Mulher e gay. Katie Sowers fez história no desporto americano aos 33 anos ao qualificar-se para a final do Super Bowl, que se joga neste domingo (TVI e Eleven Sports, às 23.00). Agora é também a primeira mulher a chegar à final da NFL. Katie faz parte do grupo de 23 treinadores dos San Francisco 49ers, que voltam à final após sete anos para tentar a sexta taça da história da franquia (o último título foi em 1995). Já os Chiefs estão de volta após 50 anos de jejum. A última vez foi em 1970, quando conquistaram o primeiro e único título frente aos Minnesota Vikings..Na ausência da estrela Tom Brady, os holofotes viraram-se para Katie Sowers, apesar do apetecível duelo entre as estrelas emergentes Jimmy Garoppolo ( 49ers) e Patrick Mahomes (Chiefs). "Ser a primeira mulher no Super Bowl é surreal", confessou Katie Sowers, muito requisitada durante a Opening Night do Super Bowl. A treinadora esteve uma hora a responder a perguntas dos jornalistas e não escondeu a felicidade por chegar ao jogo mais aguardado do desporto americano. Mas em vez de se recostar a aproveitar o momento, preferiu elevar a fasquia. "Por mais que eu seja a primeira, o mais importante é que eu não serei a última", atirou, sem esconder a ambição de um dia ser head coach (treinador principal) na NFL: "Se a oportunidade aparecer e for onde eu realmente possa fazer a diferença, é isso que eu vou fazer.".Katie cresceu a fazer do quintal de casa (em Hesston, Kansas City) um campo de futebol, onde brincava às placagens com a irmã gémea e os vizinhos rapazes. Tudo era desculpa para um duelo um-contra-um. Usavam capacetes e almofadas para amortecer as quedas. Às vezes, os meninos faziam de árbitro porque as meninas batiam forte de mais. "Nós fazíamos os miúdos chorarem", contou..Por isso quando cresceu não foi surpresa para ninguém que tenha decidido jogar futebol americano (aquele que se joga com as mãos e uma bola oval idêntica à de râguebi). A liga feminina (Women's Football Alliance) não era profissional e as equipas pagavam para jogar. Daí até à seleção foi uma questão de meses. Jogava como quarterback, wide receiver e defensive back. Chegou a ser campeã mundial em 2013, mas uma lesão grave no quadril precipitou o fim da carreira de jogadora aos 29 anos..Com forte ligação ao clube da terra, recebeu um convite para ficar no Kansas City Titans ao mesmo tempo que treinava basquetebol feminino. Uma das suas jogadoras era filha de Scott Pioli, que viria a ser diretor-geral assistente dos Falcons na altura. Quando teve oportunidade, Sowers apresentou-se, e foi assim que o caminho da NFL se abriu, através de um estágio nos wide receivers dos Atlanta Falcons no offseason de 2016. "Ele [Scott Pioli] ficou a conhecer-me e à minha paixão pelo futebol e pelo treino. Se não fosse por ele, eu não estaria onde estou hoje. Eu tinha um cargo no Kansas e a hipoteca da casa para pagar... largar tudo por um estágio em Atalanta foi complicado. Muitos não sabem, mas foi ele que pagou o meu aluguer durante uns tempos. Fui abençoada por o ter como meu mentor", contou, confessando ainda que "sempre soube" que queria ser treinadora. Mas só ousou levar a ideia adiante quando viu Becky Hammon tornar-se treinadora na NBA: "Tive uma sensação estranha, sabia que isso iria acontecer. Até publiquei no Instagram: "NFL, estou a ir atrás de ti." É difícil explicar, mas tive a certeza de que isso ia acontecer. Sempre quis fazer algo que nunca tinha sido feito e ser uma pioneira.".Antes de aceitar esse estágio nos Falcons, ainda foi a uma entrevista a outra equipa da NFL. Disseram-lhe que gostavam muito dela e das suas ideias, mas não estavam para ter uma mulher na equipa técnica. Em vez de se sentir discriminada, sentiu-se valorizada. O mais importante para ela - ser competente - não estava em causa. E assim soube que mais cedo ou mais tarde alguém ia aceitar uma mulher, mesmo que fosse lésbica. E assim foi..Em Atlanta, Katie trabalhou com Kyle Shanahan, atual head coach dos 49ers, que a puxaria para São Francisco em 2017 através do Bill Walsh Diversity Coaching Fellowship, um programa que investe na contratação de minorias para cargos nas equipas técnicas. Assumidamente gay e defensora dos direitos dos homossexuais, ela pertencia a uma minoria..Começou como treinadora ofensiva temporária, até ser oficialmente contratada em 2019 e passar a ser a segunda mulher da história a tornar-se treinadora na NFL (a primeira foi Kathryn Smith, dos Buffalo Bills, em 2016). E a primeira da comunidade LGBTQIA+, homem ou mulher, não só na liga de futebol americano, mas em qualquer desporto profissional masculino dos EUA. Katie é apenas a terceira treinadora a tempo inteiro da NFL, as outras são Kelsey Martinez (Oakland Raiders) e Phoebe Schecter (Buffalo Bills), mas podem vir a ser mais já que os Tampa Bay Buccaneers contrataram duas treinadoras..Com o decorrer da temporada, Katie foi ganhando protagonismo e até foi escolhida pela Microsoft para gravar um anúncio, onde a publicidade se cruzou com a realidade. A treinadora surge a ler uma carta que ela escreveu para si mesma quando era criança, a dizer que esperava um dia conseguir trabalhar para uma equipa de futebol americano. Um sonho de menina agora realizado. "Diziam-me que as pessoas não estavam preparadas para serem lideradas por uma mulher, mas esses homens têm aprendido com mulheres a vida toda... com a mãe, a avó, a professora. Não estou a tentar ser a melhor treinadora mulher, estou a tentar ser a melhor [independentemente do género].".Criadora de movimentos.Quando está muitas horas seguidas a trabalhar e está cansada e emocionalmente exausta, pensa nas meninas que como ela sonham com a NFL e em como fica feliz por o caminho delas ser mais fácil agora. E, apesar de nunca lhe terem dito que uma mulher não pode ser treinadora, "sabe" que vive numa "sociedade onde se presume que os homens sabem das coisas até prova em contrário e em que se supõe que as mulheres não sabem até que provem que sabem"..Aceitar uma mulher num mundo de homens foi mais fácil do que aceitar uma mulher lésbica. Quando estava na universidade não tinha uma equipa de futebol a quem se juntar e virou-se para o basquetebol. Mas quando se voluntariou para treinar uma equipa foi recusada "devido ao seu estilo de vida". Foi a primeira vez que foi "julgada pela orientação sexual" e sentiu que o "problema era quem ela amava". A experiência não foi agradável, mas, agora, acredita que sem esse momento não tinha chegado onde chegou..É uma "devoradora" de livros de futebol, especialmente dos volumes de Bill Walsh (antigo treinador dos 49ers, que é uma lenda do futebol americano). Formada em Cinesiologia (ciência que tem como objetivo a análise dos movimentos), faz uso do estudo dos movimentos do corpo humano para aprimorar as táticas ofensivas dos 49ers. Determinada em provar o seu valor, quando chegou à equipa pegou em todos os conceitos ofensivos da equipa e criou um "pacote" novo, com movimentos que nunca tinham sido feitos antes e que resultaram, a ponto de os jogadores adversários pedirem aos seus clubes para as reproduzirem nas suas equipas..Katie não sente que os jogadores olhem para ela como alguém diferente. "Eles olham para mim como treinadora e não como mulher treinadora. Sei que é uma linha ténue entre querer ser tratada como toda a gente e também saber que parte do trabalho é garantir que eu seja visível para todos os jovens, meninos e meninas", admitiu. Muitas vezes, os atletas são questionados sobre o trabalho dela. "Tem sido extraordinária. Tudo o que ela faz é especial. Ela é durona e é maravilhosa no campo. Ela vai atrás das coisas. É divertido estar por perto", elogiou o quarterback Jimmy Garoppolo, a estrela dos 49ers. Já para o wide receiver Emmanuel Sanders, Katie "é uma das treinadoras mais espetaculares" que teve..Neste domingo, Katie, que há 20 anos brincava às placagens no quintal de casa, vai pisar o relvado do Hard Rock Stadium e o seu trabalho vai ser visto por mais de cem milhões de pessoas em 180 países..Curiosidades.O Super Bowl é o evento do ano nos EUA. O país para para ver quem leva para casa o troféu Vince Lombardi. Um jogo de futebol americano (jogado com a mãos e uma bola oval) e muitos milhões de euros..Anúncio milionário O milionário norte-americano David MacNeils, CEO de um grupo de peças de carros, pagou quase seis milhões de euros para exibir um vídeo de 30 segundos no intervalo do Super Bowl para agradecer aos veterinários que curaram o seu cão de um cancro no coração, depois de lhe terem dado 1% de probabilidade de viver..Sem Tom Hardy O Super Bowl 2019 teve a audiência mais baixa desde 2008 nos EUA: 98,2 milhões de telespectadores na CBS. Neste ano há a expectativa de se saber como serão os números sem a presença Tom Brady, o menino bonito da NFL, que estará "representado" nas duas equipas. De um lado está Mahomes, o sucessor de Brady, e, do outro, Garoppolo, que foi o aprendiz de Tom Brady..Super Bowl desde 1969 Nasceu de uma ideia do bilionário texano Lamar Hunt, que resolveu criar uma liga para rivalizar com a que já havia. Em 1966, as duas ligas formaram a National Football League (NFL). Para animar a rivalidade, em janeiro de 1967, passaram a jogar uma final entre os campeões de cada liga, mas o jogo só ganhou o nome de Super Bowl em 1969. Uma filha de Hunt adorava uma bola de borracha e deu-lhe o nome de super ball..Raheem Mostert O running back que marcou quatro touchdowns pelos San Francisco na final da Conferência Nacional chegou à NFL sem ser escolhido no draft. Raheem chegou a pensar em desistir da carreira de jogador, mas a mulher insistiu para que continuasse a lutar pelo seu sonho e pouco depois, em 2016, recebeu a oportunidade em San Francisco..Kyle Shanahan Kyle Shanahan, treinador do San Francisco 49ers, é filho do lendário Mike Shanahan, ex-técnico dos Denver Broncos e tricampeão do Super Bowl. Como coordenador ofensivo dos Atlanta Falcons, Kyle (40 anos) perdeu uma final para os New England Patriots, mas pode agora suceder ao pai e conquistar o anel de campeão..Tributo a Kobe Kobe Bryant vai ser homenageado no Super Bowl. A NFL não deu pormenores sobre o tributo, mas confirmou que a final da temporada do futebol americano ter um momento de homenagem à lenda do basquetebol, que morreu no domingo passado num acidente de helicóptero, que vitimou mais oito pessoas.