Juíza e Ministério Público absolvem e fazem defesa

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«Estava aqui, no banco dos réus, a ser julgada como se tivesse cometido um crime.» Foi assim, em tom quase maternal, que a juíza Conceição Oliveira se dirigiu à jovem a quem acabara de ditar a absolvição, ao fim de apenas uma hora de julgamento.

O fundamento da decisão, lida imediatamente após as brevíssimas alegações do Ministério Público (MP) e da defesa, foi o facto de, durante a audiência, «não ter ficada demonstrada a prática do crime». Isto apesar de se ter dado como provado, com base no relatório médico enviado pelo Hospital Amadora-Sintra, que a jovem sofrera um aborto, estando grávida de «aproximadamente» 19 semanas, causado pela toma de cinco comprimidos de Misoprostol por via oral e outros três por via vaginal.

Mas, sublinha a sentença, o mesmo relatório refere que «o medicamento é usado para tratamento de doenças, dores e sofrimentos relacionados com órgãos físicos que não só os que se relacionam com a contracepção». Baseando-se assim na posologia do fármaco em causa, que o indica para problemas do estômago, e no facto de ninguém ter «pelo menos» averiguado se a jovem «padecia de doença que a tivesse conduzido à administração do mesmo» para os fins a que este declaradamente se destina, conclui: «Assim sendo, afirmar-se que alguém ingeriu o dito medicamento apenas para determinado fim é manifestamente insuficiente para se concluir apenas e tão-só, sem outros meios de prova, que o referido medicamento se destinou unicamente a fazer terminar a gravidez.»

Conceição Oliveira fazia assim tábua rasa da confissão da jovem à Polícia Judiciária, em que esta havia repetido o teor da «conversa» tida com um agente das Brigadas de Investigação Criminal da PSP, que a «visitara» no hospital quando aí se encontrava internada, no dia seguinte ao da sua entrada nas urgências. Esta conversa, que o bastonário dos advogados já apelidou de «acto ilegal de investigação criminal», foi vertida em relatório policial e resultou numa das principais bases da acusação. O agente que o assinou, Paulo Alexandre Rato Tainhas, foi aliás a única testemunha citada pela acusação, facto também relevado pela juíza: «A acusação nem sequer indica um médico! Veio aqui um agente da polícia... A quem a senhora disse que se calhar terá feito aquilo, se calhar estava grávida...»

Certo é que o agente da PSP, que compareceu na audiência sem farda - e à pergunta da juíza sobre se sabia sobre o que era o julgamento respondeu: «É sobre o aborto» -, adoptou uma pose ensimesmada, que se foi agravando face à atitude pouco amigável do procurador Pinto dos Santos, cuja linha de questionário se diria mais apropriada à defesa que à acusação.

A saber: «Os indícios [que, segundo o agente, "existiam" e foram reiterados pela jovem, ao "admitir ter feito algumas coisas"] foram confirmados por alguma coisa?»: «Não falou com ninguém no hospital, não trocou opiniões com nenhum médico ou enfermeiro»? Perante tal barragem, o agente Paulo Tainhas acabaria por balbuciar que havia apurado «o que está escrito», ao que o procurador lhe retorquiu: «Isso não interessa; que provas encontrou?» Resposta: «Não consegui arranjar provas.»

A partir daqui, era óbvio o rumo. A defesa só ouviu uma das suas testemunhas, uma amiga de infância da arguida, prescindindo das outras. Nas alegações, o procurador voltou a trocar de campo: «Este julgamento foi rápido e do meu ponto de vista fácil. Poupou--me esforço no sentido de o desfecho ser o que preconizava, de acordo com as minhas convicções.» Frisando a inexistência de provas de crime, pediu a absolvição.

Um registo compassivo e emocional, adoptado também pela juíza: «Aos 17 anos, é-se uma menina; e mais ainda neste caso. Chegar a um hospital nestas circunstâncias, com alguém à volta de nós a perguntar o que fez e o que não fez... Estes quatro anos passaram. O que mais lhe desejo agora é que a sua vida decorra fora do contacto com os tribunais».

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