Se há estrela de Hollywood empenhada na divulgação e no esclarecimento público das grandes questões ambientais, essa estrela é Leonardo DiCaprio. E as suas preocupações não são de hoje nem de ontem. A fundação que criou em 1998, com o seu nome, dedicada à implementação de projetos que visam a proteção e o equilíbrio ecológico do planeta, foi apenas o primeiro passo de uma ação que tem sido firme e continuada - a qual lhe valeu, em 2014, o título de Mensageiro da Paz para as alterações climáticas, nomeado pela ONU..Desde 2007, ano em que produziu e entrou como narrador no documentário A 11.ª Hora, coassinado por Nadia e Leila Conners (a última é realizadora também do novo Ice on Fire), o ator de Titanic tem-se dividido entre a gestão da sua sólida carreira, já com um Óscar, e o papel ativo em produções que visam aproximar o conhecimento científico de qualquer cidadão. Foi assim com esse filme que dava a conhecer a luta dos cientistas para restaurar a relação harmoniosa entre a humanidade e os ecossistemas - contando com a participação do físico Stephen Hawking e do ex-presidente soviético Mikhail Gorbachev -, e foi assim com A Inundação da Terra (2016), de Fisher Stevens, documentário a que DiCaprio oferece uma presença ainda mais forte, não só como produtor mas como protagonista de uma viagem à volta do globo, que tem na base a história pessoal por trás do seu empenho na causa..Essa história parte de uma memória de infância e tornou-se conhecida na ocasião da visita do ator ao Papa Francisco, no Vaticano, quando DiCaprio ofereceu ao Sumo Pontífice um livro sobre a obra do pintor Hieronymus Bosch, mostrando-lhe a reprodução do tríptico O Jardim das Delícias Terrenas - com Adão e Eva no primeiro painel, um cenário de abundância humana ao centro e uma alegoria do inferno no terceiro -, que disse sempre ter interpretado de um ponto de vista ambiental: "Quando era criança não entendia o que significava, mas para os meus olhos de infância representava o planeta, a utopia, a superpopulação, os excessos, e no terceiro painel vemos um céu escuro que para mim representa muito daquilo que se está a passar com o ambiente.".Se no documentário A Inundação da Terra as alterações climáticas eram abordadas na perspetiva social, no sentido da prevenção do desaparecimento de espécies em risco, ecossistemas e comunidades nativas, o enfoque de Ice on Fire (que se estreou no último Festival de Cannes e chega nesta quarta-feira à HBO) está no problema da acumulação de carbono (CO2) na atmosfera. Realizado por Leila Conners, em segunda colaboração com Leonardo DiCaprio, que volta a ser o produtor e narrador doze anos depois de A 11.ª Hora, este é um trabalho que concentra as energias num discurso de urgência, realista mas esperançoso. Reunindo uma série de entrevistas a cientistas, investigadores, agricultores e outras pessoas dedicadas à execução de métodos inovadores, o documentário agora disponível faz um apelo tanto coletivo como individual..A linguagem científica trocada por miúdos."Às vezes é difícil comunicar a ciência ao público", diz o climatólogo e geofísico Michael E. Mann, um dos entrevistados de Ice on Fire. E acrescenta que essa dificuldade é muito maior quando os investidores em combustíveis fósseis "poluem" o discurso das mudanças climáticas para baralhar as pessoas. Isto leva-nos naturalmente à citação, feita no documentário, de um dos principais negacionistas do aquecimento global, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que, por exemplo, em 2018 anunciou o reforço da indústria do carvão - diminuindo os limites de poluição das fábricas - com o intuito de alterar as medidas reguladoras da política ambiental do ex-presidente Barack Obama. Na altura do anúncio, Trump usou uma expressão irónica que ecoou nos media: "Vamos ter carvão limpo, realmente limpo.".É ao arrepio destas atitudes de ataque à verdade científica que Ice on Fire atua de forma assertiva, não apenas combatendo a falta de consciência que ainda existe, mas sobretudo procurando tornar a ciência acessível a qualquer um. Nesse sentido, Conners faz do ecrã um espaço didático, sobrepondo gráficos e ilustrações às imagens reais, conforme vamos escutando as explicações dos especialistas e os dados concretos que nos apresentam a partir das pesquisas que estão a ser feitas..Além desta aproximação da linguagem científica ao público, o grande objetivo do documentário é dar voz a quem apresenta soluções efetivas para reduzir as emissões de carbono, não só através de fontes de energia renovável mas também de métodos de isolamento de carbono, como a captura direta de ar, o biocarvão, as quintas urbanas, a aquacultura ou a neve marinha. De tudo isto ouvimos falar em Ice on Fire, com imagens captadas um pouco por todo o mundo. Trata-se de inovações para reverter o aumento da temperatura do planeta e que são apresentadas por protagonistas rigorosos e comprometidos, altamente cientes da gravidade do que está em causa se se continuar a adiar a tomada de medidas - aquelas que dependem tanto das escolhas individuais como da ação política..Numa altura em que a crise climática vai estando cada vez mais na ordem do dia, com evidências de um Titanic a afundar, esta é uma conversa global que Leonardo DiCaprio quer continuar a inspirar. Tanto assim é que no seu calendário de futuras produções já consta uma ficção centrada num super-herói ambientalista de uma série dos anos 1990: Captain Planet.