Kits de auto-teste, apps de geolocalização. O plano de Bruxelas para sair disto
O modelo apresentado por Bruxelas para o levantamento das medidas restritivas de combate ao covid-19 defende o equilíbrio entre as consequências económicas e sociais, com o princípio "central" de proteção da saúde pública, assente na "evidência científica". Os especialistas da Comissão Europeia avisam, porém, que "o levantamento gradual de certas medidas de confinamento levará inevitavelmente a um reaparecimento de infeções".
Entres as recomendações, Bruxelas defende que sejam adotadas "alternativas seguras" para substituir as "medidas proibitivas gerais existentes", considerando que esta iniciativa "permite direcionar as fontes de risco e, ao mesmo tempo, garante o retorno gradual das atividades económicas necessárias".
Uma das ações passa "por exemplo, pela limpeza e desinfeção intensificada e regular dos centros e meios de transporte, em vez de proibir totalmente" a utilização de transportes públicos.
"As concentrações de pessoas devem ser progressivamente permitidas", defende a Comissão, propondo que os Estados-membros "se concentrem nas especificidades das diferentes categorias de atividades", e dá exemplos:
a) Escolas e universidades (com medidas específicas, como diferentes horários de almoço, limpeza aprimorada, salas de aula menores, maior dependência de e-learning, etc.);
b) Atividade comercial (retalho) com possível graduação (por exemplo, número máximo de pessoas permitidas ...);
c) Medidas de atividade social (restaurantes, cafés ...), com possível graduação (horário de funcionamento restrito, número máximo de pessoas permitido ...);
d) Concentrações em massa (por exemplo, festivais).
As restrições devem ser levantadas gradualmente, com um intervalo temporal entre elas para aferir as consequências, e coordenadas com outras medidas detalhadas no plano apresentado esta quarta-feira pela Comissão Europeia.
No conjunto de ações está, por exemplo, o recurso a "aplicações de telemóvel", para fazer a geo-localização e mapeamento detalhado dos casos de coronavírus. A Comissão Europeia defende que estes dados "são particularmente relevantes" na fase de levantamento das restrições de circulação.
Estas aplicações poderiam emitir alertas aos utilizadores que se encontrem "na proximidade" de um doente ou portador do novo coronavírus. A Comissão salienta que os dados devem ser tratados de uma forma anónima e como um recurso "voluntário", que deve ser inactivado e destruído uma vez ultrapassada a pandemia.
Os especialistas da Comissão Europeia acreditam que esta tecnologia pode "ajudar a interromper as cadeias de infeção com mais rapidez e eficiência, do que as medidas gerais de contenção e reduzir o risco de disseminação", e, por essa razão "deve ser um elemento importante na estratégia de saída, complementando outras medidas, como o aumento da capacidade de teste".
A sugestão da Organização Mundial de Saúde para aumentar a capacidade de teste ao covid-19 também integra o plano de Bruxelas, que defende a expansão generalizada da despistagem. Neste sentido, os hospitais, centros de saúde e centros de despistagem descentralizada devem "estar acessíveis a todos grupos de risco e a cuidadores de pessoas vulneráveis".
O plano prevê a "implantação de testes sorológicos para avaliar a imunidade adquirida da população", embora ainda não haja certezas sobre se é possível criar imunidade ao novo coronavírus. Recorde-se que a revista científica The Lancet descreve a imunidade apenas como uma "probabilidade".
Bruxelas espera ainda que, futuramente, seja possível "validar" kits de autoteste e "fornecer instruções sobre a sua utilização". Esta medida "permitirá o teste individual de pessoas com sintomas de Covid-19, evitando a contaminação de outras pessoas". A medida "reduziria a pressão sobre os sistemas de saúde".
A Comissão considera que deve aumentar-se "a resiliência" nos hospitais, de modo a que os novos pacientes com covid-19 "possam ser tratados adequadamente pelos sistemas de saúde e, em particular, em caso de necessidade, pelos hospitais".
Neste sentido deve aumentar-se "a capacidade hospitalar", protegendo a "capacidade de financiamento do sistema de saúde" ou através do treino "das equipas de saúde". Bruxelas afirma que tem disponíveis "instrumentos orçamentais da UE para fornecer recursos adicionais - incluindo pessoal - para apoiar os sistemas de saúde".
A certa altura, o plano de Bruxelas aborda também um dos calcanhares de Aquiles do combate europeu ao covid-19: "os equipamentos de proteção" dos profissionais de saúde, reconhecendo que a necessidade destes materiais "nem sempre foi compatível com a oferta disponível".
Por essa razão defende que se "continue a aumentar a capacidade dos equipamentos médicos e de proteção individual, bem como de outros "equipamentos médicos (...) como como ventiladores, kits de teste e máscaras".
"As primeiras semanas da crise foram caracterizadas pela competição entre compras nacionais e conjuntas, interrupções nas cadeias de suprimentos, incluindo restrições à exportação e falta de informações sobre as necessidades dos diferentes Estados-Membros", refere a Comissão, numa conotação que soa a crítica.
Por essa razão defende que se possa "garantir a distribuição suficiente de equipamentos e medicamentos", através de "um grau de cooperação maior do que o habitual entre empresas, incluindo concorrentes.
O plano passa também por financiar a investigação científica, para chegar a uma vacina. Bruxelas promove a mobilização de verbas adicionais, mostrando-se porém consciente que possa "demorar um ano para que uma vacina contra o covid-19 esteja pronta para aprovação e disponível em quantidades suficientes para permitir a utilização generalizado".
"Ao mesmo tempo, o desenvolvimento de tratamentos e medicamentos seguros e eficazes, incluindo o redirecionamento de medicamentos existentes atualmente autorizados para outras doenças ou condições, pode limitar o impacto do vírus na saúde sobre a população nos próximos meses e permitir que a economia e sociedade se recuperar mais cedo e mais forte", considera Bruxelas.
"É necessário dar prioridade à criação de grandes ensaios clínicos europeus, na medida do possível, para gerar os dados robustos necessários", defendem os especialistas que elaboraram o plano de ação de Bruxelas, garantido que "as compras conjuntas [europeias] para compras em larga escala de possíveis terapias contra ao covid-19 estão num estado avançado de preparação".
Bruxelas propõe "ações coordenadas" dos Estados-membros, assentes em "três princípios básicos", sendo o primeiro a "evidência científica", centrada "na saúde publica".
"A proteção da saúde pública a curto e longo prazo deve continuar a ser o objetivo final das decisões dos Estados-membros", defende a Comissão Europeia, reconhecendo, porém, que as medidas restritivas devem ser adotadas com base num "equilíbrio", em que os "impactos sociais e económicos" também são considerados.
Num segundo plano, Bruxelas alerta para o "risco de efeitos negativos para todos os Estados-membros", no caso de uma atuação descoordenada, pelos Estados-membros, que pode conduzir a "atritos políticos", dentro da União Europeia. Por essa razão, a Comissão defende que "as ações sejam coordenadas entre os Estados-membros".
"Embora não exista uma abordagem única, no mínimo, os Estados-membros devem notificar-se mutuamente, assim com a Comissão, antes de tomarem medidas e levarem em consideração os seus pontos de vista", propõe Bruxelas.
Os governos deverão organizar uma "estrutura operacional", que articule os pontos contacto únicos para a Comissão Europeia e os países vizinhos. "Uma rede europeia desses pontos de contato fará o controlo e troca de informações, "nas próximas semanas e meses, a fim de adaptar a resposta à disseminação e impacto do vírus na fase de transição".
"O respeito e a solidariedade entre os Estados-membros", são a base "essencial" do terceiro princípio do plano apresentado por Bruxelas, considerando que "desenvolver pontos fortes dos nossos vizinhos (...) fator-chave de sucesso nesta fase"
"Nem todos os sistemas de saúde estão sob a mesma pressão, existe uma riqueza de conhecimentos a serem compartilhados entre profissionais e Estados-Membros, e a assistência mútua em tempos de crise é fundamental", salienta.
Procurando contrariar a ideia que se sedimentou com a crise pandémica, de que falta solidariedade entre os Estados da União Europeia, Bruxelas frisa que "nas últimas semanas, foram testemunhados exemplos de solidariedade".
"Os pacientes de terapia intensiva da Itália e da França foram atendidos no Luxemburgo, na Alemanha e na Áustria e nos Países Baixos na Alemanha e na Bélgica. A Roménia enviou médicos e enfermeiros para Bérgamo, facilitados pelo Mecanismo de Proteção Civil da UE. A Polónia enviou médicos e paramédicos para a Lombardia. A República Checa forneceu à Itália e à Espanha roupas de proteção, enquanto a França doou máscaras e roupas de proteção à Itália. A Alemanha entregou ventiladores para a Itália".
"Até agora, 17 Estados-membros organizaram voos, muitos deles facilitados e financiados pelo Mecanismo de Proteção Civil da UE, para trazer para casa cidadãos europeus de todas as nacionalidades que estavam no exterior", destaca a Comissão Europeia, considerando que "esta é a abordagem correta e deve ser mantida".
Bruxelas acredita que estas iniciativas acabar por conduzir "a novas medidas de solidariedade ao nível da UE, para apoiar alguns Estados-Membros e regiões que serão ainda mais afetados do que outros pela crise económica subsequente".