Itália campeã do Mundo com o espírito Tardelli

Itália jogou pouco mas aguentou tudo. Venceu a França nos penáltis (5-3), sem Zidane em campo, expulso depois de cabecear Materazzi no peito. A imagem mais negativa de um dos maiores génios do futebol. <br />
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Antes do jogo, Marcello Lippi, a velha raposa italiana, entra no relvado e cumprimenta Raymond Domenech. Com uma elegância típica italiana, apesar do fato de treino de Lippi e do fato aprumado de Domenech. Lippi sai do cumprimento e cospe a pastilha elástica, acto contínuo. Um acto deselegante, algo bruto para os franceses, provavelmente, mas tolerável e imiscuído na cultura de exuberância e abnegação dos italianos. Lembram-se da imagem de Tardelli, a correr quilómetros após marcar à Alemanha na final do Mundial 1982? Foi essa a imagem desta Itália, campeã do Mundo 2006 após o desempate por penaltis. Com muito menos qualidade de futebol do que a França, mas com o mesmo espírito de sempre.

Fabio Grosso seria o novo Tardelli: um golo tremendo à Alemanha na meia-final, na parte final do prolongamento, sensivelmente uma semana após ter arrancado um penalti que despachou, sem prolongamento, a Austrália. Ontem, no Olímpico de Berlim, passeavam-se australianos com uma mensagem nas t-shirts pouca simpática para os novos campeões do Mundo: "Fomos aldrabados". Mas para os italianos, vampiros competitivos, pouco incomodativa.

Os italianos gostam do belo e da classe, mas sabem ganhar como poucos em dias, ou meses, ou anos, em que essa conjugação não é possível. Foi assim que o fizeram frente à França. Com apenas espírito de missão, com paciência e crença - e nisso a Itália, que tem dentro da sua geografia o Vaticano e a sua influência, é quase insuperável.

Voltando a Fabio Grosso: o golo vital frente aos alemães - parecem ser amuleto: em 1982, o terceiro e último título dos italianos até ontem, foram batidos na final, desta vez no acesso ao jogo decisivo. O defesa esquerdo saiu desse golo em delírio, braços levantados "à Tardelli", com uma expressão de felicidade no rosto inimitável. Ontem repetiu-o após o penalti decisivo - aliás, só falhou Trezeguet, que em 2000 marcou o golo de ouro com que a França bateu a Itália na final do Europeu. Uma maratona de festejos de Grosso, sempre de braços bem altos, apontados ao céu e à crença que alimentou a Itália, pobre no resto. Jogou muito pouco, criou muito pouco. Mas aguentou tudo.

A pressão intolerável dos franceses na segunda parte, as ameaças de golo de Henry e de Zidane, a falta de poder para discutir o jogo antes dos penaltis. E, mais uma vez, num ano em que o combustível do título foi o caos. Aquele caos em que a Itália do futebol normalmente se levanta imponente. Em 1982, com um escândalo muito semelhante ao de hoje (arranjos de resultados no campeonato), espantou o Mundo em Espanha; este ano, na Alemanha, foi devagarinho apoiada na matreirice e capacidade mobilizadora de Lippi até à final. E aguentou-se no caos do domínio adversário, nas bolas que quase entraram, no penalti madrugador que Zidane converteu. Empatou na confusão de um canto e defendeu. Voltou às origens: especular com quase nada até ganhar tudo.

A França merecia mais. Fez mais, melhor dizendo, mas fez demais: Zidane, na despedida, praticou magia e brutalidade. E quando cabeceou Materazzi enterrou um jogo em que tinha colocado a sua equipa muito perto do segundo título mundial . Os assobios dos adeptos franceses para a Itália, além de imerecidos, eram inconsequentes. A Itália sabe ganhar sem merecer. A Itália é campeã do Mundo, embora na final tenha sido mais fraca do que a velha equipa da França. É a vida do futebol quando há italianos pelo meio: não basta só jogar bem. É preciso mais.

MELHOR MOMENTO

Grosso de braços no ar.

Num jogo tão fraco da Itália, que  jogou apenas com o coração, o  penalti que lhe garantiu o título é o  momento. Grosso não falhou.

FIGURA POSITIVA

Cannavaro

Fez cortes cirúrgicos: parecia de borracha. O melhor do Mundial.

FIGURA NEGATIVA

Zidane

Cabeceou Materazzi e foi expulso no seu último jogo.

PIOR MOMENTO

Assobios dos adeptos franceses

Provavelmente não viram a agressão mas assobiar os jogadores da Itália e o seu hino é pouco de "fair-play".

ÁRBITRO

HORACIO ELIZONDO (ARGENTINA)

Horacio Elizondo vai ficar na história do futebol por ter antecipado a reforma a Zidane. E não por sua culpa: o francês agrediu um adversário. O árbitro argentino defendeu-se bem na gestão disciplinar. E os lances mais confusos e polémicos conferem-lhe espaço para o benefício da dúvida. No penalti de Materazzi sobre Malouda, por exemplo. Parece ter havido um toque - logo esteve bem.

Estatísticas

ITÁLIA

Remates 5

Remates directos à baliza 3

Faltas cometidas 17

Cantos 5

Cartões amarelos 1

Cartões vermelhos 0

Posse de bola 55%

FRANÇA

Remates 13

Remates directos baliza 5

Faltas cometidas 24

Cantos 7

Cartões amarelos 3

Cartões vermelhos 1

Posse de bola 45%

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