Lagarde. Crise vai levar dois anos a resolver e só acabará em março de 2022, na melhor das hipóteses

Economia europeia degrada-se. BCE faz forte revisão em baixa do crescimento previsto em 2021. Bazuca de emergência reforçada em 40%.
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A crise pandémica deve levar dois anos a ficar resolvida, na melhor das hipóteses, avisou ontem a presidente do Banco Central Europeu (BCE). Em setembro, o BCE estimava que a situação pudesse ficar sanada em junho de 2021 (o programa especial de emergência pandémica era para terminar daqui a pouco mais de seis meses), mas aparentemente vai ser preciso mais nove meses para garantir uma saída convincente da crise, explicou ontem Christine Lagarde.

Portanto, a desejada meta deslizou e o final desta crise, com uma retoma já a "ganhar raízes", só deve acontecer em março de 2022 (oficialmente, a pandemia começou em março deste ano).

Na conferência de imprensa que se seguiu à reunião de política monetária, Lagarde anunciou um reforço muito significativo da bazuca de dinheiro barato e o prolongamento de vários prazos em vários outros programas de apoio financeiro às economias da zona euro. Questionada sobre porquê mais nove meses de bazuca de emergência, a resposta foi clara e óbvia: porque a crise a isso impõe.

"Temos razões para acreditar que, até ao final de 2021, com a incerteza associada a isso, sejamos claros, iremos alcançar imunidade de grupo suficiente para podermos esperar que no final de 2021 a economia comece a funcionar em circunstâncias mais normais e que, em particular, o setor dos serviços não seja penalizado por muitas destas medidas de distanciamento social e restritivas", respondeu a ex-chefe máxima do FMI.

"Isto vai conduzir-nos ao início de 2022, quando a economia começa realmente a recuperar de forma mais séria, em que a retoma ganha raízes, e aí estaremos já em dois anos depois de a covid ter surgido", concluiu.

A enorme bazuca de dinheiro barato do BCE para combater especificamente a pandemia (PEPP na sigla em inglês) foi carregada com mais 500 mil milhões de euros, um reforço de quase 40% em relação ao que está em vigor.

Assim, este programa de compra de ativos (dívida pública e privada) no âmbito da emergência pandémica passa a valer 1,85 biliões de euros e vai ficar armado (ativo) durante dois anos, pelo menos, até ao final de março de 2022 na melhor das hipóteses, anunciou o BCE.

Depois disso, os títulos na posse do banco central e que forem vencendo mantêm-se no seu balanço (serão "reinvestidos") "até, pelo menos, ao final de 2023".

As taxas de juro de referência mantêm-se em mínimos históricos, em 0% e abaixo de zero.

O BCE nota que a situação é grave e piorou nestes últimos meses do ano. Por isso avançou com mais artilharia monetária, mais dinheiro barato ao abrigo deste PEPP e através de outros programas ao dispor no arsenal de Frankfurt.

"Tendo em conta as consequências económicas do ressurgimento da pandemia", isto é, a destruição que já está a ser evidente por causa da segunda vaga da covid-19, o conselho do BCE manteve, como referido, as suas taxas de juro principais. A taxa central de refinanciamento mantém-se em 0%. Está neste nível mínimo histórico há quase cinco anos (foi em março de 2016 que o BCE inaugurou os juros zero na zona euro).

Além das taxas, "o BCE decidiu aumentar o envelope do Programa de Compras de Emergência Pandémica (PEPP, na sigla em inglês) em 500 mil milhões de euros, para um total de 1,85 biliões de euros".

Na reunião desta quinta-feira, ficou também decidido que esta bazuca antipandemia fica disponível durante mais tempo, mais nove meses (a data original para terminar o programa era junho de 2021). O BCE "estendeu o horizonte de compras líquidas no âmbito do PEPP pelo menos até o final de março de 2022".

Mas "em qualquer caso, o conselho do BCE conduzirá compras líquidas até considerar que a fase de crise do coronavírus terminou".

Além disso, o banco central presidido por Christine Lagarde "também decidiu estender o reinvestimento" dos pagamentos do capital dos títulos que comprou ao abrigo deste PEPP, que entretanto se forem vencendo, "até pelo menos ao final de 2023". É uma forma de prolongar o efeito da bazuca, mesmo sem comprar novos ativos após março de 2022.

Ou seja, na prática, o BCE não vai despejar os títulos de dívida nos mercados quando as obrigações do tesouro chegarem à maturidade, por exemplo. Vai mantê-las no balanço, o que é uma ajuda crucial para que as taxas de juro soberanas se mantenham muito baixas ou quase a zero.

A razão para mobilizar tanta artilharia é que a crise voltou. Estamos numa segunda vaga e já se nota a nova onda de destruição da atividade. Se, por um lado, a recessão da zona euro em 2020 se deve traduzir num colapso de 7,3% da economia dos 19 países da moeda única em vez da quebra de 8% prevista em setembro, a retoma subsequente vai ser mais fraca do que se pensava há três meses: em 2021, a economia deve crescer 3,9% e não 5% como projetou o BCE em setembro.

Lagarde lamentou que a segunda vaga se tenha propagado à economia, arrastando a atividade nesta reta final de 2020. "A segunda vaga da pandemia e a intensificação das medidas de contenção observadas desde meados de outubro deverão resultar numa nova e significativa quebra da atividade económica no quarto trimestre, embora em muito menor grau do que o observado no segundo trimestre deste ano [confinamento da primeira vaga]", constatou a antiga chefe do FMI.

"Os riscos em torno das perspetivas de crescimento da zona euro permanecem negativos, mas tornaram-se menos pronunciados" por causa dos anúncios recentes de vacinas eficazes e prestes ou já a serem usadas (caso do Reino Unido).

Mas o BCE olha primeiro para a zona euro e pede cautela. "Embora as notícias sobre as perspetivas de lançamentos de vacinas num futuro próximo sejam animadoras, os riscos negativos permanecem." Existe novamente "um risco acrescido de uma recuperação retardada à luz dos novos confinamentos devido à segunda vaga da pandemia". "É preciso que as políticas orçamentais nacionais continuem a dar apoio", pediu Lagarde.

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