Inspeção defende tribunais para julgar crimes contra o ambiente

Uma parte das coimas aplicadas é reduzida pelos tribunais. Em média por ano existem 1400 contraordenações por ilegalidades cometidas contra o ambiente
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A Inspeção-geral da Agricultura, Mar, Ambiente e do Ordenamento do Território (IGMAOT) defende a criação de tribunais específicos e juízes especializados em ambiente. Entre janeiro de 2014 e março de 2015, das condenações feitas pelo organismo e que tiveram recurso a tribunal, uma parte dos infratores acabou por ser absolvido e outra viu as multas serem reduzidas para valores muito inferiores. Dos cerca de 9,5 milhões de euros em causa, os juízes anularam cerca de metade do valor.

A IGAMAOT faz, em média por ano, 700 inspeções. Uma em cada três gera uma contraordenação por irregularidades. A estas juntam-se mais cerca de 1200 vindas de autoridades como GNR, PSP ou autarquias. Mas se das 1400 contraordenações cerca de 70% ficam resolvidas na IGAMAOT, as restantes 30% são alvo de recurso em tribunal. Destas, em metade há condenação e perto de 32% são absolvidas. Dos casos em que há condenação, em cerca de 22% o tribunal altera a coima para valores inferiores.

Os casos que acabaram com recurso em tribunal, entre janeiro de 2014 e março de 2015, correspondiam a cerca de 9,5 milhões de euros. Entre absolvições ( 3,2 milhões de euros) e admoestações ( 1,5 milhões de euros), os tribunais anularam cerca de 4,7 milhões. Na prática apenas foram pagos cerca de 4,8 milhões de euros pelas ilegalidades detetadas. "Deixa-me bastante insatisfeito. Normalmente as condenações da IGAMAOT são pelos valores mínimos", diz ao DN Nuno Banza, inspetor-geral da Agricultura, Mar, Ambiente e do Ordenamento do Território.

Por isso o inspetor-geral defende a criação de tribunais específicos em ambiente como acontece, por exemplo, com a área do trabalho. "Gostava que acontecesse um maior encontro da forma como aplicamos o direito. Gostava que os juízes tivessem uma sensibilidade especial para um regime que é especial. Defendo que em Portugal devem existir tribunais dedicados ao ambiente. Um juiz que julga processos na área do ambiente devia ser um juiz especializado. Não seriam necessários muitos tribunais, bastaria um por cada região: norte, centro e sul", afirma Nuno Banza.

Entre os vários exemplos de reduções de valores decretados pelos tribunais estão o de uma fábrica de óleos vegetais condenada pela IGAMAOT a pagar 50 mil euros por introdução de substâncias potencialmente poluidoras em águas superficiais. A relação reduziu o valor para metade. Ou de um município que estava condenado a pagar 40 mil euros por violação das normas de descargas, entre outras infrações, e que viu a coima reduzida para 2500 euros. Há casos ainda em que as reduções são mais expressivas, como a de uma empresa de produtos abrasivos que cometeu várias infrações pelas quais tinha de pagar 160 mil euros. Ficou condenada em tribunal a pagar 24 mil.

Mudanças na lei

O processo de contraordenação passa pela notificação da acusação, audição de testemunhas, junção de provas como documentos de licenciamento. Depois há a instrução do processo e finalmente uma decisão. "Os processos de contraordenação na área ambiental têm prazos de prescrição elevados, que podem ser ao final de cinco ou sete anos. O processo é tão mais longo quanto mais grave é a infração", diz. Em alguns casos - se existir impacto direto negativo e significativo nas espécies, habitat, recursos ou na saúde humana - as ilegalidades podem ser consideradas crimes puníveis com penas de prisão que podem chegar aos oito anos. A decisão se é crime ou não cabe ao Ministério Público. Mas a "generalidade das ilegalidades são contraordenações", explica.

A lei-quadro das contraordenações ambientais, criada em 2006, foi entretanto revista e publicada há cerca de um mês em Diário da República. Os valores das coimas mais graves aumentaram - por exemplo contraordenações graves com dolo passaram de valores máximos de 22 500 euros para 40 mil - e as leves viram baixar os mínimos. "A nova lei-quadro é melhor, nomeadamente por reduzir o valor das coimas mínimas. Não despenaliza e aumenta a margem de manobra em situações menos graves em que as coimas não precisam de ser tão grandes. A nova lei traz valores mais aplicáveis à realidade", afirma Nuno Banza.

"É um sinal negativo para a economia e concorrência desleal para com quem cumpre as regras se sair mais barato ir a tribunal e pagar uma coima mais baixa do que cumprir a lei. Por isso as coimas elevadas têm de ser desincentivadoras de ilegalidades. Tem impactos ambientais e não só. É importante sancionar de forma justa para desincentivar a concorrência desleal e a economia paralela", reforça Sandra Rodrigues, inspetora diretora da área das contraordenações e assuntos jurídicos, que salienta uma outra alteração: a reposição da situação anterior. Se por exemplo alguém despeja entulho numa zona proibida e não tem antecedentes, o castigo pode ser obrigá-lo a retirar o entulho. Ambos reforçam que cidadãos e empresas estão mais conscientes e alerta para os crimes ambientais.

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