Julgamento de bebés roubados começou em Espanha
O Ministério Público espanhol pede 11 anos de prisão para o médico obstetra de 85 anos que começou a responder em tribunal às acusações de ter raptado uma bebé e falsificado documentos.
Eduardo Vela, o médico octogenário que foi diretor da Clínica San Ramón, em Madrid, é acusado por Inés Madrigal de tê-la separado da mãe biológica e de ter falsificado a certidão de nascimento, em junho de 1969.
Em cadeira de rodas, Vela disse que enquanto foi diretor clínico era ele quem assistia aos partos, mas depois as adopções eram da responsabilidade das "freiras e das assistentes sociais". Sobre o caso concreto, em 2013 reconhecera ter assinado de cruz o ficheiro clínico que indicava ter assistido ao parto, mas agora negou que a assinatura fosse sua.
Interrogado durante trinta minutos, apareceu abatido e com a voz enfraquecida, segundo a AFP. Às perguntas respondia já não se recordar ou que não sabia de nada. Até ao último momento a família alegou que os problemas de saúde de Vela o impediam de comparecer no tribunal. A audiência continua na quarta-feira.
A Associação Bebés Roubados da Região de Múrcia, presidida por Inés Madrigal, e a Associação SOS Bebés Roubados de Madrid, temeram que, dada a idade de Vela, o processo não chegasse a tribunal. Foi o que aconteceu no caso de María Gómez Valbuena. A freira, considerada a líder do tráfico de bebés em Madrid morreu antes de ser julgada.
Foi graças ao testemunho da mãe adotiva de Inés Madrigal, Inés Pérez, já falecida, que Vela foi investigado. Pérez contou que, como não podia ter filhos, o médico ofereceu-lhe um bebé e que fosse simulando uma gravidez.
"Toda a gente sabe que houve crianças roubadas neste país", disse Inès Madrigal à porta do tribunal.
O escândalo, denunciado pela primeira vez na imprensa em 1982, pela Interviú, atingiu mais de 2000 reclamações apresentadas por associações de defesa. Mas nenhuma teve consequências.
O tráfico foi iniciado sob a ditadura de Francisco Franco (1939-1975). Depois da guerra civil espanhola, foi prática retirar bebés nascidos fora do casamento, ou de famílias pobres, muitas vezes em cumplicidade com a Igreja Católica. Aos pais dizia-se que o bebé tinha morrido durante o parto e depois era entregue a um casal infértil próximo do regime.
A ativista Soledad Luque diz que era também objetivo da ditadura punir os opositores que se viam impossibilitados de transmitir o "gene vermelho" do comunismo.
Tão chocante como o caso é hoje saber-se que a prática continuou em democracia, pelo menos até 1987. As associações temem que dezenas de milhares de bebés possam ter sido desviados dos pais.