Jojo Rabbit: os Beatles, Bowie e um Hitler imaginário e cretino
Sejamos claros, Jojo Rabbit não é o melhor dos nove filmes nomeados a melhor filme nos Óscares, mas é talvez a nomeação mais certa, o objeto mais raro e decisivo desta belíssima fornada. Uma sátira anti-nazi para os nossos dias. Um filme tão urgente como necessário ou um conto de fadas que acredita que o humor é ainda uma arma política.
Taika Waititi, porventura das vozes mais iconoclastas do cinema contemporâneo, teve a insanidade de acreditar que neste mundo de perigosas aproximações aos valores do pesadelo nazi era necessário um filme para ridicularizar o esse mesmo pensamento. Fazê-lo com um desplante destes é como armar lenha para se queimar, sobretudo quando as ditaduras das brigadas do "politicamente correto" andam à coca de forma sôfrega.
O risco deste "louco" neo-zelandês capaz de brincar com o maior crime da Humanidade é fazê-lo com a pujança certa e um tom de comicidade tão singular, capaz de reinventar o nonsense de um Mel Brooks e sorrir perante os registos do melhor Wes Anderson. Felizmente, é uma loucura que compensa: o filme, desde o TIFF Toronto, tem conseguido inspirar os diversos públicos.
A realização esteve escolhida como uma das melhores do sindicato dos realizadores, foi nomeado aos Globos de Ouro, ganhou o prémio principal em Toronto, está nos Óscares e é um sucesso de bilheteira. Por muito que divida, Taika conseguiu com um formalismos artístico elevar-nos perante a memória da tragédia, denunciando o absurdo de Hitler e das suas ideias e fazendo-nos rir na fuça do mais ignóbil dos fascismos. E é mais forte quando a gargalhada surge de forma não programada nesse confronto com o "anti-ódio". É também mais forte quando ouvimos David Bowie em alemão ou sentimos um arrepio quando a piada finta o mau gosto.
A história é baseada no romance de Christine Leunens, descrevendo um menino nazi na Alemanha da Segunda Guerra Mundial que tem como amigo imaginário Adolph Hitler (interpretado pelo próprio Taika Waititi - ninguém em Hollywood teve coragem de aceitar o papel) é também uma história de amor e amizade entre o menino fã da suástica e uma rapariga judia escondida no seu sótão. Scarlett Johanson é a mãe do menino, uma mãe-solteira que secretamente ajuda os judeus. Além de tudo o resto, o humor do cineasta de The Hunt for the Wilderpeople contagia e arrepia em simultâneo, um pouco como também acontecia com A Vida é Bela, de Benigni. Mas nesta sátira há o "deadpan" contemporâneo muito ao estilo do humor de Waitiki (quem tiver visto o último Thor ou What we Do in Shadows vai compreender...), capaz de aplicar coordenadas pop ou o disparate mais absurdo. Disparate que nas regras da melhor comédia é pepita de ouro. Tal como em Thor: Ragnarok, é um disparate decantado...
Jojo Rabbit está-se a marimbar para os limites do humor correto ou para a fina linha que pode ofender. É óbvio que está de lado do universo judeu e do seu próprio código de humor, mas também recorre aos Beatles e a David Bowie (na tal versão alemã de Heroes) para baralhar tudo. O resultado é uma montanha russa de gargalhadas e de momentos para nos deixar em pele de galinha. Uma ode à coragem de todas as mães e ao espírito de resistência de quem já foi vítima de opressão.
Mas Waititi inventou uma estética e uma leveza que faz com que qualquer espetador livre de preconceitos sentimentais sinta borboletas no estômago (tal como Jojo quando percebe que está apaixonado). É só preciso ter alguma cultura em humor de novíssima geração e apertar com toda a força o cinto de segurança para provocações fora da caixa. As más línguas vão talvez rejeitar o delírio deste tom de farsa, mas provavelmente será preguiça reduzi-lo a uma variação do formato televisivo de Allô Allô..
Depois disto, Waititi tem Hollywood aos seus pés. A seguir tem uma comédia de futebol com Michael Fassbender e já está a preparar mais um Thor, seguramente com marcas de escárnio ao próprio universo Marvel...
**** Muito bom