Polícias vão ter um manual para prevenir discriminação
Os polícias vão ter um "manual" de boas práticas sobre direitos humanos, para prevenir a discriminação racial. É um dos objetivos traçados pela inspetora-geral, a juíza desembargadora Margarida Blasco, para este ano. De acordo com o plano de atividades, publicado esta semana, este "livro de instruções" será feito em colaboração com as escolas das forças e serviços de segurança e deverá incorporar "as melhores práticas policiais à luz da proteção dos direitos fundamentais".
Esta iniciativa surge numa altura em que o governo promoveu alterações legislativas para reforçar as punições contra a discriminação racial e quando ainda estão por esclarecer a suspeitas de tortura e racismo da PSP contra jovens da Cova da Moura, alvo de uma investigação que decorre há mais de dois anos. Conforme o DN já tinha noticiado, para prevenir atuações como a ocorrida no bairro da Amadora, que já resultou na instauração de processos disciplinares a nove agentes da PSP, a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) tem defendido uma "melhor formação" em direitos humanos para polícias que intervêm nas zonas urbanas sensíveis. "As preocupações formativas com vista à melhoria da intervenção dos agentes da autoridade, nomeadamente em zonas sensíveis, perpassam a generalidade das recomendações emitidas pela IGAI, reiterando-se ser esse um contributo que esta Inspeção -Geral diariamente intenta corporizar", salientou fonte oficial do gabinete de Margarida Blasco.
A intenção agora formalizada como primeira "orientação estratégica" para 2017, definida pela inspetora-geral da Administração Interna, é a "defesa dos direitos fundamentais". "É determinada pela intransigente defesa dos direitos humanos e, estando estes no centro do quadro normativo da atuação das polícias, densificar e otimizar a relação entre as forças de segurança, os cidadãos e a comunidade, na garantia do direito à segurança. O controlo independente e externo exercido pela IGAI vem possibilitar a conciliação da autoridade da polícia de cumprir e fazer cumprir a lei com o pleno exercício dos direitos da cidadania, preservando a instituição policial de suspeitas infundadas que corrompem e comprometem a confiança dos cidadãos na sua "polícia"", justifica a magistrada no documento.
A segunda, de quatro orientações estratégicas, é a "melhoria das práticas policiais" e, é sublinhado, "reflete o contributo da IGAI para o processo de modernização das polícias, destacando, em especial: a indução e a implementação de novas práticas policiais compatíveis com a defesa dos direitos humanos, através, nomeadamente, da formação; ensino (com atualização dos curricula escolares); processos de avaliação, sublinhando as valências significativas na defesa dos direitos humanos e fundamentais para a cidadania".
Até outubro, Margarida Blasco quer ter concluído um "manual procedimental da ação policial que incorpore, num processo necessariamente colaborativo com as escolas das FSS, as melhores práticas policiais à luz da proteção dos direitos fundamentais". Conta para isso com o Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, da PSP, com o Centro de Formação da Figueira da Foz da GNR, com a Academia Militar e com Instituto de Estudos Superiores Militares, para, além da estruturação do manual, promoverem "ações de formação incidentes em matéria de direitos humanos, cidadania, legalidade e funções policiais, tendo como destinatários agentes, guardas e oficiais das forças e serviços de segurança".
De acordo ainda com o plano, a IGAI está neste momento a instruir sete processos de contraordenação instaurados pelo Alto Comissariado para as Migrações, "por factos ocorridos no âmbito do Ministério da Administração Interna, relacionados com atos discriminatórios exercidos sobre cidadãos", ou seja, por agentes policiais. Os processos da Cova da Moura não estão incluídos nestes, pois envolvem mais matérias do que a discriminação. Fazem parte do total de 64 "processos de natureza disciplinar" que estão em curso atualmente (à data de 9 de novembro de 2016, eram 1 de averiguações, 36 inquéritos e 27 disciplinares).
Sete inspetores para 50 mil polícias
O défice de recursos humanos na Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) é assinalado no plano de atividades de 2017. Apesar de existirem 11 inspetores desde fevereiro, todo o trabalho do ano de 2016 foi feito com apenas sete - metade dos 14 previstos na lei orgânica. Este número, é escrito, "continua muito aquém das reais necessidades do serviço, mostrando-se insuficiente para o cumprimento integral dos objetivos operacionais traçados". Desde 2010 que os recursos humanos têm sofrido reduções, com um número, em final de 2016, de 35 pessoas para um quadro de 48.