Na passada quinta-feira, surgiram sinais de que o défice público de 2021, em contabilidade nacional, vai ficar, quase de certeza, abaixo de 4,3% do produto interno bruto (PIB), mas as Finanças acabam também de rever fortemente em baixa o défice do Estado (uma parte do setor público, mas que está sob maior controlo do governo)..O Estado representa cerca de 60% da despesa consolidada da Administração Pública como um todo..A almofada de poupanças e liquidez (depósitos) também foi fortemente esvaziada, o que ajudará a não sobrecarregar tanto a dívida pública, isto depois de uma acumulação recorde de fundos em 2020, motivada pela situação crítica e incerta da pandemia..Parece, assim, que João Leão pode juntar-se ao brilharete do seu antecessor nas Finanças, Mário Centeno pois está a conseguir controlar as contas em várias frentes em plena crise pandémica, mas já com a ajuda de alguma retoma na economia e dos fundos europeus, que começaram a entrar em 2021..Segundo dados oficiais do IGCP, a agência que gere a dívida pública portuguesa e é tutelada pelo ministro João Leão, apresentados este mês aos investidores, o défice estatal deste ano 2021 deve ficar nos 9,5 mil milhões de euros, bastante abaixo dos 11 mil milhões projetados em maio, por altura do Programa de Estabilidade: menos 2,3 mil milhões de euros (uma folga de 20%) do que foi orçamentado para 2021, no Orçamento do Estado (OE2021), aprovado no final de 2020..O défice do Estado tinha sido inicialmente projetado em 11,8 mil milhões de euros, mas o ano de 2021 acabou por oferecer alguns pontos favoráveis às Finanças..O governo tem sido elogiado (Comissão Europeia, OCDE, FMI) por ter conseguido terminar gradualmente com muitos dos apoios de emergência no âmbito da pandemia covid-19, ao mesmo tempo que tem beneficiado do regresso da receita fiscal e da recuperação de alguns setores da economia. E, como referido, de um fluxo bastante assinalável de fundos europeus..Como noticiou o Dinheiro Vivo, de acordo com um estudo sobre a execução orçamental até outubro (em contabilidade pública), a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), o grupo de peritos que assessora o Parlamento nestes temas, diz que a sua "estimativa" para o impacto líquido das medidas covid-19 no Orçamento do Estado deste ano "foi atualizada nesta edição [do estudo da UTAO] para incluir o efeito das subvenções comunitárias de 633 milhões de euros que se espera receber até ao final do ano com origem no instrumento Next Generation EU"..Isto traduz-se numa "redução do esforço financeiro das Administrações Públicas (AP) portuguesas", confirma a UTAO..A unidade coordenada por Rui Nuno Baleiras explica que "as transferências comunitárias (633 milhões de euros) apresentam a seguinte repartição: 220 milhões de euros são destinados à saúde e 235 milhões de euros ao programa Ativar, ambos com origem na iniciativa REACT"..Além das subvenções europeias que estão a chegar sob o chapéu do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o Estado contou com ainda com um enorme balão de oxigénio extra (que já estava orçamentado). Um dos grandes credores europeus (atualmente, ESM), devolveu margens e juros cobrados em excesso no âmbito do programa de resgate..Com isso, o défice acumulado até setembro foi empurrado para baixo, até aos 2,5% do PIB, muito abaixo da meta de 4,3% para o ano todo. No terceiro trimestre, esta operação com o ESM levou mesmo a um excedente orçamental de 3,5%, que será temporário, pois falta o fecho de contas no quarto trimestre, que tem despesas como a capitalização da TAP e outras..Em todo o caso, é uma ajuda importante. O INE explicou que o saldo orçamental global "é influenciado pelo registo, no terceiro trimestre, como transferência de capital recebida, o reembolso da margem pré-paga e respetivos juros, no montante de 1114,2 milhões de euros, retidos aquando da concessão do empréstimo pelo Fundo Europeu de Estabilização Financeira ao Estado Português" durante o programa da troika..A dívida pública também cai por conta de uma utilização forte dos depósitos (dinheiro em stock é classificado como endividamento). Segundo mostra o IGCP, o Estado avançou com o esvaziamento da sua almofada orçamental (liquidez, depósitos) para 6,7 mil milhões de euros..Será, assim, nível mais baixo desde o último ano de Pedro Passos Coelho (governo PSD-CDS) no poder até finais de 2015..O corte face a 2020 é brutal: em 2020, a almofada ficou em 17 mil milhões de euros. Fica assim em apenas um terço do valor do ano passado e ajuda a aliviar o fardo da dívida, projetado em 126,9% do PIB no final de 2021. Menos 10 mil milhões de euros em stock de liquidez..O rácio da dívida portuguesa é o terceiro maior da Europa, um dos maiores do mundo desenvolvido, uma fonte constante de críticas internas e externas e preocupações no Terreiro do Paço..A lógica das grandes almofadas de liquidez vem do tempo da troika, era uma forma de prevenção, um pé-de-meia que daria alguma autonomia à República caso fosse confrontada com dificuldades de acesso ao mercado. Na altura, "regresso aos mercados"..A ideia da troika (BCE, Comissão Europeia e FMI) era que o País mantivesse os "cofres cheios" (expressão celebrizada pela então ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque), de modo a poder enfrentar ataques especulativos contra a dívida pública nacional ou novas turbulências nos mercados internacionais, por exemplo. Na altura, o rating da República era considerado "lixo", a dívida era vista como arriscada e especulativa..Apesar do apoio massivo dos últimos anos do Banco Central Europeu às dívidas soberanas (o BCE está a comprar todos os meses enormes quantidades de dívida pública aos bancos comerciais, o que permite manter as taxas de juro das obrigações do tesouro em mínimos históricos), os cofres voltaram a encher por causa dos perigos da pandemia..A pandemia não acabou, está mais leve, a situação económica não é tão adversa como há um ano, mas o governo de gestão do PS quer reduzir na mesma a almofada. Como referido, o efeito imediato é a redução do stock de endividamento..luis.ribeiro@dinheirovivo.pt