A dança com que Jorge Fonseca festejou a vitória no campeonato mundial de judo, o ano passado em Tóquio, correu mundo. Celebrava aos 26 anos a primeira medalha de ouro de um português em mundiais da modalidade, no seu caso, na categoria dos 100 kg. O atleta, natural de São Tomé e Príncipe, tem aproveitado as limitações de mobilidade geradas por esta pandemia para estar com a família, sobretudo com o filho. Não sente falta de nada, apenas tem saudades de competir, da "alegria do tapete"..O judo é uma modalidade que vive do contacto humano, como é que tem treinado? A covid-19 impede que treine judo, precisamente porque é uma modalidade que exige muito contacto físico. O que tenho treinado é corrida, tento manter a condição física até voltar ao ativo. Eu e os meus colegas do Sporting temos estado a fazer exercício, com muita vontade de voltar a treinar e a competir com a máxima força..Esteve algum tempo parado, nomeadamente nos meses do estado deemergência? Estive parado pouco tempo, apenas alguns dias. E recomecei a treinar com limitações, a fazer alguns exercícios nos jardins e a correr. Tenho aproveitado para treinar modalidades que não exijam contacto físico..Mantém o ritmo de treinos que tinha? Sim, claro. Treino três horas de manhã e três horas à tarde. Além de correr e fazer exercícios de mobilidade, tenho bicicleta em casa, não posso é estar parado..Há data prevista para o reinício do judo? O judo não deve recomeçar tão depressa, continua tudo fechado. Estamos a treinar as coisas básicas, precisamente porque é um desporto que tem muito contacto..Quando pensa que voltará à competição? Ainda não saiu nenhum calendário do judo, mas acredito que em novembro já poderemos competir..De que forma é que esta situação afeta mentalmente um atleta de alta-competição? Não me tem afetado muito. Psicologicamente, acabei por lidar bem com a situação. Tenho aproveitado para descansar um bocado, o que também estava a precisar. Desde que fui campeão do mundo [a 30 de agosto de 2019 em Tóquio], estive sempre a competir, não tive tempo para descansar. Esta pandemia obrigou-me a parar um bocado, o que foi bom. E pude concentrar-me para os Jogos Olímpicos [JO]..Esteve mais tempo com a família? Sim, aproveitei para estar com os meus pais e com o meu filho, o que normalmente não posso fazer porque ando sempre a viajar para participar nas competições. Tenho desfrutado daquilo que não posso fazer habitualmente. O que tenho feito mais é divertir-me com o meu filho, que tem 9 anos..Voltou a fazer a dança de vitória? Não. Espero dançar em agosto de 2021 no Japão, quando for campeão olímpico..O facto de não treinar a modalidade não o vai prejudicar em termos competitivos? Não prejudica muito porque sou o número 4 do ranking mundial. O facto de estar muito tempo sem competir causa algum transtorno, mas aproveitei esse tempo para outras áreas onde habitualmente não posso estar, o que é bom. A minha vida tem estado muito bem..Vai afetar o nível dos próximos JO? Penso que não, ainda falta muito tempo, mais de um ano, os atletas vão ter tempo para se prepararem. Podemos aproveitar a paragem para nos unirmos e ficar mais concentrados no nosso objetivo, falo pelos atletas..É campeão na categoria dos 100 kg, logo, também não pode descurar a alimentação. Essa é a parte mais difícil, ter de manter o peso. Mas faz parte da profissão, tenho de me adaptar a todas as circunstâncias..Já voltou ao restaurante? Não vou a restaurantes, tenho uma vida regrada, faço as minhas próprias refeições. Tenho de ter cuidado com a alimentação, como muitos legumes e fruta, é uma alimentação saudável..Como é que esta pandemia está a afetar Portugal? Estamos a viver uma situação complicada e os portugueses estiveram bem, ficaram em casa como lhes foi pedido. Penso que isso aconteceu porque toda a situação da quarentena foi bem explicada. De início, foi complicado mas soubemos respeitar as medidas de quando foi decretado o Estado de Emergência. E, tal como eu, as pessoas aproveitaram para desfrutar de coisas que não faziam habitualmente, para descansar, como eu fiz. Eu nunca saí de casa e foi o que as pessoas fizeram, respeitaram e souberam lidar lindamente com a situação. Lisboa estava completamente vazia, nunca tinha visto a cidade assim..Nada vai ser como dantes... Não sei, o que sei é que este período tem sido bom para as pessoas pararem e refletirem, serem mais unidas. Esta pandemia não parou só um país, parou o mundo, o que nos devia levar a refletir sobre as coisas positivas e negativas das nossas vidas. A vida é tão bela que temos de a saber aproveitar, este novo vírus tem sido uma lição para todo o mundo..Em algum momento teve receio do que pudesse acontecer? Não, tenho sempre pensamento positivo, acredito que as coisas vão passar. Pensei que seriam dois a três meses em que teríamos de parar e que, depois, voltaríamos ao que tínhamos..E a nível económico? Será mais difícil, parece certo que iremos passar por uma crise financeira, o que não acontecerá só em Portugal. Mas, se formos unidos, vamos conseguir ultrapassar as dificuldades e sair desta crise mais fortes..Do que é que tem sentido mais falta? Não sinto falta de nada, a minha vida continua na mesma, do que sinto mesmo mais falta é da competição, da adrenalina de competir, até para me preparar para os Jogos Olímpicos, mas acabei por saber gerir essa situação. Há tempo para tudo, meti isso na minha cabeça. Agora é um tempo de pausa e poder refletir sobre as coisas que fiz de errado como atleta, ver quais são os pontos a corrigir. Tem sido também um momento para me divertir, estar com a minha família, com o meu filho, que é o mais importante. Quando passar tudo isto, voltarei à nova realidade, que é lidar com uma doença nova e preparar-me para o meu grande objetivo que são os Jogos..Mas do que é que tem tido mais saudades? Saudades de competir, de treinar, de ter aquela sensação de competição, da alegria do tapete. Aproveito este tempo como uma pausa mas também é frustrante não estar a fazer o que mais gosto..Vai antecipar as férias? Não existem férias para um atleta de alta-competição, quem é profissional nunca tem férias. Há uma pausa para descansar o corpo, mais nada. E eu gosto de estar sempre a competir, gosto da adrenalina da competição, não gosto de estar parado, é a pior coisa para mim..Fora do judo, acompanha o que se passa no seu clube, o Sporting? Estou desligado dessas coisas, estou concentrado no meu objetivo, a minha mente está focada nos Jogos Olímpicos. Desde que fui campeão do mundo tenho um chip concentrado nos JO. Estou a tentar não me deixar levar por energias negativas, não vou entrar na guerra de assuntos que não me pertencem. O meu objetivo são os Jogos, tento não me meter em guerras que não me dizem respeito..É uma pessoa muito focada, é esse o seu maior trunfo? Acho que sim, no judo o atleta tem de estar concentrado, tem que ter determinação, é a minha concentração e a forma de ver as coisas ao longo do tempo que me têm ajudado. O meu objetivo está em primeiro lugar. Não me deixo afetar por coisas pequenas, não me vão fazer sair do meu objetivo..Jogos à porta fechada ou com público? Acredito que vão ser à porta fechada, pelo tipo de competição e, também, porque em agosto vai fazer muito calor em Tóquio. Penso que não deverá haver uma vacina até lá e têm de se manter as regras de distanciamento social..A falta de assistência faz muita diferença no judo? Às vezes sim, às vezes não, o público faz muita pressão no atleta, por isso, digo que tanto é bom como é negativo. Mas o público é muito importante em qualquer competição e esta sem a presença do público não vale a pena. O público apoia, faz pressão nos árbitros, isso ajuda bastante. A adrenalina do público puxa pelo atleta, sobretudo se este se sentir mais em baixo. Mas o nosso objetivo também não pode parar por não haver pessoas a assistir..No seu caso influencia? Não, estou concentrado na competição e no que se está a passar no tapete. Por exemplo, no Japão não tinha muito público a meu favor. O público foi gostando de mim ao longo da prova. Há muitos atletas que, por serem conhecidos e terem feito algumas coisas no judo, têm muita gente a apoiar. No meu caso, o público foi gostando de mim ao longo do tempo, mas também é verdade que temos de saber jogar com todas essas situações. Independentemente disso, uma competição sem público não é a mesma coisa. Mas, com público o ou sem público, manterei o meu foco em ganhar os Jogos Olímpicos.