Imunologista Santos Rosa. Crianças e jovens devem ser vacinados o mais rápido possível
Há cada vez mais infeções entre jovens, jovens adultos e crianças também. A maioria não desenvolve doença com sintomatologia ou grave, mas se estes não forem considerados "um grupo de interesse na vacinação isso significa que o vírus estará a circular na comunidade durante mais tempo", alerta o imunologista e professor catedrático Manuel Santos Rosa. E porquê? "Porque estão a ser um veículo grande de propagação do vírus nos locais onde estão, nas famílias, nas escolas, no convívio, etc, o que vai manter o vírus durante muito mais tempo em circulação e, independentemente de as pessoas mais idosas estarem já vacinadas, isto pode fazer com que haja na mesma situações de internamento que podem ser gravosas, porque, por qualquer circunstância, pode haver um idoso imunodeprimido ou que não tenha respondido como se pretendia à vacina que pode ficar infetado e o desfecho da situação ser fatal".
Em Portugal, e de acordo com o boletim diário da Direção-Geral da Saúde (DGS), desta segunda-feira, até agora há a registar mais de 125 infetados na faixa etária dos 20 aos 29 anos, mais de 81 mil na dos 10 aos 19 e já 48 mil entre a dos zero aos nove anos. De acordo, com dados oficiais a faixa etária com mais casos registados na fase pós confinamento tem sido a dos 20 aos 29 anos, depois a dos 10 aos 19 e por fim a dos 30 aos 39.
Para o imunologista de Coimbra, é preciso a imunização destes grupos seja feita o quanto antes, embora salvaguarde que "o timing para o fazer não seja um timing prioritário em relação a outros grupos ou semelhante ao início do processo de vacinação quando estávamos com um número de mortos muito elevado na faixa dos mais idosos, mas, neste momento, já começa a ser um timing prioritário".
É preciso não esquecer que a variante Delta, origem associada à Índia, já é predominante na região de Lisboa e Vale do Tejo, mas já está a crescer em todo o país. Ontem mesmo a ministra da Saúde, Marta Temido, admitia também ser necessário acelerar a vacinação e até mais restrições para "ganhar tempo no controlo desta variante", que tem um grau de maior transmissibilidade que a anterior, Alpha, origem associada ao Reino Unido.
Neste sentido, e em relação às faixas etárias mais novas, o professor catedrático defende haver toda a vantagem na proteção das crianças e dos jovens com a vacinação, "é uma mais-valia não só para proteger a comunidade, mas elas próprias, e quando falo em antecipar a vacinação, não é por uma questão de antecipar no tempo, na minha perspetiva o antecipar é dar mais robustez ao processo vacinal. Ou seja, é fundamental percebermos todos que o nosso alvo não deve ser o chegarmos meramente à vacinação dos 30 e dos 40 anos, mas que esta tem de chegar a todos, à população em geral, o mais rápido possível, em que as crianças e os jovens também estão envolvidos".
Manuel Santos Rosa recorda mesmo "os estudos realizados mais recentemente sobre a eficácia das vacinas nas faixas etárias mais jovens, e que envolveram crianças de cinco e sete anos e outras, que indicam precisamente que estas deveriam ser vacinadas precocemente, por serem indiscutivelmente um veículo transmissor", admitindo que tal "até pode colocar algumas questões aos pais e a outros já que estamos a falar da vacinação de um grupo etário que, por norma, em relação à infeção por SARS CoV-2, não desenvolve sintomatologia nem doença grave - embora isto também não seja tão verdade, porque algumas desenvolvem patologias graves e ainda não sabemos quais são as consequências a breve prazo.
Destaquedestaque"Estamos perante um "vírus que tem várias mutações, algumas já se mostraram mais transmissíveis e patogénicas do que outras, o que faz com que, provavelmente, a percentagem de 70% de vacinados para a imunidade de grupo seja uma falácia".
A questão é que "é uma mais-valia e contribui para a robustez da imunidade de grupo. Um conceito sobre o qual muito se tem falado, considerando-se que esta será atingida com 70% da população vacinada, mas que, na sua opinião tal "é muito discutível. Não sabemos se a imunidade grupo é atingida aos 70%, aos 75% aos 80% e até mesmo aos 90%, porque, com este tipo de vírus não temos qualquer paralelismo fácil que nos permita estabelecer a percentagem a partir da qual teremos imunidade de grupo". Sobretudo porque estamos perante um "vírus que tem várias mutações, algumas já se mostraram mais transmissíveis e patogénicas do que outras, o que faz com que, provavelmente, a percentagem de 70% de vacinados para a imunidade de grupo seja uma falácia".
O professor sublinha ser necessário que todos percebamos que a imunidade de grupo depende do país, da região, da população e até da própria condição imunitária da população e não só do número de pessoas vacinadas, podendo, por isso, ser necessária uma percentagem de vacinados muito superior ao definido para Portugal ou até para a Europa, que é de 70%. Mas é preciso perceber também que as crianças e os jovens, "estou a falar do grupo etário até aos 18 anos, representam cerca de 30% da população portuguesa e até europeia. O que quer dizer que se não vacinarmos crianças e jovens estamos no limite de se conseguir a tal imunidade de grupo, porque este grupo será sempre um veículo de transmissão do vírus".
Quando questionado pelo DN sobre os apelos da Organização Mundial de Saúde e do Centro Europeu de Controlo de Doenças para que os países não vacinem crianças e jovens até aos 17 anos, com o argumento de que estes não desenvolvem a doença de forma gravosa, para que estas vacinas possam ser disponibilizadas para países carenciados o processo de inoculação está muito atrasado, o imunologista defenda que estamos perante dois problemas. Pelo menos, por agora, em que ainda há escassez de vacinas, porque daqui a um tempo, e como mais produtos a serem aprovados pelas autoridades de saúde internacionais, tal já não acontecerá.
"Aqui temos dois problemas, o da nossa esfera comunitária e do nosso país e o da esfera mundial. É evidente que se estivermos a falar no controlo da doença a nível local e comunitário, no sentido de travar a doença no nosso país e no espaço europeu, eu diria que, logicamente, que as crianças e os jovens devem ser vacinados o mais rapidamente, tal como toda a população. Agora, se estamos a falar do contexto mundial, com a mobilidade que existe, e se esta envolve grupos populacionais muito significativos, temos de perceber se o mais importante é ou não a vacinação mundial, porque, obviamente, que o processos de mobilidade pode manter a transmissão do vírus a um nível preocupante".
No entanto, não deixa de salvaguardar que esta questão é muito discutível, porque "o ideal seria que o processo vacinal estivesse a correr a um ritmo semelhante em todo o mundo, mas sabemos que isso é impossível, sobretudo em áreas de forte densidade populacional". Por isso, argumenta, "a meu ver, há vantagem, sem nunca esquecendo os outros, porque é fundamental que se lute por vacinas para os mais necessitados economicamente, e no nosso contexto comunitário, em vacinar o mais alargado possível, envolvendo os jovens e as crianças". Se não o fizermos, "isso representará a fragilidade do processo, e sem robustez na vacinação, vamos ter sempre episódios como o que está a atingir a região de Lisboa e Vale do Tejo e que pode ainda estender-se mais", alertando para o facto de "não podermos voltar a ter a mesma pressão na transmissão viral que tivemos anteriormente".
A região de Lisboa e Vale do Tejo há mês e meio que está na frente no número de novas infeções por SARS CoV-2, fazendo aumentar o R (t), índice de transmissibilidade, no continente e nacional, ontem em 1.19 e 1.18, significando que cada infetado irá infetar quase duas pessoas. Uma situação que Santos Rosa diz ser resultado de um descuido antecipado em relação às medidas profiláticas", argumentando: "É evidente que as vacinas, no seu objetivo primário, pretendem bloquear a evolução da doença e o desfecho fatal, mas, em muitos casos, não são um elemento de bloqueio total de transmissão do vírus", reforçando mesmo que se "olharmos para o histórico das vacinas pouquíssimas erradicaram o agente patogénico, falamos, por exemplo, da varíola e da poliomielite, mas falamos de casos raros. O que quer dizer que em todas as outras circunstâncias, embora as vacinas nos protejam da doença gravosa, o agente patogénico continua a existir. E continuando a existir e sabendo-se que é um agente patogénico com capacidade mutacional, logicamente que temos de ter cuidados acrescidos face à proteção individual necessária".
A capital é um exemplo do "facilitismo e do desleixo em relação às medidas profiláticas e os resultados, o prejuízo e o impacto disso, estão à vista", mesmo assim "as pessoas continuam a achar não ser preciso usar máscara, não ser preciso manter a distância social, quando ainda é. O vírus continua na comunidade e vai continuar por algum tempo e não se sabe se irão surgir novas mutações e se estas, inclusivamente, escaparão ou não mais facilmente à imunização que as vacinas conferem. Portanto, é fundamental manter este tipo de práticas".
DestaquedestaqueCertificado Digital é um instrumento imporante, mas as pessoas não podem pensar que depois de o obter podem deixar de cumprir as regras profiláticas. Isso não pode acontecer.
Esta é, aliás, a mensagem que profissionais no terreno a tratar a covid-19 e outros cientistas têm vindo a deixar. Santos Rosa defende, por isso, que a mensagem deve ser cada vez mais clara, alertando já para outra situação anunciada muito recentemente pelo governo: o Certificado Digital para covid-19.
Como diz, pode ser um instrumento importante do ponto de vista interno e externo, mas é preciso que a população perceba, mais uma vez, que não é um instrumento que vem facilitar os comportamentos. "É preciso que isto fique claro. É possível ter o certificado com o resultado de um teste antigénio, que não é de todo o mais seguro, e isto não pode levar as que as pessoas pensem que a partir daqui 'estou seguro' e que podem andar nos transportes, na rua e nos restaurantes sem cumprirem as regras profiláticas. Pelo contrário, cada vez mais a evolução da doença no país nos demonstra que esses cuidados, se calhar, têm de ser redobrados".
O imunologista sublinha até: "Não é preciso recuar para um confinamento, ninguém quer isso, mas é preciso sermos muito exigentes no cumprimento das regras profiláticas individuais e coletivas". Para o professor esta exigência deve ser imposta a cada um de nós, porque só assim nos estamos a proteger e a proteger os outros, argumentando, mais uma vez, "as vacinas não vão erradicar nem fazer desaparecer o SARS CoV-2. É preciso que as pessoas percebam isso. Ele continua na comunidade porque haverá sempre alguém que, por estar imunodeprimido, não estar vacinado ou até mesmo por ter sido vacinado e não ter ficado imunizado, o que também acontece numa percentagem significativa de pessoas - tivemos essa experiência com os profissionais de saúde, alguns não responderam às vacinas, continuará a ser transmissor do vírus".
A educação das pessoas tem de ser feita de acordo com a perigosidade e neste momento há que perceber que o mais importante "ainda é evitar o perigo".