Juiz Ivo Rosa proíbe jornalistas de assistir à instrução da Operação Marquês
O juiz Ivo Rosa decidiu impedir o acesso à sala onde decorrem os interrogatórios da fase de instrução da Operação Marquês aos jornalistas que se tinham constituído assistentes do processo. Esta posição está publicada num despacho do magistrado com data de 12 de março (terça-feira passada) e surge na sequência de um requerimento apresentado pelo Ministério Público que na prática retira a estes jornalistas o estatuto de assistente ao processo.
No documento, Ivo Rosa explica que a partir de agora o "acesso aos autos, por parte dos assistentes/jornalistas será feito da mesma forma que os demais jornalistas ou seja, não será absoluto e terá de ser harmonizado com o interesse da realização da justiça, por forma a não perturbar o normal funcionamento da instrução, bem como os dados relativos à reserva e vida privada dos arguidos e demais intervenientes". E por isso diz que decidiu "deferir o requerido pelo Ministério Público, vedando o acesso aos atos de instrução por parte dos assistentes/jornalistas", acrescentando que "fica vedada a entrega aos assistentes de cópia de autos de inquirição ou interrogatório de arguido".
Esta decisão é justificada com o o facto de ser "público e notório que têm sido relatados, de forma detalhada, na comunicação social, o conteúdo de interrogatórios e de depoimentos de testemunhas prestados em sede de instrução", diz o juiz, além de que, lembra, nenhum dos assistentes praticou atos processuais e nenhum aderiu à acusação pública.
Esta posição do magistrado que lidera a fase de instrução do processo que tem no antigo primeiro-ministro José Sócrates a figura mais mediática dos 28 arguidos - 19 pessoas singulares e nove empresas, acusados de corrupção passiva e ativa, branqueamento de capitais, falsificação de documentos, fraude fiscal, abuso de confiança, peculato e até de posse de arma proibida, num total de 159 crimes - é explicada pela necessidade de proteger os arguidos.
"Tendo em conta o caso concreto, não podemos esquecer que estão em jogo outros direitos e interesses constitucionalmente relevantes, como é o caso do interesse na realização da justiça, a presunção de inocência, a reserva da vida privada, bom nome e reputação que poderão entrar em rota de colisão, motivo pelo qual cumpre encontrar um critério com vista à harmonização dos vários direitos e interesses em conflito", explica.
A presença de jornalistas na sala de audiência onde os acusados e as testemunhas são ouvidas nesta fase do processo - o momento em que os arguidos apresentam as suas alegações contra os argumentos da acusação de forma a tentarem não ser levados a julgamento - foi questionada pelo Ministério Público que alertou para a postura dos assistentes "que exercem a profissão de jornalistas e que não tiveram, ao longo dos autos e até ao presente, qualquer intervenção na conformação do seu objeto, como se têm feito valer dessa mesma qualidade para terem acesso privilegiado à atividade desenvolvida pelos demais intervenientes processuais que de outro modo lhes estaria vedado, com o único propósito de desenvolver peças jornalísticas acerca dos factos em causa nos mesmos e dos atos processuais aqui praticados".
Perante esta questão a equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira frisa que "importa, pelo menos, vedar o exercício de uma faculdade processual inerente a esse estatuto de assistente, a de assistir a atos de produção de prova, uma vez que se mostra estar a ser exercida de forma manifestamente desviante da função que lhe é inerente em violação dos normativos processuais penais aplicáveis".
A figura de assistente num processo penal está prevista no artigo 68 do Código de Processo Penal e prevê que essa pessoa pode ter uma "posição de colaboração com o Ministério Público, entidade a quem compete investigar, deduzir acusação e sustentá‑la efetivamente". Neste âmbito pode intervir no inquérito e na instrução, deduzir acusação ou interpor recurso de decisões que o afetem.
No documento fica também claro que o arguido Diogo Gaspar Ferreira (acusado de um crime de corrupção ativa de titular de cargo político, dois de branqueamento de capitais e três de fraude fiscal qualificada) tinha entregue um requerimento para que todos os jornalistas pudessem ter acesso à atual fase do processo "como os jornalistas ditos assistentes".
Na argumentação para a decisão recorre à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e as decisões do seu plenário de 3 de novembro de 2015: "A CCPJ, reunida em Plenário, deliberou considerar incompatível com o exercício da profissão de jornalista a respetiva constituição como assistente em processos penais sobre os quais desenvolva trabalho".
Refira-se que alguns dos jornalistas que se constituíram assistentes são citados no despacho garantindo que não assinaram textos sobre esta fase da Operação Marquês, tendo dois deles pedido cópia áudio do interrogatório a Sofia Fava, a ex-mulher de José Sócrates.
Concluindo esta troca de argumentos o juiz diz que "o exercício da faculdade prevista no artigo 289 n.º 2 do CPP, nas condições em que tem vindo a ser exercida por parte dos assistentes constitui um abuso de direito".
Dos 19 arguidos (em 28) que pediram a abertura da fase de instrução, foram ouvidos pelo juiz Ivo Rosa Barbara Vara , Armando Vara e Sofia Fava, a ex-mulher de José Sócrates, além de várias testemunhas por si indicadas. A filha de Armando Vara esta acusada de dois crimes de branqueamento de capitais. Já Armando Vara responde por dois crimes de branqueamento de capitais, dois de fraude fiscal qualificada e um de corrupção passiva de titular de cargo político.
Sofia Fava foi indiciada pelo Ministério Público de um crime de branqueamento de capitais e outro de falsificação de documentos em coautoria com José Sócrates e Carlos Santos Silva.
Na última semana de março está prevista a presença no Tribunal Central de Instrução Criminal de várias testemunhas indicadas por Henrique Granadeiro, acusado corrupção passiva (um crime), branqueamento de capitais (2), peculato (1), abuso de confiança (1) e fraude fiscal qualificada (3).