Mais conhecido pelo intimismo da sua música, situada numa bucólica encruzilhada entre a folk clássica e indie pop mais contemporânea, José González surpreendeu recentemente os fãs, num recente episódio do Sing for Science, um podcast que coloca em diálogo músicos e cientistas, no qual conversou sobre pandemias e mutações de vírus com Mike Osterholmum, dos mais reputados epidemiologistas americanos e atual membro do Conselho Consultivo da Covid-19 do presidente Joe Biden. O que poucos sabiam é que o cantautor sueco de ascendência argentina tem formação superior em Bioquímica e quando optou por se dedicar à música estava a fazer um doutoramento em vírus. "Estudei os vírus há 20 anos e sabia apenas que perguntas fazer, foi apenas isso, não sou ninguém, quando comparado com pessoas como o Dr. Mike Osterholmum", começa por referir. Torna-se quase impossível não puxar a conversa para a polémica entre Neil Young e a plataforma Spotify, que o músico canadiano abandonou, em protesto contra um podcast antivacinação, numa posição também assumida pela cantora Joni Mitchell.."Foi estranha a posição deles, porque soou a ultimato, quase a uma espécie de censura, o que depois acaba por não ser nada eficaz, bem pelo contrário. As mentiras têm de ser combatidas com factos, não com o silêncio", defende o músico..Eventualmente, a ciência até poderá explicar o talento com que dedilha, de forma quase hipnótica, a guitarra acústica, bem como para escrever letras que abordam de forma simples os assuntos mais complexos da existência humana. "Talvez, nunca pensei muito nisso. Sei é que, neste momento, a ciência inspira-me muito, enquanto artista e este último disco é um bom exemplo disso", admite. No início da carreira ainda tentou manter estes dois universos separados, mas sem sucesso, como confessa em seguida: "A música permitiu-me ter uma visão sobre o ser humano, tanto do ponto de vista social como biológico, que nunca consegui através da ciência, portanto o melhor foi mesmo juntar esses dois universos naquilo que faço melhor, as canções." E, agora, é através delas que continua a procurar as respostas que antes tentava encontrar no laboratório. "O ser humano é tão inteligente que foi ele que criou Deus e não o contrário, mas mesmo assim e tal como digo em Visions, o tema de abertura o álbum, continuamos a fazer as mesmas perguntas e a ser atormentados pelos mesmos receios e anseios que os nossos antepassados, há milhares de anos." A formação científica de José González vem também ao de cima no tema El Invento, um dos dois cantados em espanhol no álbum, cuja letra "tem muito mais perguntas" do que respostas. "É engraçado, mas sinto que a música pode ajudar a fazer-nos pensar sobre temas difíceis, como a morte, por exemplo, de uma forma que a ciência não consegue", sublinha..Em Local Valley, o quarto registo de originais em nome próprio de uma carreira já iniciada em 2003, José González voltou a apostar numa folk clássica, simples e direta, mas desta vez mesclada com algumas influências da América Latina, como se constata no tema El Invento, o primeiro que alguma vez cantou em espanhol, a língua nativa dos pais, ambos argentinos. "Tentei fazê-lo várias vezes, mas nunca saía nada de jeito, foi algo que resultou da minha maturidade enquanto pessoa e se refletiu também no artista", sustenta, lembrando que neste álbum canta também pela primeira vez uma canção em sueco. "Acima de tudo percebi que não queria ser só mais um a cantar em inglês. Tenho uma herança pessoal tão rica que isso tinha de se refletir também na minha música." Um dos fatores que mais contribuíram para isso, revela, foi a paternidade: "Quando a minha filha nasceu, há quatro anos, passava muito tempo a falar com ela em espanhol. Ser pai mudou a minha perspetiva de vida e ajudou também a definir-me enquanto artista, a partir da pessoa que quero ser.".Outra mudança bastante audível no disco é um cada vez mais assumido recurso à eletrónica, embora isso em nada altere a matriz mais clássica da folk que sempre caracterizou a música de José González - bem pelo contrário, antes a acentua. "Já tinha o álbum praticamente feito antes da pandemia, mas depois, com o confinamento, tive mais algum tempo e fui explorando novos caminhos, a eletrónica foi um deles", conta. Um caminho que pretende continuar a desbravar, mas agora em palco, como nestes dois concertos no Porto e em Lisboa, onde vem atuar a solo, "só com guitarra e alguns efeitos especiais". Depois de já ter tocado com banda e acompanhado de uma orquestra, apeteceu-lhe agora "voltar ao básico", como quando começou. "O mais importante, neste momento, é mesmo estarmos juntos", salienta o músico, que foi um dos primeiros artistas a voltar a fazer digressões internacionais, "mas cumprindo sempre as regras" de cada país ponde atuou. "Senti-me muito bem em poder a viajar, em estar com pessoas e voltar a tocar para elas. É certo que com as máscaras e o distanciamento parece sempre que falta algo a um espetáculo, como tempero à comida", afirma o músico, com a esperança de um regresso em breve a uma cada vez maior normalidade. "Já não faltará muito para que possamos voltar a dançar lado a lado com desconhecidos, num concerto. Não que a minha música dê para dançar muito, mas pronto...".dnot@dn.pt