A última vez que estive com Julia Roberts já foi há uns anos. A senhora promovia Erin Brockovich e era toda sorrisos. Pudera, adivinhava já o Óscar que iria ganhar. Estávamos em 1999. Agora, aos 52 anos, diziam-me que está diferente, que trata mal os entrevistadores e que tem nariz empinado. Isso do nariz empinado parecia-me bem razoável. Julia merece ter o nariz empinado: os anos passam e continua a ser uma das rainhas de Hollywood e nunca se comprometeu: diz o que pensa, não alinha em fórmulas de estrelato e é uma mulher de uma frontalidade única. Além do mais, está sempre a reinventar-se sem precisar de mudar muita coisa. Um feito..No final deste encontro para promoção de O Ben está de Volta, de Peter Hedges, percebi que o seu sorriso de marca não está de facto tão ativo, mas nunca, mas mesmo nunca, foi seca ou rude. Julia Roberts igual a si própria. No final, até quase se riu. Exagero, quase sorriu. Bem vistas as coisas, o filme em questão não é leve, antes pelo contrário: uma história de um reencontro entre um filho junkie e a mãe. Ele quer largar o vício mas não consegue. Tudo se passa na véspera de Natal e a noite vai ser longa. O amor incondicional sem filtros. De um lado uma Julia Roberts em modo mãe coragem, do outro, um espantoso Lucas Hedges, filho do realizador e nomeado há pouco ao Óscar por Manchester by The Sea. Dramalhão sem medo de ser pesado, chega a ser até leve nos seus processos, e isso é refrescante..Digo-lhe que em Toronto o realizador Peter Hedges anda com elogios do tipo "a Julia é a melhor de todas". "Como reajo a isso!? Digo ora que bem!", atira a fingir ser bitchy, mas depois mais a sério: "Não, coitado, ele tem de se sentir assim... Espero que não esteja a fingir, mas é um elogio muito bondoso. Bondoso mas sobrestimado. Até sinto que sei lidar bem com os elogios. Acho que os atores deveriam ser melhores na forma de aceitar a aclamação. Os elogios não abundam e devem ser apreciados.".E a crítica na América não tem poupado elogios à atriz, não só por este desempenho em Ben Is Back mas também pelo que faz na série de televisão Homecoming, escrita pelo criador de Mr. Robot. A série está com três nomeações aos Globos de Ouro e uma delas é para Julia, mas agora o pretexto para receber o DN no Intercontinental da Baixa de Toronto é sobretudo O Ben Está de Volta: "Quis fazer este filme porque é sobre uma história que apanha toda uma família, usando cada membro como catalisador de uma compreensão acerca deste tema tão eterno que é a toxicodependência. Claro que o foco é o filho e a mãe, mas todos os outros são essenciais. Depois, gostei que os atores pudessem jogar com o facto de tudo se passar num espaço curto de tempo. Amei também a maneira como filmámos a abrir, sem termos demasiado tempo para pensar e refletir sobre as personagens. Apenas ensaiámos tudo antes e depois foi logo filmar. Estávamos mais do que preparados.".Depois de Beautiful Boy, de Felix van Groeningen, filme que deve dar nova nomeação ao Óscar a Timothée Chalamet, O Ben Está de Volta é mais um drama sobre jovens presos à droga. Há semelhanças entre os filmes e em vez do lugar do pai temos o amor maternal. Na América o flagelo da adição a drogas como a metadona permite estas coincidências. Julia desabafa: "É uma situação muito triste e assustadora. Este tema da droga não diz respeito apenas às famílias. É uma epidemia que dura e dura e não está para a acabar. Julgo que se é um flagelo social é preciso que a cultura americana se dedique a ele. Torna-se necessário que este tema volte a ser conversa do dia-a-dia. Tem de estar nas nossas mentes e não ser apenas estatística seca, sobretudo porque pode acontecer a qualquer um de nós. Filmes como este voltam a trazer à baila esta tragédia.".Talvez pelo carácter de urgência do filme Julia não tenha querido fazer pesquisa junto de mães afetadas com este problema. O seu método foi outro: "Preferi pesquisar em fóruns na net e percebi que há fóruns bem específicos com mães de miúdos que são toxicodependentes. Infelizmente, o que não me faltou foi material... Senti-me preparadíssima, mesmo não tendo nenhuma experiência pessoal relacionada com pessoas afetadas por drogas. Li material muito poderoso!" Ao invés, fez os possíveis para esquecer que este era um projeto de pai e filho, Peter e Lucas: "Creio que era justo não estar com a perceção de que o realizador era o pai do ator que contracenava comigo. Além do mais, eu e o Lucas tivemos uma relação muito singular e especial. De alguma forma, na minha mente profissional, guardei o Lucas para mim. Desse modo, sinto que fui respeitadora em nunca olhar para ele como o filhinho do realizador...".Por alguma razão, levou todos os atores do filme a sua casa para um almoço preparado por si. É esse o espírito de família de Julia Roberts. A atriz confirma: "Foi muito bom! A regra era todos poderem fazer o que quisessem. Podiam nadar, jogar futebol, tudo.".Regra de ouro nas entrevistas com Julia Roberts? Não estar sempre a falar do passado. Não nos atrevemos a fazê-la lembrar da luso-americana que interpretou em Mystic Pizza, filme estreado antes do boom de Pretty Woman - Um Sonho de Mulher, do falecido Garry Marshall. Com cuidado, tocamos no tema delicado do filme, a maneira como os pais se podem responsabilizar quando descobrem que o seu filho adolescente está viciado em metadona: "Estou em crer que uma mãe de um adolescente drogado acaba por se interrogar sobre o que terá falhado na sua forma de educar, mas espero que haja psicólogos ou médicos que expliquem que não foi por sua causa. As coisas nunca são tão simples.".Numa altura em que pode fazer tudo o quer em Hollywood, mesmo anúncios para cosméticos, os papéis de mãe sucedem-se. Antes desta mãe coragem, uma mãe de coração aberto em Wonder - Encantador, um dos êxitos-surpresa de 2017, história sobre uma mãe que educa um filho com a cara desfigurada. O encanto maternal de Julia é receita certa, mas neste encontro a atriz não resiste em falar da sua mãe: "Depois de ter sido mãe olhei para a minha mãe e perguntei: como é que conseguiste tomar conta de nós e não largares o teu emprego permanente? A resposta foi preciosa: através da creche e a dar o meu melhor. Ela punha-nos na creche às sete da manhã e ia-nos buscar às 19.00 - uma mulher extraordinária, uma mãe solteira que cuidou de três crianças. Depois, claro, olho para o meu caso e vejo o luxo que tenho em poder ir para casa sempre que quero para cuidar dos meus filhos. A minha mãe deu tudo o que tinha por nós e sempre me disse para dar o que posso dar aos filhos. Por isso, ainda a amo mais. Criar uma família não é uma coisa mágica, nada disso: tem que ver com sermos nós próprios a encontrar a melhor maneira de o fazer.".No fim, quando a publicista vem dizer "o tempo acabou", Julia explica outro segredo: como é que no mesmo ano fez uma série inteira e um filme, logo ela que não é das estrelas mais ativas em Hollywood: "Foi graças à ajuda do meu marido e dos meus filhos. Trabalhei imenso e não parei entre os dois projetos. Curiosamente, mal os miúdos entraram de férias na escola, também eu encerrei a minha participação em Homecoming. Dessa forma, fomos logo de férias e tivemos o melhor verão passado em família da minha vida! Não nos largámos e estivemos sempre felizes, mas fazer um filme e uma série sucessivamente não é mesmo uma situação normal para mim."