Chayenne Oliveira diz que o samba corre-lhe nas veias. Natural do Rio de Janeiro, nunca desfilou no Sambódromo, mas acompanhava os ensaios das escolas de samba durante meses. Em casa, vestia em segredo as luxuosas roupas que atravessam a avenida, costuradas pela avó. "É uma paixão que tenho desde pequena. Acho que já nasci assim." A viver há sete meses em Aveiro, onde frequenta o mestrado de Biologia, descobriu há dois meses as rodas de samba do Avenida Café-Concerto. "Isto é o Rio. Sinto um pedaço do Rio de Janeiro aqui. Estava muito ansiosa que este dia chegasse", diz ao DN a carioca, de 25 anos..De saltos altos, Chayenne destaca-se entre os presentes, pela forma como o seu corpo se mexe ao som da batucada. Sorriso no rosto e o samba no pé, está junto ao centro, bem perto dos músicos. É para eles, dispostos numa roda, que está direcionada a pouca luz que existe na sala. À volta deles, cerca de três centenas de pessoas dançam ao som de um ritmo que transporta portugueses e brasileiros para o outro lado do Atlântico. Simulam as tradicionais rodas de samba, populares no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde as pessoas se juntam à volta dos músicos a dançar. São uma espécie de jam sessions de jazz, mas com samba, corpos suados e um cheiro intenso a coxinhas de frango..A primeira roda de samba do Avenida Café-Concerto aconteceu em dezembro, numa produção conjunta com o músico Nuno Bastos e a escola de artes Palco Central. "Já participava em projetos semelhantes no Porto, e entretanto surgiu a hipótese de fazer aqui em Aveiro. Está a correr muito bem", conta ao DN Nuno Bastos, acrescentando que existem projetos para levar a roda de samba a cidades como Coimbra e Braga. Ligado às escolas de samba desde 1994, começou a participar neste tipo de eventos quatro anos depois, mas, nos últimos anos, o fenómeno ganhou outra dimensão.."Como houve uma vinda crescente de emigrantes para Portugal, as rodas ganharam outras proporções. Havia procura de brasileiros por algo que os fizesse sentir-se em casa. E isto faz que se sintam em casa, porque é muito tradicional brasileiro. Daí o sucesso em Lisboa, no Porto e agora em mais cidades", sublinha o músico, destacando que houve lotação esgotada nas últimas duas edições..Juca Lobão e Sónia Oliveira, de 58 anos, naturais de Salvador da Bahia, confirmam: "Estamos a adorar. No Brasil tem mais gente, é certo, mas aqui também tem música e animação." Vieram para Portugal há dez meses, à procura "de qualidade de vida e segurança". Estão satisfeitos, mas queixam-se dos "salários baixos e dos alugueres muito altos". Sem data para regressar ao Brasil, dizem que o samba "traz um pouco de casa até aos brasileiros"..Uns metros ao lado, Cleia Sobral, de 23 anos, conta que é uma estreante. Nas rodas, não no samba. Brasileira a viver em Lisboa há quatro meses, dança com mestria. Veio fazer um workshop à Universidade de Aveiro e descobriu o evento nas redes sociais. "Há muito tempo que não ouvia samba ao vivo. Estou a adorar. Quero sambar muito, porque não sei quando volto a dançar." Questionada sobre as diferenças entre as rodas de samba portuguesas e as brasileiras, diz que é sobretudo o ambiente, "porque aqui não é ao ar livre". No entanto, ressalva, "é muito bom na mesma"..Nas rodas de samba do Avenida ouve-se Seu Jorge, Grupo Revelação, Martinho da Vila, entre muitos outros nomes da música brasileira. Nuno Bastos engana. Parece brasileiro, mas é bem português. "Tenho cantado em projetos maioritariamente de música brasileira e agora a solo também", explica. À sua volta, músicos portugueses, brasileiros, algumas participações especiais. Colocam-se em roda, para que as pessoas se espalhem à sua volta. Tradicionalmente, não havia amplificação, mas aqui há. E mantém-se o dia original - o domingo - porque não se quer uma festa que se prolongue pela noite dentro. "E queremos dar a oportunidade a pessoas que não têm tantas hipóteses de sair à noite, e até a crianças, de estar presentes.".Portugueses rendidos ao samba.Embora o fenómeno tenha sido impulsionado pela vinda de brasileiros para Portugal, os portugueses já se renderam. "Há muitos portugueses que gostam de música brasileira e acabam por participar. Há uma mescla de emigrantes brasileiros e portugueses curiosos e amantes da música brasileira", conta Nuno Bastos..Diana Ferreira, de 34 anos, confessa-se apaixonada pelos ritmos tropicais. "Ouço samba desde os meus 15 anos. Aqui, ficamos mais perto da realidade do país." Já esteve no Brasil, e espera voltar. "Adoro a forma como eles vivem: o sorriso no rosto, o chinelo no pé, a descontração." Um pouco do que se sente nesta roda de samba. "Eles conseguem contagiar-nos.".Há quem troque os sapatos à entrada, mas Filipa Resende, de 25 anos, dança convicta e confortavelmente de saltos altos. Bem altos até. "Faço parte da escola de samba Vai Quem Quer, de Estarreja, há 13 anos." Pela primeira vez numa roda, diz que o ambiente "é muito bom". "Tem uma energia muito boa." Mais perto dos músicos, Guilherme Figueiredo, de 9 anos, chama a atenção dos presentes pela idade e pela forma como naturalmente se balança. Envergonhado, conta que tem família no Brasil, daí o gosto pelo samba. "Eu pensava que ele vinha comigo, mas afinal fui eu que vim com ele", diz surpreendida a mãe, Ana Teixeira.."Queremos fortalecer a cultura do samba em Portugal".Em Lisboa, os irmãos Cícero e Betinho Mateus são responsáveis por uma roda de samba que acontece todos os domingos, no Titanic Sur Mer. Músicos brasileiros a viver em Portugal há 17 anos, tiveram a ideia quando foram a uma roda de samba no Rio de Janeiro, em 2014, onde estas manifestações nasceram no século XX, nos fundos dos quintais, e até deram origem ao nascimento de outros estilos musicais, como o pagode. "Vimos a atmosfera e pensámos: 'Vamos criar uma cena destas em Lisboa.'" E foi o que fizeram no ano seguinte.."O samba é um ritmo de resistência. A ideia é mostrar um pouco de um Brasil diferente, que está muito estigmatizado. Queremos mostrar o verdadeiro samba, fortalecer a cultura do samba em Portugal fora do Carnaval", diz o músico. Em média, as rodas têm cerca de 500 participantes, e Cícero arrisca dizendo que "talvez até mais portugueses do que brasileiros". Essa era, aliás, uma das premissas. "Não queríamos fazer uma festa só para brasileiros, não queríamos formar um gueto.".A festa dura cerca de seis horas, quatro das quais com música. Também há comida e bebida. "Em cinco anos, mesmo com álcool presente, nunca houve confusão", assegura o membro do coletivo Viva o Samba. Isto porque, explica, o respeito é um dos principais ingredientes das rodas de samba. Tal como "a naturalidade". "As coisas não são combinadas. Simplesmente acontecem. Já tivemos a Mariza, a Carminho, o Tiago Nacarato connosco. Gostamos muito desta aproximação.".Viajamos até ao Porto, onde todas as semanas o RUA - Tapas e Music Bar organiza rodas de samba. Religiosamente, à quinta-feira e ao sábado à noite, há cerca de cinco anos. Quando deixam de servir refeições, abre-se a pista com sonoridades do Brasil. "O ambiente é descontraído, toda a gente dança", conta Nuno Garcês, sócio do espaço, destacando que o público é maioritariamente português. Estaremos perante uma moda? "Se fosse uma moda já tinha passado. É mais do que isso. A energia da música ao vivo é completamente diferente. Há uma grande proximidade com o público", destaca.