Vara diz que Banco de Portugal "não tinha de se meter" no crédito a Berardo

O ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos Armando Vara disse hoje que o Banco de Portugal (BdP) "não tinha de se meter" nos créditos à Fundação José Berardo, defendendo o papel do ex-governador Vítor Constâncio.
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"O que o Banco de Portugal tinha de fazer naquele caso era dizer se sim ou se não" ao aumento de capital no BCP e não pronunciar-se sobre o crédito concedido pela Caixa Geral de Depósitos (CGD), afirmou Armando Vara no parlamento, em Lisboa, durante a sua audição na comissão parlamentar de inquérito à gestão e recapitalização da CGD.

"Ninguém me encomendou o sermão", garantiu Armando Vara, admitindo que acompanhou a discussão à volta da aprovação ou não por parte da administração de Vítor Constâncio do aumento de posição no BCP e a sua ligação com o crédito de 350 milhões de euros concedido à Fundação José Berardo.

Armando Vara declarou que "é possível apontar muita coisa a Vítor Constâncio, mas não nessa matéria".

De acordo com o ex-administrador da CGD, "seria impensável" o Banco de Portugal ter interferência nas políticas de concessão de crédito, exceto em algo que "não tivesse a ver com o perigo de honrar os compromissos em relação aos seus depositantes".

Na última sexta-feira, o jornal Público revelou documentos, a que posteriormente a Lusa também teve acesso, que mostram que a operação de entrada de Joe Berardo no BCP tinha sido autorizada pelo BdP, mesmo sabendo que as verbas necessárias para essa operação provinham de um crédito de 350 milhões de euros contraídos junto do banco público.

Segundo esses documentos, dois membros da supervisão bancária do BdP, Carlos Nunes e Virgílio Mendes, assinaram uma carta na qual se lê que "o Conselho de Administração do Banco de Portugal, em sessão de 21 de agosto de 2007, deliberou não se opor à detenção por parte da Fundação José Berardo de uma participação qualificada superior a 5% e inferior a 10% no capital social do Banco Comercial Português, SA e inerentes direitos de voto".

Nessa reunião Vítor Constâncio disse que não participou.

Numa cópia do extrato da ata da referida reunião, a que a Lusa teve acesso, pode confirmar-se que a mesma foi presidida pelo vice-governador José de Matos, tendo estado ainda presentes o vice-governador Pedro Duarte Neves, e os administradores Manuel Sebastião e Silveira Godinho, e, ainda, em representação do Conselho de Auditoria, Sérgio Nunes.

Em 2015, segundo uma auditoria da EY à Caixa Geral de Depósitos, a exposição do banco público à Fundação José Berardo era de 268 milhões de euros, depois de uma concessão de crédito de 350 milhões de euros para compra de ações no BCP, dando como garantia as próprias ações, que desvalorizaram consideravelmente e geraram grandes perdas para o banco público.

"Uma coincidência", diz Vara

Ainda na comissão parlamentar de inquérito, esta sexta-feira, o ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) Armando Vara disse que os empréstimos para financiar ações do BCP foram uma "coincidência" e que não há "nexo causal" com a sua posterior ida para o banco privado.

"Não vejo nenhum nexo causal. Foi coincidência", respondeu Armando Vara ao deputado do PCP Paulo Sá, que lhe perguntou sobre a 'guerra' de poder no BCP e a posterior ida de Vara e de Carlos Santos Ferreira, então presidente da CGD, para o banco privado.

Armando Vara disse também que "não conhecia pessoalmente" o empresário Joe Berardo, que "não tinha nenhuma relação com ele" e que só o conheceu "na fase de ir para o BCP".

Questionado sobre os créditos a Berardo para compra de acções, Vara lembrou que as decisões eram tomadas por um "órgão colegial". "Tomávamos as decisões por bom senso", afirmou, lembrando que naqueles tempos este tipo de empréstimos "era o pão nosso de cada dia" na banca.

Armando Vara deixou ainda a ideia de que não houve nenhum administrador do banco público que tivesse questionado ou posto em causa os créditos a Berardo (sem nunca mencionar o nome). "Bastava que um elemento do conselho de administração desse sinal de algum desconforto para que a operação parasse, ficasse para a próxima reunião ou até que a pessoa se sentisse confortável ou até retirada se fosse o caso", disse.

Armando Vara confessou também que "se tivesse consciência do que se viria a passar depois, provavelmente não teria aceitado ir para o BCP".

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