Inspetora-Geral das polícias de saída. MAI obrigado a substituição inesperada

Margarida Blasco toma posse na próxima semana como juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça e não foi autorizada a continuar a sua comissão de serviço na IGAI, que só terminaria daqui a um ano
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A Inspetora-Geral da Administração Interna, Margarida Blasco, deverá ser substituída no cargo nos próximos dias, a meio da sua terceira comissão de serviço à frente do organismo que tem como missão fiscalizar a legalidade da ação das polícias tuteladas pelo ministério da Administração Interna (MAI) - GNR, PSP, SEF e Autoridade Nacional de Proteção Civil.

A desembargadora foi nomeada Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e toma posse dia nove de maio, quinta-feira. Fonte oficial do STJ confirmou ao DN que a magistrada assumirá as novas funções a partir dessa data, sendo obrigada a deixar a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI).

Ao que o DN apurou, esta situação apanhou de surpresa o ministro Eduardo Cabrita que não contava com ter que substituir um alto dirigente da sua tutela nesta altura. A sua comissão de serviço tinha sido renovada em fevereiro de 2018 e terminaria em fevereiro de 2021.

Mas, o atual presidente do Supremo, António Piçarra, foi irredutível numa das suas orientações de princípio que impôs no seu mandato: limitar as comissões de serviço dos juízes conselheiros.

10 inspetores para 40 mil polícias

Margarida Blasco tomou posse na IGAI em fevereiro de 2012, nomeada pelo governo de coligação PSD/CDS, dirigido por Pedro Passos Coelho. Foi a primeira mulher a dirigir a IGAI e sai sem ter conseguido aprovar a nova lei orgânica que iria permitir reforçar o quadro de pessoal.

Para fiscalizar mais de 40 mil polícias a "polícia das polícias" tem apenas 10 inspetores - o mesmo número que tinha quando assumiu o cargo num quadro orgânico que prevê 14. Em breve ficarão reduzidos a oito.

"O reforço de quadro de inspetores afigura-se fundamental para o desempenho adequado das tarefas que são legalmente confiadas à IGAI", sublinhou a Inspetora-Geral num seminário em novembro passado, adiantando que "muito brevemente" a IGAI iria passar a ter menos de 10 inspetores, "o que consubstancia um constrangimento efetivo do exercício da sua atividade".

Com maior visibilidade as queixas de cidadãos à IGAI foram subindo, com as denúncias por alegada violência policial a ganhar maior impacto e preocupação. Os últimos dados disponíveis, relativos ao ano de 2018 registaram 860 queixas contra a atuação das forças de segurança em 2018, o valor mais alto dos últimos sete anos.

Maior número de queixas em sete anos

De acordo com a IGAI, mais de um terço das queixas da atuação das forças de segurança estiveram relacionadas com ofensas à integridade física, tendo dado entrada um total de 255, 172 das quais dirigidas a elementos da PSP e 73 a militares da GNR.

O resultado dessas denúncias mostra um dos efeitos práticos da gritante falta de meios: apenas quatro casos foram convertidos em processos de natureza disciplinar - de um total de 1.483 denúncias contra polícias (623 que transitaram de 2017 e 860 deram entrada em 2018). Foram arquivadas 765 denúncias por inexistência de infração ou de indício.

Em matéria de violência policial, estes sete anos de Margarida Blasco foram preenchidos. O caso de Alfragide, em que a IGAI instaurou processos a nove agentes da PSP, tendo arquivado sete, quando o Ministério Público (MP) apontou para o envolvimento de todos os 18 polícias da esquadra, acusando-os de tortura, racismo, agressões graves, sequestros, falsos testemunhos. A sentença do tribunal está prevista para o próximo dia 20 de maio e nessa altura será a prova dos nove, quer para a IGAI, quer para o MP.

A magistrada prometeu uma atenção especial à formação dos polícias destacados para as zonas urbanas sensíveis, avançando com um "manual de boas práticas". Margarida Blasco tem no currículo várias experiências na área da cidadania e na defesa dos direitos humanos e essa valência - com a qual até já foi distinguida pelo Governo francês, com o título honorífico de Cavaleiro da Ordem de Mérito - foi um elemento determinante no desempenho das funções.

"Não se identifica um sentimento de impunidade, uma vez que são instaurados processos, nos quais são aplicadas sanções. O sistema funciona", garantiu em entrevista ao DN, a propósito do reduzido número de processos disciplinares instaurados.

Inquéritos e auditorias por concluir

A nomeada Conselheira do STJ deixa, no entanto, o cargo, sem revelar conclusões sobre as análises das queixas que indiciam a presença da extrema direitas nas forças de segurança ou sobre as denúncias de violência policial. Fica também a falta a conclusão de um inquérito ao SEF, por alegadas legalizações de estrangeiros à margem da lei, confirmadas numa auditoria interna daquele serviço de segurança, noticiada pelo DN.

No mesmo grupo de processos por concluir estão as auditorias ao SEF para avaliação das autorizações de residência para investimento - os "vistos gold". Desde 2014 que não são realizadas, quando deveriam ser anuais.

Recentemente, o DN divulgou os resultados de uma auditoria à gestão financeira da GNR, realizada pela IGAI em 2018. "Inúmeras irregularidades" na gestão financeira, "ausência de recursos humanos habilitados", ajustes diretos suspeitos, falta de controlo - são algumas das conclusões.

A magistrada, que foi também a primeira mulher a dirigir o Serviço de Informações de Segurança (SIS), deixará, pelo menos, uma marca histórica na IGAI: pela primeira vez foi feita uma sistematização dos "pontos críticos" na ação policial, em cada região. A designada "Cartografia do Risco", lançado em 2015, vai permitir identificar, quer na atuação policial, quer nas condições de trabalho, as situações a precisar de interbenção urgente. Os primeiros resultados estão previstos para este ano.

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