"Lançaram sobre nós todo o tipo de explosivos. Quem não viveu isto não vai entender"

Ludmila mantém uma luta diária à procura de um lugar seguro que a afaste do som das bombas e dos tiros.
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"Fizeram uma "limpeza" e mataram os militares russos que ainda tinham sobrevivido. Penso que foram cerca de 300 soldados russos." Ludmila, uma mulher com cerca de 60 anos, relata, nervosa, que depois da vitória na batalha de Kyselivka, uma aldeia localizada a 50 quilómetros a leste de Mykolaiv, as tropas ucranianas passaram a zona a "pente fino". "O dia 20 de março amanheceu calmo", conta, para logo acrescentar que, por volta das 16h00, tudo se precipitou: "Começou a batalha, os soldados ucranianos a atacar. Ouvi os disparos das metralhadoras, depois seguiram-se os mísseis. Ouvimos os aviões a sobrevoar... nem sei... mandaram tudo contra nós. As bombas, os mísseis... possivelmente lançados da zona de Kherson na nossa direção. Escondi-me na cave dos nossos vizinhos. Foi horrível e assustador."

O Exército ucraniano acabou por sair vencedor, as forças russas recuaram até à aldeia mais próxima, Maksimova, e por lá continuam. "Eles devem ter apoio militar vindo de Kherson", arrisca. Ludmila afirma que o lado ucraniano teve uma vitória fácil: "Sinceramente, acho que para os nossos lados não tínhamos soldados do mais alto calibre, daqueles que se fala serem supertreinados, nós desses não tínhamos." Quando os soldados russos chegaram à aldeia, "estavam vestidos com roupa nova, parecia que vinham para um desfile da vitória", conta Ludmila, que há poucos dias fugiu da aldeia. E explica que as tropas russas chegaram à região por volta do dia 10 de março. "Eram soldados recém-inscritos no Exército russo, vindos das regiões de Donetsk e Lugansk", assegura. "Eles nem sabiam disparar armas, ouvíamos o treino com as armas do nosso campo de futebol", recorda.

Durante alguns dias, as forças do Kremlin montaram um acampamento nos arredores da aldeia, "junto a uma fábrica de açúcar", especifica. "Eles roubavam a produção dos agricultores, veículos pesados." Conta que pouco depois da guerra começar a aldeia ficou sem eletricidade e sem rede móvel. "Mas eu consegui encontrar um lugar onde havia rede e ia para lá uma vez por dia para dizer ao meu filho que estava viva."

Cansada do barulho de bombas e tiros de artilharia, Ludmila decidiu fugir juntamente com o marido e uma tia. O destino foi a cidade de Mykolaiv: "Pensávamos que aqui seria mais calmo." Mas quando a encontrámos já procurava um novo destino: "Assistimos a um inferno tal que neste momento só o barulho das bombas nos assusta. E na verdade também já chegou até aqui." Na manhã em que falámos com a mulher, o bairro operário de Mykolaiv onde se refugiara foi acordado pelo estrondo de um rocket russo. "Estávamos a dormir. Ouvimos um estrondo tão forte como se tivesse acontecido dentro de casa." Para esta noite já encontrou um abrigo seguro. "Só estão lá pessoas que viveram esse inferno", conta ainda a tremer, horas depois da explosão matinal: "Sabe, as pessoas que não viveram/assistiram a isto não vão entender."

Depois de dois dias nos corredores da burocracia, Ludmila conseguiu o estatuto de deslocada. Mas na última semana os ataques russos a Mykolaiv intensificaram-se e ela diz que já não se sente segura. Quer deixar o país, mas primeiro tem que resolver a situação legal da tia: "A casa dela foi atingida por uma bomba e perdeu todos os documentos, está sem passaporte, sem nada. Temos recebido apoio da Cruz Vermelha, mas temos muito medo. Lançaram tudo sobre nós. Todo o tipo de explosivos que havia para lançar foi lançado sobre nós e dispararam todo o tipo de artilharia que havia para disparar. Não sei como vou fazer, mas não podemos continuar aqui", conclui, antes de se afastar em passo apressado.

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