Lena d' Água tem uma marca quase tão inconfundível como a sua voz - a gargalhada. É assim que se apresenta, numa manhã de sexta-feira, em Lisboa. Agora, quando está na capital, vem à terra. Pode dizê-lo como nunca aconteceu quando, miúda, crescia em Benfica..Esta sexta-feira, lança o disco Desalmadamente. Duas mãos-cheias de músicas que resultam do trabalho com Pedro Silva Martins, o mesmo que escreveu e compôs para Deolinda. Com os They're Heading West. E a produção de Benjamim..Passaram três décadas desde que o último disco de originais, ao lado de Luís Pedro Fonseca. É da história da música portuguesa: Lena d' Água começou nos Beatnicks no final dos anos 70. Fez a banda Salada de Frutas com o compositor já nos anos 80. Ele continuou a escrever para ela já depois de deixar a banda. Assinou as suas (até agora) mais emblemáticas canções, Dou-te um Doce, Sempre que o Amor me Quiser. E outras, em já se falava de ecologia, por exemplo, como Papalagui ou Nuclear Não, Obrigado, que atraíram os músicos com quem trabalha hoje..No intervalo entre discos, Lena d' Água, que faz 63 anos em junho, cantou para crianças, fez As Canções do Século com Rita Guerra e Helena Vieira, teve um problema com heroína, desintoxicou-se, foi concorrente Big Brother Famosos, descobriu a Internet, cantou Billie Holiday e Elis Regina, foi protagonista de um documentário e recebeu uma mensagem de Pedro Silva Martins. "Havemos de gravar um disco", disse-lhe. Antes iria ao Festival da Canção, em 2017, quando Salvador Sobral venceu. A canção soava a biografia - Nunca me Fui Embora . E não, nunca foi. Cantou sempre que pôde. Só não aparecia na televisão..Este verão, Lena d' Água vai com Primeira Dama ao Primavera Sound, no Porto, e ao Funchal, para outro festival. "Parece-me que ao fim destes anos, esta geração mais jovem, consegue ver o que os da nossa idade sempre ignoraram, os nossos pares", diz, sobre a nova fase - ao lado de músicos que não eram nascidos quando ela era a cantora que todos queriam ver..Nasceu e cresceu em Benfica, filha mais velha de três de Raul Aguas, número 10 do Benfica, o mesmo clube onde o irmão, Rui, também viria a jogar. Há quase 10 anos, mudou-se para uma aldeia na zona Oeste..Veio à terra? (Ri-se) Digo: "Até logo, vizinhos, vou à terra". Imagina que vivias até aos 50 a ouvir as pessoas dizerem que iam passar o Natal, a Páscoa e as férias à terra e nós aqui em Lisboa sem terra. Quando descobri que já tinha uma terra para ir fiquei toda contente..Viveram em Benfica. Há amigos dessa altura? Sim, claro. Amigos que ficaram para sempre. Meus e dos meus irmãos [Crsitina e o ex-jogador de futebol Rui Águas]. Era a cena dos apelidos das famílias. Casa dos não sei quantos. casa do Águas... Foram tempos muito fixes. E tivemos aquela fase da nossa infância em que o nosso pai era muito, muito famoso, em que os miúdos andavam todos aos saltos a gritar Benfica. Passávamos de carro e havia gritos dos miúdos do bairro. Nessa altura brincava-se rua. Ao mata, às escondidas, aos países... Aquele nosso bairro, sobretudo, não tinha quase carros nenhuns. Era um sítio mesmo bom para crescer. Tivemos muita sorte nisso. Sou uma sortuda..Acabou sempre por voltar a Benfica. Casei-me com 19 anos. Depois de um ano a viver lá em casa, fomos para a Amadora, mas eu não o via [o marido, Ramiro Martins], resolvi voltar. Então, tinha-me casado para quê? Fiquei muito infeliz. Estava ali numa casa que não era quentinha nem solarenga, como a minha de Benfica, dormíamos no mesmo quarto, mas de manhã ele ia ajudar o pai, depois ia para o estúdio ensaiar, porque era músico. Quando chegava, eu e a Sarinha [a filha] já estávamos a dormir. Foi uma paixão, pow. Posso dizer que foi à primeira vista e nem sabia que ele era músico quando o conheci..Eu estava a chorar numa festa de Carnaval, porque o meu amigo Manel tinha ido com uns amigos das drogas pesadas - eu tinha 18 anos e ele 17, meu amigo de infância. Nunca mais aparecia. Era uma festa de Carnaval, toda a gente a dançar, os meus amigos lá fora a fumar charros, o que era normal, as outras coisas é que não era normal. Começo a sentir-me tão triste, sento-me num degrauzinho e o Ramiro passa por mim com cervejas nas mãos, olha para mim, a chorar baba e ranho, eu olho para ele, ele diz qualquer coisa, achei logo que ele era lindo, com o cabelo escuro e a barba, linda também, uns olhos muito brilhantes. Lembro-me que perguntei: qual é o teu signo? Ele respondeu: "Sou leão e nasci nas montanhas". Para ele era Serra d'Aire e Candeeiros, porque nasceu numa aldeia perto da minha. Saí com ele e, cá fora, os amigos dele estavam com os meus amigos. Amigos meus de Benfica eram amigos de amigos dele que eram da Amadora. Conheci-o sem saber que era músico..A sua vida seria muito diferente se hoje fosse filha de jogador de futebol. Como foi nessa época? Éramos uns tesos (gargalhada). Fomos sempre. Não tínhamos dinheiro nem para ir comprar meias aos Porfírios, tinha de ser na retrosaria de Benfica. Mas fomos muito felizes. Pobretes, mas alegretes..Tem uma memória prodigiosa. Tenho. A primeira memória é uma coisa a picar-me o umbigo. o cordão umbilical atado com um cordel. Já era adolescente, perguntei à minha mãe se alguma vez tinha tido uma infeção, uma ferida, no umbigo. Lembrava-me de não me poder deitar de barriga para baixo porque havia uma coisa que me picava. A minha mãe disse "nunca tiveste nada". Desconfio que isso tenha sido mesmo uma memória real. Mas lembro-me de uma outra. Tinha três anos e estava num barquinho ao colo do meu pai numa traineira, assavam peixe e o meu pai estava a dar-me bocadinhos de pão e bocadinhos de peixe. E quando escrevi o livro do meu pai, fiquei a saber que isso aconteceu ali ao largo de Santo Amaro de Oeiras, porque ele tinha prometido que se o Benfica ganhasse o campeonato ou a taça, haveria de lá voltar. E eu percebi que era com os pescadores, em 1959, quando eu tinha três anos. Ficou-me marcado como uma memória muitíssimo boa..Durante toda a minha vida de família, acontecia imensas vezes estarmos lembrar-me daquele dia em que fomos não sei onde e ficavam todos a olhar para mim. Eu lixada, a juntar pormenores, a ver se eles se lembravam de uma coisa que para mim era tão nítida. Gozavam comigo e diziam: lá está ela com os sonhos. Claro que não era! Eu sabia perfeitamente o que estava dizer. Há fases que estão um bocadito mais nubladas. Os anos 90 por ter andado a fumar aquela droga..Dessa fase fala pouco. Estava linda, magra, muito bem vestida e maquilhada, a fazer "As Canções do Século", a ganharmos dinheiro, imenso sucesso, em concertos privados, hotéis e casinos, tudo cheio, lindo de morrer. Nós dávamo-nos muito bem todos - elas [Helena Vieira e Rita Guerra] e o grupo, com o Pedro Osório. Eles foram muito meus amigos, sabiam o que eu estava a passar. Tanto com a adição como com uma das pessoas da minha vida. Foi muito difícil..Tudo somado, já se pode dizer assim, foram apenas dez anos, mas foi poderoso. Sem aquilo não consegues fazer nada. Aquilo não se usa para ficar com a moca, usa-se para seres normal. É horrível. Se queres distrair-te um pouco fumas um charro de erva. Ris-te muito, ficas com muita fome e descontrais. Aquilo não. Agarra-te logo. É uma prisão. Tenho imensas memórias, imensas, mas há certos episódios que me dizem que me ouviram tocar, eu fico admirada de não me lembrar e a minha resposta é: isso foi o quê? Anos 90? [gargalhada]..Agora tem sido um corrupio. Estão desatualizadas todas as entrevistas que falam de como esteve afastada. Várias coisas aconteceram. Desde eu ter perdido a cabeça quando me tiraram a carta como se eu fosse uma bandida do mais perigoso. Eu ali sozinha, no meio de nada, porque aquilo é uma grande solidão. Fiz uma grande escandaleira no Facebook, chateada. Pus as botas e o colchão à venda. As pessoas ficaram mesmo aflitas!.Com tanta coisa a acontecer, pensa mudar e voltar a Lisboa? Hoje consegui dormir muito bem, porque estes vidros são muito duplos, mas quem me tira o silêncio da noite e aquelas estrelas todas... É solitário, mas não é sempre. Há momentos em que, de facto, sinto falta de uma pessoa ao pé de mim, para estar à conversa, a rir, a beber uns copos, a lembrar-me de coisas, ou fazer umas queixas..Dos polícias... Apanhou-me na curva, porque havia trabalhos - importantes, até - para o fim do ano, casino de Espinho, mas eu estava mesmo sem cantar há vários meses, e já andava a dormir mal, a pensar a quem é que ia pedir ajuda, porque isto, de vez em quando, acontece. E ser tratada daquela maneira por não ter renovado a carta quando fiz 60 anos. E eles em vez de me dizerem 'ó senhora, dona Helena, trate lá disto', trataram-me como uma bandida. E parecia que o destino estavam à espera que me saltasse a tampa, o destino para que as coisas se confirmassem umas a seguir às outras. Passados uns dias já podia respirar sem aquela preocupação..Foi nessa altura que o Pedro Silva Martins apareceu? Não, não, não. Nós já estávamos a preparar o disco há meses, há quase um ano. Isto é no final do ano [de 2017] e o Pedro fez as canções em janeiro desse ano, mas tudo demora muito tempo. Demorou mais de dois anos. O telefonema do Pedro foi antes do festival. Ele convida-me em outubro de 2016, mas tudo com muita calma, porque todos eles têm muitas coisas a acontecer na vida deles. Isso custou-me, foi a parte mais difícil, que houvesse disponibilidade para nos voltarmos a encontrar, às vezes estávamos três meses nos encontrarmos.Alguma vez achou que o disco não ia acontecer? Nunca. Achei é que era uma pena estar a perder tanto tempo de vida sem nada a acontecer. Mal o Pedro apareceu e eu escolhi aqueles meninos para serem a banda que já sabia que o disco ia ser incrível, lindo de morrer. Eu já sabia. Mas demorou muito tempo. e para uma cantora estar três ou quatro meses sem cantar, para além da parte monetária, a cabeça e o coração também é difícil de suportar. E sozinha lá no campo..Não há nada melhor que a pessoa afastar-se para os outros sentirem saudades. Eu já estava a morar lá quando o Pedro Tróia me convidou a participar no disco do ciclo preparatório A Volta Ao Mundo com Lena d' Água. Foi nos primeiros anos a morar na aldeia. Foram buscar-me para ir ao estúdio gravar, senti-me muito acarinhada e fiquei contente com o resultado. Depois ainda voltaram lá com o Manel Fúria por causa do outro disco - Capitães da Areia - em que eu faço uns coros de sereia. Gravámos na minha casa. No verão de 2016, surge o convite para ir cantar à Casa Independente com They're Heading West. Disse para escolherem os temas, ensaiámos, a Casa Independente encheu. Aquilo correu tão bem, ficámos logo com vontade de fazer mais coisas, arranjar canções novas. Foi uma tarde incrível, mesmo intenso. Também nesse verão descubro Benjamim, o disco do "Auto-rádio". Fiquei muito surpreendida..Eu ouvi o Benjamim na rádio e pensei ' quem será?', fui à procura e vi o meu nome. Foi uma cena muito gira. Lá comentei alguma coisa sobre os nossos carros serem Volkswagen com 20 anos. Logo a seguir o Luís Vaz Silva convida-me para ir cantar o Sempre que o Amor me Quiser ao CCB, aos Dias da Música, e juntei-me à banda Benjamim. Foi lindo de morrer e depois na plateia o público do Benjamim com uns grandes sorrisos, toda a gente muito bem, contentes, porreiros. A verem ali que é verdade, que a coisa resulta, que nos damos muita bem. É uma ligação muito natural. Acontece tudo em 2016. Depois o Pedro telefona-me a perguntar se eu queria gravar um disco..Três anos antes ele mandou-me uma mensagem, porque tinha visto aquele documentário de meia hora - Bela Adormecida. Foi aí que me escreveu a tal mensagem, dizendo "ainda vou escrever para ti". Ele nunca mais me dizia nada. Longa se tornou a espera (ri-se). Pelo meio ainda mandei uma mensagem: Pedro, então e eu? Quando ele me liga com aquela proposta maluca de ir ao Festival disse logo que sim. Era com ele, ia para qualquer sítio..Conhecia bem o trabalho dele? Ele já era, e é, reconhecidamente, um grande compositor. já escreveu coisas tão incríveis para tanta gente..O que é que a Lena d' Água tem que agrada aos compositores? Desde o Luís Pedro até ao Pedro Silva Martins não houve mais ninguém no meio, porque é difícil. Eu e o Luís Pedro éramos mesmo uma equipa sólida Tínhamos uma relação afetiva que não era fácil, por isso também nunca vivemos juntos, para nos pouparmos, mas ele conhecia-me, as minhas ideias, a minha maneira de falar, e por isso é que fazia canções que me serviam daquela forma, como uma luva, como se diz. Partilhávamos muitas ideias sobre ecologia - Jardim Zoológico, Nuclear não, Obrigado... Na altura em que, nos anos 80, fizemos esses discos, quem escrevia sobre música ficava mais impressionado com as pernas da cantora do que com as músicas que fazíamos, os arranjos, aqueles discos de um perfeccionismo... Eram e são. Eu adoro os meus discos. Talvez por isso, nunca mais consegui que nenhum dos meus contemporâneos, porque cada um seguiu a sua vida, ele fez outras coisas e eu fui experimentando por outros caminhos, que também me fazia muita falta..Por que razão escolhem separar os caminhos artísticos. É chato estar a falar de coisas pessoais. Aquilo era uma paixão assolapada que ele tinha por mim, e eu não tinha uma paixão assolapada. Eu gostava dele, muito, mas não era tresloucada. Isto resume..Era muito talentoso, fora da norma, e não existe esse reconhecimento. Nunca houve, e ele sofreu imenso com isso. Até à morte. Até sempre. Morreu há cinco anos. Sentia-se injustiçado, muito esquecido, ignorado, muito desprezado. Quer dizer, não tiro mérito nenhum a um Carlos Paião ou a um António Variações, mas e um Luís Pedro Fonseca? É porque ele não era o cantor da frente? É por ser compositor e letrista? Mas compositor e letrista como há cinco. Ao todo..Mas não está no 'Panteão'... Não está, mas há de estar. E todos estes mais novos, como Primeira Dama, ainda mais novos do que o Benjamim e Francisca Cortesão. Parece-me, ao fim destes anos, que esta geração mais jovem, consegue ver o que os da nossa idade sempre ignoraram, os nossos pares..O Luís Pedro sofria, sim, com esse desdém, até, e eu também me senti injustiçada muitas vezes. Tenho duas que me lembro. Fazerem um disco de homenagem ao Zeca Afonso e não me convidarem para cantar. Fazerem um disco de homenagem aos Xutos e Pontapés e não me convidarem para cantar. Se calhar foram buscar rapariguitas mais novas. Isto foi há 20 anos. Porque eu sou fã e até sou amiga, mas quem fez aquela homenagem dos Xutos nem se lembrou. Mas por que razão não se lembram de mim? Sou da idade deles, somos amigos, namorei o Cabeleira. Sou amiga do peito do Gui, que entra no princípio e no fim deste disco..Ficou mesmo muita coisa de fora neste disco. Sim, mas não podíamos fazer um disco com 20 canções. "Hipocampo esteve para ser o primeiro single, quase, quase, quase. Na reta final ficou "Grande Festa". O Benjamim foi tão convicto na forma como disse "eu voto na Grande festa". é toda para cima, toda Lena d' Água. Estávamos eu, ele e o Pedro. Naquele momento, disse que sim. Bora lá. Ainda por cima o nome: A Grande Festa. Finalmente! Ainda vou ganhar o festival!.Não passou tanto tempo desde o último disco. O Carrossel com Rock ' Roll Station saiu em 2014, há cinco anos. A diferença é que nunca mais tinha gravado originais. Fui recebendo alguns mp3, vê lá se gostas disto, de anónimos, pessoas que me queriam ouvir cantar. isso foi acontecendo. Mas nunca chegou nenhuma que fizesse ter vontade..Até ao Pedro Silva Martins. Até que ele viu o documentário Bela Adormecida, feito por miúdos da faculdade, de 20 anos, que foram ter comigo ao campo. É o contraste entre a jovem cantora muito famosa, muito gira, naqueles tempos, e a senhora que agora mora no campo com os seus quatro cães e três gatos. Eu não parei nos anos 80. Fiz as canções de século, toquei com os músicos de jazz, toquei com os músicos de rock, fiz discos para as crianças, fui fazendo sempre outras coisas. Ele fez o foco no passado e na solidão do campo. A senhora que estava a reviver as coisas antigas..A voz impecável, de jovem, como a mantém? Pode ser também da minha alma jovem, mas tenho a certeza que também é porque metade da minha carreira não fiz muitos concertos, fiz muito poucos, eu não usei tanto o instrumento, não desgastei tanto o meu instrumento, por ter cantado menos. Não é só, mas também..Mas estamos perante um caso inédito. Mesmo as pessoas que não cantam vão perdendo o tom jovial. Não é o seu caso..Eu fumei. Agora já não fumo, cravo um de vez em quando, mas é uma coisa muito esporádica. Nunca fui uma grande fumadora, mas também fumei outras porcarias ainda piores. Mas também já passaram muitos anos..Passaram 20 anos. 21! (ri-se). O corpo vai-se recuperando. A voz tem muito a ver com a alma, e a minha é de uma miúda. É uma alma de cavalo selvagem sem estribeiras. Por isso é que eu às vezes entro naqueles parafusos de dizer coisas que as pessoas ficam todas com os cabelos em pé. Houve pessoas a achar que estava muito mal, que me podia matar e tudo. Foi um desabafo. De uma pessoa que estava cansada de esperar. Sentia-me maltratada. Aquela história do Luís Pedro, sentirmo-nos ignorados, sabemos o valor que temos, sabíamos do trabalho importantíssimo que tínhamos feito, tudo o que fizemos, incluindo o livro que escrevi sobre o meu pai, o álbum com a Rock 'n' Roll Station, o que gravei com os músicos do Hot Clube numa noite, sem edição posterior, foi sem rede, à primeira. Eu sei o que fui fazendo, sei o valor das minhas escolas, só que as minhas escolhas não passaram, nestes muitos últimos anos, pelos meios de divulgação - pela televisão mais generalista. As canções, nos últimos anos, ganharam muito em serem genéricos das novelas. Isso nunca me aconteceu. Sei que isso é um bom meio de divulgação de novos artistas, mas eu nunca parei, fui sempre fazendo coisas incríveis, de que me orgulho e muito. Os discos esgotaram, o Sempre no Hot não existe, já não há..Alguém dizia, durante esse período do Hot Clube, que aquilo era uma coisa que ia abraçar para a vida. Está bem! Se conseguisse pagar as minhas contas a ir tocar ao Hot (ri-se). Voltei a tocar com eles. Em Coimbra, para 30 pessoas. E à bilheteira! Fazendo apenas o dinheiro para a gasolina. E no teatro D. João V na Damaia, Um sonho incrível, um concerto lindo de morrer, mas para 30 pessoas. Está gravado. Há partes que tenho no meu canal do YouTube. Eu comecei a usar a internet em 2000, estás em casa, tens de usar o teu tempo de forma inteligente, que era ir passando para a net o meu arquivo. Comecei nas fotografias, depois os mp3, os vídeos, que, suspeito, não há outro artista em Portugal que tenha. Comecei pelos blogues, mas os blogues começaram a ficar gavetas esquecidas. É um trabalho que gosto de fazer, passo horas naquilo. Além de cantar..Dentro de Lena d' Água vive uma bibliotecária. E uma espécie de arqueóloga. No blogue À Procura de Nós está parte de anos de pesquisa atrás de um homem que supostamente foi a origem da minha família Águas. Um homem chamado John Waters, um oficial do Wellington. Hoje chamar-se-ia espião, na altura era exploring officer, iam sozinhos com o o seu cavalo e o seu monóculo, à frente, ver se passava o rio, se os franceses vinham cansados ou se estavam frescos, quantos eram, de que lado estavam, onde dormiam, e às vezes até se passava para o outro lado. Eu apaixonei-me por esse homem..Como o descobriu? Google Books (ri-se). Há muitos anos, um primo meu, Águas, ligado à Marinha, há 30 anos, veio-me com essa conversa. Era um primo que não conhecia, porque os pais do meu pai foram para a Angola e lá fizeram família e lá morreram, os Águas desse meu avô, há familiares aqui que eu não conhecia. E este meu primo, por que ser a cantora é que veio com essa conversa. E eu, desde miúda, tive sempre um fascínio pela língua inglesa, também pelos Beatles, pelos corais, pelos hinos. Uma paixão absoluta por Inglaterra, pelas ilhas, por aquilo ali... E quando este primo veio com esta história que parece que a nossa família teve origem num inglês que cá esteve com o Wellington nas invasões francesas. Foi embora mas deixou descendência. O nome tinha passado a português. A história que ele me contou foi esta, mas foi ainda nos anos 80. Eu só me ligo à internet em 2000, mas nunca mais esqueci daquilo. A partir de certa altura já não me interessava se era a origem dos Águas. Aprendi a fazer pesquisa com Wellington, peninsular, e os nomes das terras - Peniche, Bussaco, Vimeiro - que eles põem Vimiero - e fui morar para ali também por causa do meu inglês, porque a primeira batalha foi a do Vimeiro, mas dias antes houve outra batalha, a 10 quilómetros da minha casa, desta casa da aldeia. E quando as pessoas me perguntavam "mas por que foste para ali? Tens família?" E eu cá para mim: não lhes posso dizer (gargalhada). Apaixonei-me por ele já quase 200 anos depois de ele morrer, acabei por conhecê-lo. Como ele tinha aquela função não escrevia nada, porque me casa de ser apanhado, os amigos, os contactos, andei à procura e encontrei referências a o John Waters, que depois ficou Sir John William Waters. Descobri o retrato a óleo dele feito no grande almoço anual que fizeram enquanto houve sobreviventes de Waterloo, da última batalha, que acabou com as ilusões de Napoleão. Isso continua a existir, sem sobreviventes. isso é incrível, mergulhar no teu país. De repente estás a ver as catas que eles escreviam às famílias - e os franceses - sobre Lisboa, Figueira da Foz, coa - onde eles foi agarrado pelos franceses. Aventuras incríveis no início do século XIX, que ficaram escritas. E depois fui mais atrás. Descobri que John era muito importante em Portugal como contacto para o Wellington, porque tinha estado a trabalhar numa empresa do vinho do porto anos antes de começara guerra.