Eles que orgulhosamente fazem parte do grupo dos "maluquinhos" do futebol americano em Portugal, dizem que jogam o desporto mais inclusivo de todos. Joga o magro, o gordo, o rápido, o lento, joga o presidente, o treinador e até um Ronaldo com 160 quilos . Nos renomados Lisboa Devils todos têm lugar. Os campeões nacionais associaram-se ao histórico Futebol Benfica. São agora os Futebol Benfica Devils e preparam a entrada na nova época, que esperam ser de mudança para um desporto praticado por cerca de 500 atletas..Chegam para treinar de capacete na mão e já meio equipados, com proteções monstruosas, bem antes da hora marcada (22.00), no estádio Francisco Lázaro, em Benfica, um campo que viu nascer grandes nomes do futebol de onze, como Paulo Bento, Gelson Martins, Rúben Semedo ou Ricardo Pereira..O plantel tem mais de 50 jogadores. Vão juntando-se na bancada enquanto não acaba o treino das sub-19 do Fofó e dos juvenis masculinos, que dividem o campo numa sessão noturna..Há alguma impaciência. Querem o campo para eles e mal soa o apito de fim de treino dos outros... começa o deles. Divididos em grupos ensaiam jogadas de defesa e ataque antes de começarem o treino tático com as mil e muitas táticas que caracterizam o futebol americano..Como diz o presidente-jogador Ricardo Rodrigues, "fazem mais do que marrar uns contra os outros". Os bloqueios são uma arte compreendidas por poucos em Portugal, mas que refletem a complexidade da modalidade que os apaixona... e também os magoa. Mal começa o treino a sério, Marlon vai ao chão. Como ele justificou à fisioterapeuta que o assistiu de pronto, fez um bloqueio ao relvado com o ombro e perdeu..Em campo, cada jogador tem uma missão específica e por vezes até é partilhada com o opositor. É jogo aberto, porque se ele fizer bem a sua missão é meio caminho para o sucesso. Por isso, é um desporto muito tático e vulgarmente se diz que é preciso "ler o jogo". Esse é um dos alertas que mais se fazem aos rookies (novatos)..A realidade portuguesa é muito diferente da realidade norte-americana da NFL. Lá são estrelas, aqui são "os maluquinhos do futebol americano" - a expressão é como uma "medalha" que os irrita, indigna e frustra. Nos EUA ganham milhões, em Portugal paga-se para jogar. São amadores e pagam uma quota mensal ao clube. Além disso, pagam o equipamento e "entram com algum", quando é preciso, para o aluguer do autocarro quando jogam fora de Lisboa. Nos outros jogam deslocam-se em nome e custo próprio. A época tem 10 meses e o orçamento do clube é de 15 a 20 mil euros..Os Devils são liderados por Bernardo Solipa, o head coach (treinador principal) que é também o treinador do ataque e o quarterback (posição mais importante do futebol americano) da equipa. Formado em educação física, despertou para a modalidade quando procurava um jogo para jogar na PlayStation. Ficou-se pelo virtual durante algum tempo, mas aos 19 anos foi a um treino de captação dos então Lisboa Devils. Ficou logo e hoje é o treinador-jogador..Desafia-o a parte tática do jogo, o estar obrigado a pensar duas jogadas à frente, o estar em constante raciocínio e pensar em vários cenários ao mesmo tempo. E lamenta que o futebol americano padeça do mal de todas as outras modalidades em Portugal. "Todos reclamam dos apoios e atenção do futebol. Basta ver os Jogos Olímpicos e a temática dominante é a falta de apoios. É transversal a todas as modalidades. Além disso, o povo e o desporto português ainda vivem muito de tradição e ter futebol americano causa estranheza a quem está habituado ao futebol dito normal", desabafou Bernardo..Eles correm em jardas, não em metros. E fazem touchdowns e não golos. E além de lutarem contra a falta de apoios, lutam também contra "o estigma de desporto violento". Defendem que o futebol americano não é violento, mas sim um desporto de contacto. "Como receber e dar, o contacto é um exercício que é parte fundamental do treino", defendeu o presidente dos Devils, com "perfeita noção" que maioria os portugueses desconhece a modalidade e os que a conhecem acham-na "algo complicada de entender"..Jogar nos Devils é um status que vai para além da prática desportiva. Durante a pandemia juntavam-se na mesma, mas em vez de jogarem foram servir cabazes alimentares a famílias carenciadas devidamente sinalizadas. O lado social é algo que querem que seja "umbilical". O projeto com a Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger é um exemplo disso. "Onde há vontade, garra e querer, não há limites", diz Ricardo Rodrigues, explicando que, neste caso, os atletas jogam Flag Football - uma modalidade de futebol americano sem contacto..O presidente-jogador olha para o Fofó como um aliado com futuro e quiçá esteja a nascer uma união definitiva. A união foi idealizada pela Junta de Freguesia de Benfica e do seu presidente Ricardo Marques, que "manifestou interesse" em ter futebol americano nesta freguesia lisboeta.."O Clube de Futebol Benfica, é um clube eclético, que não tem medo das modalidades ditas alternativas, e com grande aposta na formação. Acreditamos que estas condições, aliadas à excelente localização, ajudarão a captar mais jovens para a modalidade que garantam de alguma forma o futuro", explicou Ricardo Rodrigues, lembrando que o Futebol Benfica irá ter obras profundas de remodelação e em 2022 terão instalações de fazer inveja..O histórico presidente do Futebol Benfica, Domingos Estanislau, acena com a cabeça em sinal de concordância. Acredita que o Fofó pode ajudar o futebol americano a dar o salto, assim como o fez com o hóquei em patins há mais de 50 anos e o futebol feminino há duas décadas..isaura.almeida@dn.pt