Fernando Henriques, o juiz presidente do coletivo que julgou os 21 arguidos do processo conhecido por Vistos Gold, suspirava fortemente em vários momentos da leitura da sentença. Julgou, nem mais nem menos, do que o primeiro grande caso de crimes económico-financeiros envolvendo quadros de topo do Estado, da era anticorrupção da ex-procuradora-geral da República (PGR) Joana Marques Vidal..O magistrado parecia como que incomodado ou envergonhado com o facto de a investigação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal - que criticou repetidas vezes - tivesse produzido o resultado que produziu: em 47 crimes que estavam imputados, apenas sete foram considerados provados pelo tribunal; dos 21 arguidos, apenas quatro foram condenados, dois a penas suspensas e outros dois a multa.."A montanha nem sequer um rato pariu", afiançou à saída da audiência Castanheira Neves, o advogado do ex-ministro Miguel Macedo, um dos absolvidos de todos os crimes. Nenhuma das condenações por corrupção foi sequer relacionada com a concessão das autorizações de residência para investimento (ARI), o nome técnico dos vistos gold..Os quatro condenados foram António Figueiredo, na altura presidente do Instituto de Registos e Notariado (IRN), e Maria Antónia Anes, na ocasião secretária-geral do Ministério da Justiça. Figueiredo por um crime de peculato de uso, por ter utilizado equipamento e a viatura de serviço para fins de negócios pessoais; e por dois crimes de corrupção, ativa e passiva, os mesmos de Maria Antónia Anes, por viciarem concursos para altos dirigentes do Ministério da Justiça, incluindo o do próprio António Figueiredo..Mas a história não se resume à contabilização dos crimes, quem ganhou ou quem perdeu, se há ou não um rato da montanha. Houve um ministro, Miguel Macedo, um dos mais populares do governo da altura, que se demitiu, obrigado a abandonar a carreira política..Houve um diretor de uma polícia detido perante as câmaras, Manuel Jarmela Palos, com a carreira destruída. Isto para falar só nas figuras mais mediáticas e que foram absolvidas de todos os crimes.."O tribunal deu hoje resposta às canalhices que me fizeram ao longo de quatro anos", afirmou Miguel Macedo à saída da audiência, depois de ouvir Francisco Henriques dizer que estava absolvido de três crimes de prevaricação de titular de cargo político e um crime de tráfico de influência..Em entrevista ao DN, Manuel Palos não esconde que viveu "um pesadelo" nos últimos quatro anos e pede que agora o deixem "em paz"..O que contribui para este desfecho? Afinal há ou havia "uma rede que utiliza o aparelho de Estado para concretizar atos ilícitos, muitos na área da corrupção", como vaticinava Joana Marques Vidal, ex-procuradora-geral da República, na sua primeira entrevista, em fevereiro de 2015, após a detenção de José Sócrates, na Operação Marquês, e de três altos dirigentes nesta operação dos vistos gold que até se chamou Labirinto - para simbolizar a teia de influências ao mais alto nível na Administração Pública, que o Ministério Público (MP) queria demonstrar existir?.Até pode haver, mas neste caso, como explicou o juiz presidente, a investigação falhou a toda a linha. "A prova indireta não resolve tudo, não resolve lacunas interlógicas das coisas. O problema é provar a intenção, a motivação e os acordos. O tribunal tem de estar convencido de que as coisas aconteceram mesmo. É elementar", sublinhou Fernando Henriques..Durante a descrição da sentença o juiz foi dando exemplos da fragilidade da acusação, dos quais o mais duro foi mesmo em relação ao ex-diretor do SEF, absolvido dos três crimes de que estava acusado, um de corrupção passiva e dois de prevaricação. Segundo o juiz, sem margem para dúvidas em relação aos factos. "Tudo foi feito de acordo com os procedimentos do SEF. As alegadas irregularidades que foram referidas não têm nada a ver com factos que lhe sejam imputáveis. Não houve acordos contrários ao exercício suas funções. Quanto a aceder aos pedidos do ministro para se manter no cargo, ele é funcionário do Estado e como todos quer fazer bom trabalho para ser bem avaliado e progredir carreira. Agora que tenha acedido a favores para autorizar ARI não ficou provado.".Ou sobre Miguel Macedo, cujo único reparo foi por ter enviado o caderno de encargos do concurso de manutenção dos Kamov ao amigo Jaime Gomes (outro arguido, também absolvido). "Fez um uso que não devia, mas, por si só, não chega para preencher os requisitos de um crime de prevaricação que lhe era imputado", sublinhou..Um aviso claro ao MP, que, no julgamento, não pareceu preocupar-se com a necessidade de ter muito mais provas do que escutas. Nas alegações finais, o procurador José Niza reconheceu que a prova pessoal e testemunhal prestada em julgamento tinha sido fraca, com alguns arguidos a optarem pelo silêncio ou a entrarem em contradição, e testemunhas que podiam ter sido decisivas a escudarem-se em lapsos de memória em relação ao que haviam dito em inquérito..Mas, no seu entender, as interceções telefónicas, os sms e os e-mails entre os arguidos e a prova documental que existia no processo eram "claros" e bastantes para provar os factos imputados, ditando a condenação dos arguidos. José Niza invocou mesmo jurisprudência segundo a qual as transcrições de escutas telefónicas funcionam como único meio de prova para condenar os acusados. Declarações que deixaram os advogados à beira de um ataque de nervos - isto queria dizer que o julgamento era inútil..Com todos os processos que estão por julgar e acusar - desde a Operação Marquês, que envolve José Sócrates, ao BES, às parcerias público-privadas, à PT/Altice, à EDP, entre outros -, o resultado deste julgamento pode funcionar como um alerta aos investigadores e ao MP em particular. O MP vai recorrer desta decisão, pois tinha pedido a condenação de todos os arguidos, a maior parte a penas suspensas. Mas para Jaime Gomes, por exemplo, o empresário amigo de Miguel Macedo, pedia cinco anos de prisão efetiva - e o tribunal absolveu-o de todos os crimes..António Figueiredo, Jarmela Palos, Maria Antónia Anes, o empresário Jaime Gomes e Zhu Xiaodong foram detidos em novembro de 2014 e estiveram em prisão preventiva vários meses. Outros 13 arguidos foram absolvidos: Paulo Lalanda de Castro, Eliseu Bumba, Xia Baoling, os funcionários do IRN Paulo Vieira, José Manuel Gonçalves, Elisa Alves, Abílio Silva, bem como João Salgado da Coimbra Editora e Fernando Pereira..As empresas absolvidas do crime de corrupção e tráfico de influência são a Lusomerap, a Formalizze, Inteligente Life Solutions e a JAG.
Fernando Henriques, o juiz presidente do coletivo que julgou os 21 arguidos do processo conhecido por Vistos Gold, suspirava fortemente em vários momentos da leitura da sentença. Julgou, nem mais nem menos, do que o primeiro grande caso de crimes económico-financeiros envolvendo quadros de topo do Estado, da era anticorrupção da ex-procuradora-geral da República (PGR) Joana Marques Vidal..O magistrado parecia como que incomodado ou envergonhado com o facto de a investigação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal - que criticou repetidas vezes - tivesse produzido o resultado que produziu: em 47 crimes que estavam imputados, apenas sete foram considerados provados pelo tribunal; dos 21 arguidos, apenas quatro foram condenados, dois a penas suspensas e outros dois a multa.."A montanha nem sequer um rato pariu", afiançou à saída da audiência Castanheira Neves, o advogado do ex-ministro Miguel Macedo, um dos absolvidos de todos os crimes. Nenhuma das condenações por corrupção foi sequer relacionada com a concessão das autorizações de residência para investimento (ARI), o nome técnico dos vistos gold..Os quatro condenados foram António Figueiredo, na altura presidente do Instituto de Registos e Notariado (IRN), e Maria Antónia Anes, na ocasião secretária-geral do Ministério da Justiça. Figueiredo por um crime de peculato de uso, por ter utilizado equipamento e a viatura de serviço para fins de negócios pessoais; e por dois crimes de corrupção, ativa e passiva, os mesmos de Maria Antónia Anes, por viciarem concursos para altos dirigentes do Ministério da Justiça, incluindo o do próprio António Figueiredo..Mas a história não se resume à contabilização dos crimes, quem ganhou ou quem perdeu, se há ou não um rato da montanha. Houve um ministro, Miguel Macedo, um dos mais populares do governo da altura, que se demitiu, obrigado a abandonar a carreira política..Houve um diretor de uma polícia detido perante as câmaras, Manuel Jarmela Palos, com a carreira destruída. Isto para falar só nas figuras mais mediáticas e que foram absolvidas de todos os crimes.."O tribunal deu hoje resposta às canalhices que me fizeram ao longo de quatro anos", afirmou Miguel Macedo à saída da audiência, depois de ouvir Francisco Henriques dizer que estava absolvido de três crimes de prevaricação de titular de cargo político e um crime de tráfico de influência..Em entrevista ao DN, Manuel Palos não esconde que viveu "um pesadelo" nos últimos quatro anos e pede que agora o deixem "em paz"..O que contribui para este desfecho? Afinal há ou havia "uma rede que utiliza o aparelho de Estado para concretizar atos ilícitos, muitos na área da corrupção", como vaticinava Joana Marques Vidal, ex-procuradora-geral da República, na sua primeira entrevista, em fevereiro de 2015, após a detenção de José Sócrates, na Operação Marquês, e de três altos dirigentes nesta operação dos vistos gold que até se chamou Labirinto - para simbolizar a teia de influências ao mais alto nível na Administração Pública, que o Ministério Público (MP) queria demonstrar existir?.Até pode haver, mas neste caso, como explicou o juiz presidente, a investigação falhou a toda a linha. "A prova indireta não resolve tudo, não resolve lacunas interlógicas das coisas. O problema é provar a intenção, a motivação e os acordos. O tribunal tem de estar convencido de que as coisas aconteceram mesmo. É elementar", sublinhou Fernando Henriques..Durante a descrição da sentença o juiz foi dando exemplos da fragilidade da acusação, dos quais o mais duro foi mesmo em relação ao ex-diretor do SEF, absolvido dos três crimes de que estava acusado, um de corrupção passiva e dois de prevaricação. Segundo o juiz, sem margem para dúvidas em relação aos factos. "Tudo foi feito de acordo com os procedimentos do SEF. As alegadas irregularidades que foram referidas não têm nada a ver com factos que lhe sejam imputáveis. Não houve acordos contrários ao exercício suas funções. Quanto a aceder aos pedidos do ministro para se manter no cargo, ele é funcionário do Estado e como todos quer fazer bom trabalho para ser bem avaliado e progredir carreira. Agora que tenha acedido a favores para autorizar ARI não ficou provado.".Ou sobre Miguel Macedo, cujo único reparo foi por ter enviado o caderno de encargos do concurso de manutenção dos Kamov ao amigo Jaime Gomes (outro arguido, também absolvido). "Fez um uso que não devia, mas, por si só, não chega para preencher os requisitos de um crime de prevaricação que lhe era imputado", sublinhou..Um aviso claro ao MP, que, no julgamento, não pareceu preocupar-se com a necessidade de ter muito mais provas do que escutas. Nas alegações finais, o procurador José Niza reconheceu que a prova pessoal e testemunhal prestada em julgamento tinha sido fraca, com alguns arguidos a optarem pelo silêncio ou a entrarem em contradição, e testemunhas que podiam ter sido decisivas a escudarem-se em lapsos de memória em relação ao que haviam dito em inquérito..Mas, no seu entender, as interceções telefónicas, os sms e os e-mails entre os arguidos e a prova documental que existia no processo eram "claros" e bastantes para provar os factos imputados, ditando a condenação dos arguidos. José Niza invocou mesmo jurisprudência segundo a qual as transcrições de escutas telefónicas funcionam como único meio de prova para condenar os acusados. Declarações que deixaram os advogados à beira de um ataque de nervos - isto queria dizer que o julgamento era inútil..Com todos os processos que estão por julgar e acusar - desde a Operação Marquês, que envolve José Sócrates, ao BES, às parcerias público-privadas, à PT/Altice, à EDP, entre outros -, o resultado deste julgamento pode funcionar como um alerta aos investigadores e ao MP em particular. O MP vai recorrer desta decisão, pois tinha pedido a condenação de todos os arguidos, a maior parte a penas suspensas. Mas para Jaime Gomes, por exemplo, o empresário amigo de Miguel Macedo, pedia cinco anos de prisão efetiva - e o tribunal absolveu-o de todos os crimes..António Figueiredo, Jarmela Palos, Maria Antónia Anes, o empresário Jaime Gomes e Zhu Xiaodong foram detidos em novembro de 2014 e estiveram em prisão preventiva vários meses. Outros 13 arguidos foram absolvidos: Paulo Lalanda de Castro, Eliseu Bumba, Xia Baoling, os funcionários do IRN Paulo Vieira, José Manuel Gonçalves, Elisa Alves, Abílio Silva, bem como João Salgado da Coimbra Editora e Fernando Pereira..As empresas absolvidas do crime de corrupção e tráfico de influência são a Lusomerap, a Formalizze, Inteligente Life Solutions e a JAG.