Mais do que o apelido, a fisionomia não engana, dando a quem se cruza com Kyle Eastwood uma sensação de "aquela cara não me é estranha". E de facto não é, pois o contrabaixista americano é bastante parecido com o pai, o ator e realizador Clint Eastwood, que há décadas conhecemos do grande ecrã. Foi no entanto na música, mais em concreto no jazz, que Kyle encontrou a sua forma de expressão, também muito por influência dos pais, ambos amantes de música, cujos discos de gente como Miles Davis, Dave Brubeck ou Thelonious Monk devorou desde pequeno. Ainda tentou seguir os passos do pai, como aconteceu com a irmã Alison, igualmente realizadora, mas, após quatro anos a estudar Cinema, decidiu "perseguir o sonho" de ser músico..Com 51 anos, já gravou nove discos em nome próprio desde 1998, o último dos quais, Cinematic, editado neste ano. Como o nome indica, é um álbum dedicado à sua "segunda maior paixão", o cinema, que inclui versões jazz de temas de algumas conhecidas bandas sonoras do cinema, da autoria de gente como Michel Legrand, Henry Mancini, Ennio Morricone, Lalo Schifrin ou John Williams - "todos os grandes", como lhes chama. O alinhamento inclui também uma peça sua, que compôs para Gran Torino, um filme realizado pelo pai. É este trabalho que o traz agora a Portugal, para quatro concertos em Coimbra, Espinho, Porto e Estoril, integrados na programação do Misty Fest..Deve ser uma pergunta recorrente, mas tendo em conta que é filho de um dos maiores atores e realizadores de Hollywood, porquê a música e não o cinema? A verdade é que amo esses dois mundos, mas o facto de ter crescido numa casa cheia de música, pois ambos os meus pais adoram música, em especial jazz, acabou por me influenciar muito nessa escolha. Habituei-me desde pequeno a ouvir gente como Miles Davis ou Thelonious Monk, que cheguei a conhecer pessoalmente. É uma das vantagens de ter um pai famoso (risos). De qualquer forma também cresci a ver muitos filmes e especialmente a ver o meu pai fazê-los, por isso também gosto muito de cinema, é a minha segunda maior paixão..Mas antes de ser músico chegou a estudar Cinema, certo? Estive quatro anos no curso de Cinema da Universidade do Sul da Califórnia, mas por volta dos meus 18, 19 anos já fazia a minha própria música e comecei a fazê-lo de uma forma cada vez mais séria e empenhada, até que chegou uma altura em que decidi que queria fazer disso a minha vida..Começou logo pelo jazz ou teve alguma fase, digamos, mais rock and roll?Rock and roll, reggae e R&B, experimentei um pouco de tudo. Tive algumas lições de piano quando era mais novo e depois, na adolescência, comecei a tocar guitarra e, mais tarde, depois de ter começado a estudar música mais a sério, optei pelo baixo e o jazz surgiu na minha vida de forma natural, até por todas as influências familiares de que falei..O seu pai apoiou essa decisão, de desistir do cinema pela música? Na altura disse-lhe que ia tirar um ano, para perseguir o meu sonho de ser músico, porque na altura já tocava em algumas bandas em Los Angeles e queria perceber como era fazê-lo a tempo inteiro, dedicar-me totalmente a isso. Ensaiei bastante, com músicos muito bons, e a dada altura conheci o baixista francês Bunny Brunel, que acabou por se tornar meu professor. Portanto, sim, o meu pai sempre me apoiou, desde que eu o fizesse de uma forma séria e empenhada, como sempre fiz. Ele também adora música, toca muito bem piano, portanto teve a reação que esperaria que tivesse..Entretanto, já compôs peças para bandas sonoras de alguns filmes, inclusivamente do seu pai, pelo que o cinema acaba por também fazer parte da sua vida. Sim, em alguns filmes do meu pai, mas também para os dois filmes da minha irmã Alice, que também é realizadora. E também já trabalhei nalguns documentários, ao longo destes anos. É um trabalho de que gosto bastante, por ser muito diferente daquilo que faço habitualmente, enquanto músico de jazz..Em que sentido? Nos filmes ,a música serve de apoio à ação e nunca se deve sobrepor à imagem que está no ecrã. Temos de saber encontrar o lugar certo no filme para a música, de modo a não interferir nos diálogos e na ação. Há muitas mais regras a seguir do que no jazz..Foi devido a essa liberdade que escolheu o jazz? Sem dúvida, no jazz podemos ser tão livres quanto o desejarmos. Acredito que é por isso que a maioria dos músicos de jazz escolheu fazer jazz. Há muito mais espaço para a improvisação e para o diálogo entre os músicos e com o público. Podemos compor e tocar como quisermos, o que nos dá uma liberdade total em termos criativos, que não existe noutros géneros de música..No entanto, no seu último disco, Cinematic, que vai apresentar nestes três concertos em Portugal, acaba por juntar esses dois mundos, ao tocar peças de algumas conhecidas bandas sonoras do cinema com arranjos de jazz. Sentiu-se livre, ao fazer esse trabalho? Sim, bastante, porque retirámos essas peças, algumas delas bastante orquestrais, e adaptámo-las a um pequeno quinteto de jazz. Tivemos de mudar um bocadinho os arranjos, mas sempre tentando manter a melodia original, de modo a que as pessoas conseguissem reconhecer tanto as músicas como os filmes. Mas mesmo assim conseguimos deixar algum espaço para a improvisação, para também nos divertirmos um bocado..Qual foi o critério de escolha das peças? Em primeiro lugar pensei nos meus compositores favoritos de bandas sonoras, como Ennio Morricone, John Williams, Lalo Schifrin, Henry Mancini, enfim, todos os grandes. E depois escolhemos peças que, de certa forma, já têm alguma influência ou ambiente mais jazzy. E também tivemos o cuidado de selecionar tanto temas muito populares como outros menos conhecidos. O maior desafio foi mesmo o de pegar em peças musicais que as pessoas conhecem num determinado contexto, que é o do cinema, e depois dar-lhe uma nova forma, que as faça soar de modo diferente, mas ao mesmo tempo seja familiar para quem as ouve..Kyle Eastwood.Convento de São Francisco, Coimbra. 15 de novembro, sexta-feira, 21.30. €10.Auditório de Espinho. 16 de novembro, sábado, 21.30. €15.Casa da Música, Porto. 17 de novembro, domingo, 21.00. €20.CasinoEstoril, Estoril. 18 de novembro, segunda-feira, 21.30. €20 a €25