, foi condenado a 13 anos, 9 meses, 7 dias e 12 horas de prisão. Várias organizações internacionais, como ONU, UE, Amnistia Internacional e Human Rights Watch, consideraram que a sua condenação teve motivações políticas. A procuradora-geral Luisa Ortega Díaz, que se afastou do poder entretanto, denunciou em 2018 que fora pressionada por Diosdado Cabello a acusar López. Cabello é o presidente da Assembleia Constituinte da Venezuela. A qual não é reconhecida pela oposição..Familiar distante do revolucionário Simón Bolívar.Natural de Caracas, onde nasceu a 29 de abril de 1974, quatro dias depois da Revolução dos Cravos em Portugal, Leopoldo López é um familiar distante de Simón Bolívar, líder político e militar venezuelano, revolucionário que liderou a independência do domínio colonial espanhol..Formado em Economia e Políticas Públicas, em universidades conceituadas como a de Harvard, nos EUA, trabalhou como conselheiro económico nos Petróleos de Venezuela, S.A. e foi professor no Instituto Económico no Departamento de Economia na Universidade Católica Andrés Bello. "Eu decidi entre um emprego estável e a política. Escolhi a política. Foi uma ideia irracional guiada pela fé", disse, em 2007, a um jornalista..Aquando da tentativa de golpe contra Hugo Chávez, em 2002, López esteve nas manifestações contra o regime. Então já tinha sido eleito autarca de Chacao, em 2000, com 51% dos votos. Foi reeleito em 2004 com 81%. O golpe contra Chávez falhou. E o presidente interino que foi proclamado na altura, Pedro Carmona, acabou por ter de fugir para a Colômbia. Maduro usa este episódio como exemplo. E diz que Guaidó terá o mesmo fim..Chávez foi-se perpetuando no poder, até à sua morte em 2013, altura em que lhe sucedeu o seu vice-presidente Maduro. A situação económica na Venezuela, com a queda do preço do petróleo e a escassez de bens, foi-se deteriorando e fazendo aumentar a contestação popular. López e outros, como o ex-candidato presidencial Henrique Capriles, nunca desistiram, até hoje..Ao longo dos anos, López apoiou-se numa rede externa de apoiantes e opositores em fuga, para trabalhar no propósito de tirar Maduro do poder. Uma dessas figuras é David Smolansky, ex-presidente da Câmara de El Hatillo e membro do partido Vontade Popular, que fugiu da Venezuela em 2017 quando foi emitido um mandato de captura contra si. Vive, hoje em dia, em Washington. Outra dessas personalidades é Carlos Vecchio, um amigo de López e seu ex-colega em Harvard, que chegou a Washington também, em 2014, depois de fugir da Venezuela.."Este esforço que estamos agora a ver em curso começou a ser feito quando decidimos não participar nas eleições fraudulentas de maio", disse Vecchio, recém-nomeado embaixador nos EUA por Guaidó, citado pelo TheGuardian. "Foi então que decidimos pôr em marcha um verdadeiro movimento em todo o mundo no sentido de que ninguém reconhecesse a legitimidade de Maduro no dia 10 de janeiro."."Começámos a trabalhar para conseguir que mais gente declare não só que Maduro é ilegítimo mas que reconheça também o líder da Assembleia Nacional como o presidente interino legítimo da Venezuela do ponto de vista constitucional", acrescentou Vecchio, que segundo aquele jornal britânico tem trabalhado, tal como Smolansky, em contactos junto de figuras como o senador republicano Marco Rubio e o senador democrata Bob Menendez. Além disso mantêm contactos com diplomatas de 175 embaixadas acreditados nos EUA..Mas uma das pessoas que mais têm ajudado Leopoldo López é a sua mulher, Lilian Tintori, de 40 anos. Ao The Guardian ela garantiu: "Leopoldo está em contacto com toda a gente, todos os dias, de forma constante. A oposição está unida e forte. E a remar na mesma direção. É isso que vemos.".Ex-campeã de kitesurf, mãe coragem, ativista incansável.Antes da detenção de Leopoldo López, os venezuelanos conheciam Lilian Tintori como antiga campeã nacional de kitesurf que tinha estado num reality show de sobrevivência e que depois trabalhara como animadora de rádio e apresentadora de programas de desporto na televisão. Foi numa discoteca que a jovem conheceu Leopoldo López, economista que já ia lançado na carreira política, como presidente da Câmara de Chacao. Lilian já recordou em várias entrevistas o dia em que ele se ajoelhou com um anel e lhe disse: "Tenho duas perguntas. A primeira é se queres casar comigo. A segunda é se te queres casar com a Venezuela.".O casamento, que constava da primeira pergunta, aconteceu em maio de 2007. Mas o impacto daquela segunda pergunta talvez só tenha ficado claro no dia 18 de fevereiro de 2014, quando o marido se entregou às autoridades venezuelanas, depois de ter sido acusado de incitar à violência nos protestos contra o governo do presidente Nicolás Maduro..Lilian não baixou os braços. E levou a sua luta um pouco por todo o mundo. A sua conta de Twitter encheu-se de denúncias de maus-tratos e tortura ao marido, na cadeia de Ramo Verde, de fotografias de encontros com líderes internacionais, desde o ex-primeiro-ministro de França Manuel Valls ao atual presidente dos EUA, Donald Trump. Em 2017, viu a oposição venezuelana e López serem galardoados com o Prémio Sakharov do Parlamento Europeu..Lilian e Leopoldo têm três filhos, Manuela, Leopoldo e Federica. Esta última nasceu já depois de o pai estar preso. Em julho de 2017, López foi posto em prisão domiciliária por breves momentos. No dia da sua libertação, centenas de venezuelanos foram celebrar para a porta da sua casa em Caracas. López apareceu na varanda, acenando, com a bandeira da Venezuela na mão. E agradecendo. Poucas semanas depois, foi levado de volta para a prisão de Ramo Verde. E só em agosto desse ano voltaria de novo a casa. Onde está a cumprir pena em prisão domiciliária..Segundo denunciou a mulher, López está impedido de falar com a imprensa e, a cada quatro horas, a polícia tira-lhe uma foto com o jornal com a data daquele dia. "É como um refém", disse ela. Apesar de tudo, com recurso a apps de mensagens encriptadas, consegue comunicar com opositores que estão fora da Venezuela, nos EUA ou na Colômbia, por exemplo.."Seguramente [Leopoldo López] tomará a decisão de apresentar-se" como candidato "se conseguirmos eleições livres", disse Lilian, ao jornal espanhol ABC. "Primeiro tem de estar livre - e a ele é preciso juntar outros 1135 presos políticos - e habilitado a participar. [Hugo] Chávez inabilitou-o em 2008 e [Nicolás] Maduro prendeu-o em 2014. Se conseguirmos eleições livres, seguramente tomará a decisão de concorrer", respondeu a ativista de defesa dos direitos humanos, quando questionada sobre as ambições políticas do marido..Num dos telegramas diplomáticos divulgados pela WikiLeaks, em 2009, López é descrito por um diplomata dos EUA da seguinte forma: "É frequentemente descrito como arrogante, vingativo, com sede de poder. Mas figuras do partido também admitem que tem grande popularidade, carisma e talento enquanto organizador.".E se Guaidó não se contentar com um papel secundário? .O apoio dado por Trump a Tintori e à oposição da Venezuela, ganhou um novo impulso com a chegada ao poder de Jair Bolsonaro no Brasil e de Iván Duque na Colômbia. Ambos apostados numa saída de Maduro. A 22 de janeiro, diz The Guardian, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, telefonou a Guaidó. E garantiu-lhe o apoio de Trump e dos EUA para se proclamar presidente interino, no dia seguinte, bem como para liderar as manifestações contra o regime de Maduro e em favor de novas eleições na Venezuela..Pence fez o telefonema depois de se reunir na Sala Oval com Trump, com Marco Rubio, três outros republicanos da Florida e com o conselheiro de segurança nacional John Bolton. Aos EUA, muitos outros países se seguiram no reconhecimento de Guaidó. Agora, aviões de carga dos EUA estão na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela, com ajuda humanitária pronta a entrar em território venezuelano. A data prevista para isso acontecer é o próximo dia 23..Nesta segunda-feira, em Miami, Trump fará um discurso sobre a Venezuela e, segundo consta, tenciona sublinhar aquilo que considera serem os perigos do socialismo. Guaidó diz que tem 600 mil voluntários prontos para ir buscar a ajuda humanitária e garante que eles farão o que for preciso para trazer os bens e os produtos até à população que precisa deles. Maduro, por seu lado, convocou os militares. "Estamos dispostos a fazer o necessário para que a ajude chegue", disse Juan Guaidó neste sábado, perante milhares de simpatizantes num evento em que prestou juramento para integrar uma rede de voluntários que trabalhará para distribuir os donativos.."[Juan] Guaidó, a Assembleia Nacional e Leopoldo [López] desenvolveram uma estratégia para que a ajuda humanitária entre no país. Nós desenvolvemos uma rede de solidariedade gigante com o Rescate Venezuela para fazer chegar a ajuda e agora Guaidó conta com esta rede que está ativa", disse Lilian Tintori, enquanto o pai de Leopoldo López, Leopoldo López Gil, declarou, também ao ABC, que "o mandato de Guaidó é muito específico: conduzir o país a eleições livres. Em princípio, não deve ser candidato, mas poderia decidir querer participar.".Contentar-se-á Juan Guaidó com o papel de distribuidor da ajuda humanitária e organizador de eleições livres? "Obviamente que há aspirações. Há pessoas que querem estar lá, certo? No Vontade Popular temos um candidato, que é Leopoldo López. Juan [Guaidó] está a ter um papel muito importante, permitindo que a transição aconteça", disse, ao The Guardian, Andrés Mejía, outra figura proeminente do partido e aliado de López. Questionado sobre se, sem sombra de dúvidas, o candidato do partido é López, Mejía respondeu: "Sim. Absolutamente. Sim.".Vanessa Neumann, presidente da consultora de risco Asymmetrica, falando ao mesmo jornal britânico, tem outra visão: "Guaidó é neste momento uma figura messiânica. Se forem convocadas eleições, Guaidó vai vencê-las. Será o nosso presidente nos próximos seis anos - e Leopoldo iria detestar isso."