Joe Biden sobe o tom e chama "ditador assassino" a Putin

EUA e União Europeia falam em "crimes de guerra" russos. Ainda não há um balanço das vítimas do ataque ao teatro de Mariupol, que servia de abrigo a centenas de pessoas. No Bundestag, Zelensky falou do "novo muro" na Europa.
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Menos de 24 horas depois de ter chamado "criminoso de guerra" a Vladimir Putin, o presidente norte-americano, Joe Biden, subiu o tom e classificou o homólogo russo de "ditador assassino" e de "puro bandido que está a travar uma guerra imoral contra a Ucrânia". No terreno, ainda não havia ontem um balanço do número de vítimas do ataque de quarta-feira ao teatro de Mariupol, que servia como abrigo para centenas de pessoas, embora se acredite que muitos sobreviveram.

As últimas palavras de Biden sobre Putin foram proferidas num evento para assinalar o Dia de São Patrício na Casa Branca. E não tiveram resposta imediata do Kremlin, que na véspera tinha apelidado de "inaceitável" e "imperdoável" o facto de o presidente norte-americano ter chamado "criminoso de guerra" ao líder russo. Os EUA insistiram contudo nesse epíteto, com o secretário de Estado, Antony Blinken, a concordar com Biden. "Atacar intencionalmente civis é um crime de guerra. Após tanta destruição nas últimas três semanas, parece-me difícil concluir que os russos estejam a fazer outra coisa que não isso", afirmou.

Além dos EUA, já há pelo menos cinco países com assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas - os membros permanentes Reino Unido e França e os não-permanentes Albânia, Irlanda e Noruega - que acusam a Rússia de crimes de guerra. O mesmo fez a União Europeia, num comunicado do chefe da diplomacia Josep Borrell.Já o G7 saudou o trabalho que já está a ser feito de recolha de provas pelo procurador-geral do Tribunal Penal Internacional: "Aqueles que cometem crimes de guerra, inclusive pela utilização indiscriminada de armas contra civis, deverão prestar contas", indicaram os chefes da diplomacia.

Numa conferência de imprensa, Blinken considerou ainda que Moscovo não está a fazer "esforços significativos" para chegar a acordo nas negociações de paz com Kiev. Um suposto plano de paz de 15 pontos, que foi divulgado pelo Financial Times e já tinha sido negado pelos ucranianos, foi considerado "factualmente incorreto" também pelos russos. O secretário de Estado norte-americano louvou os ucranianos por continuarem o diálogo apesar de estarem a ser constantemente bombardeados.

No terreno, a Ucrânia acusou as forças russas de atacarem uma escola e centro cultural na região de Kharkiv, no leste do país, causando a morte de pelo menos 21 pessoas. Já na região de Chernihiv, o governador diz que pelo menos 53 civis morreram em 24 horas. Um dos mortos será um cidadão norte-americano, confirmou o Departamento de Estado, que não deu mais pormenores sobre a sua identidade nem se estaria a combater ao lado dos ucranianos. Em Kiev terminou o recolher obrigatório de 35 horas, tendo um bombardeamento na região da capital matado uma criança de dois anos e feito quatro feridos. Apesar dos ataques, os avanços russos não parecem significativos, com o Pentágono a estimar que sete mil soldados russos já tenham morrido.

A situação continua crítica em Mariupol. Segundo as autoridades locais, 30 mil pessoas conseguiram fugir nos seus próprios carros na última semana, mas outras 350 mil continuam na cidade cercada pelas forças russas. Alegam ainda que "80% da zona residencial" está destruída. "Já não é Mariupol, é o inferno", disse à AFP Tamara Kavunenko, de 58 anos, que conseguiu escapar para Zaporizhzhia. "Nas ruas há corpos de muitos civis mortos", contou, com o governo ucraniano a dizer que mais de duas mil pessoas já morreram na cidade.

Na quarta-feira, Kiev acusou os russos de bombardearem um teatro onde centenas de pessoas estavam abrigadas, apesar de a palavra "crianças" estar escrita em russo e ser visível do ar à frente e atrás do edifício. As autoridades ucranianas ainda não tinham indicado ontem um balanço em relação ao número de vítimas, dizendo contudo que muitas pessoas tinham conseguido sair porque o abrigo antiaéreo tinha resistido. O ministro da Cultura italiano, Dario Franceschini, anunciou no Twitter que Itália vai ajudar à reconstrução do teatro. Moscovo negou o ataque, acusando o batalhão de Azov (uma milícia de extrema-direita ucraniana) de ter rebentado com o edifício. O major-general russo Igor Konashenkov alegou que o batalhão estaria "a manter civis reféns" no local e que por isso nunca foi considerado um "alvo" para a Rússia.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, continuou ontem o seu périplo virtual. Num discurso no Bundestag, Zelensky avisou os deputados alemães (muitos dos quais cresceram na antiga Alemanha de Leste) que a Rússia está a construir um novo muro na Europa - que não divide Berlim, mas o continente entre liberdade e escravidão.

"Caro [Olaf] Scholz, deite abaixo este muro", disse, dirigindo-se ao chanceler alemão e usando as palavras que o presidente norte-americano Ronald Reagan usou num discurso em 1987, nas portas de Brandemburgo, ao lado do muro de Berlim, dirigindo-se ao então líder soviético Mikhail Gorbachev. "Vocês ainda se estão a proteger atrás de um muro que não torna possível verem o que nós estamos a passar", referiu o presidente ucraniano, criticando a Alemanha por ter demorado muito tempo a agir e por ter dado prioridade às questões económicas.

Zelensky apelidou o polémico gasoduto Nord Stream 2, que está pronto mas cuja entrada em funcionamento foi suspensa após a invasão, como "o cimento para esse novo muro", lembrando que Kiev avisou que este era "uma espécie de preparação para a guerra". E considerou a relutância da Alemanha em permitir a entrada da Ucrânia na União Europeia como "outro tijolo" nesse muro.

Depois destas acusações, a oposição conservadora alemã criticou o facto de o Bundestag não ter debatido a guerra da Ucrânia mas seguido com a agenda normal. Já Olaf Scholz reagiu no Twitter: "Agradeço a Zelensky as suas palavras assombrosas. Nós vemos: a Rússia continua a sua guerra cruel todos os dias, com perdas terríveis. Estamos empenhados em fazer tudo o que pudermos para dar uma hipótese à diplomacia e acabar com a guerra."

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Mais tarde, numa conferência de imprensa com o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, Scholz repetiu que as palavras tinham sido "impressionantes" mas reiterou que não haverá uma intervenção militar da Aliança Atlântica nesta guerra.

Um dia depois de Putin ter dito que era preciso a Rússia passar por uma "auto-purificação" de forma a afastar os "traidores", o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, reforçou essa ideia. "Nestes momentos difíceis, muitas pessoas estão a revelar-se traidoras", afirmou aos jornalistas, citado pela AFP. "Desaparecem das nossas vidas sozinhas. Algumas deixam os empregos, algumas deixam o país. É assim que a purificação está a acontecer", acrescentou.

O presidente russo tinha dito na véspera que os russos saberão sempre distinguir "os patriotas dos traidores" e "cuspi-los como a uma mosca que acidentalmente entrou na boca". Defendeu ainda uma "auto-purificação natural e necessária da sociedade que vai fortalecer" a Rússia. Entre aqueles que resolveram sair está uma das maiores estrelas do bailado russo, a prima ballerina do Bolshoi Olga Smirnova, que se juntou ao Bailado Nacional Neerlandês. "Sou contra a guerra com todas as fibras da minha alma", tinha escrito no início do mês no Telegram."Nunca pensei que teria vergonha da Rússia (...). Mas agora sinto que uma linha foi desenhada que separa o antes do depois", referiu, dizendo que não podia ficar "indiferente" a esta "catástrofe global".

A 8 de março, o economista russo Konstantin Sonin, da Universidade de Chicago, estimou que 200 mil russos teriam deixado o país desde a invasão, alegando no Twitter que seria uma estimativa por baixo - tendo em conta que a Arménia tinha dito que já tinha recebido 80 mil e que o presidente da câmara de Tbilissi, capital da Geórgia, tinha falado em 25 mil só na sua cidade. Não há contudo um número oficial, mas Peskov disse que "a vasta maioria" dos russos apoiam Putin.

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