Os ecos da crítica entusiasta, afinal, não eram exagerados: Back to Life é do melhor que se pode apanhar no pequeno ecrã por estes dias. E dizemo-lo sem qualquer hesitação. Uma série com episódios de meia hora que nos fazem passar do riso miudinho às lágrimas com uma intrigante habilidade de tom e uma protagonista que gostaríamos de ter como amiga - ainda mais quando vemos que há poucos rostos amigáveis no seu entorno, devido à nuvem escura que paira sobre ela. Miri (Daisy Haggard) passou 18 anos na prisão e tinha precisamente essa idade quando foi posta atrás das grades. Agora de regresso à casa dos pais, e à pequena cidade costeira inglesa onde vivia, não tem outro remédio senão voltar ao quarto da sua adolescência e, lá fora, tentar reintegrar-se na comunidade. Há quem lhe diga que é como andar de bicicleta, mas Miri vai precisar de rodinhas laterais para aguentar um simples passeio à beira da praia..De Prince a David Bowie, os ídolos musicais cujos posters tem pregados na parede do quarto já morreram todos. De dentro de uma caixa de sapatos sai um tamagotchi e um discman: a passagem do tempo está refletida nesses objetos obsoletos que congelaram a sua existência em determinado ponto. A mulher nos seus trintas não sabe muito bem como se apresentar ao mundo. Pede roupa emprestada à mãe e ensaia ao espelho um "Olá, sou a Miri" enquanto apara a franja com a tesoura, até cortar demasiado....Porque é que a mãe esconde as facas da cozinha? No primeiro episódio de seis (primeira temporada) não sabemos detalhes sobre o crime de Miri. Sabemos apenas que aquilo que ela fez chocou uma comunidade inteira, estilo "acontecimento do século", e não facilita a sua readaptação, a começar pelas entrevistas de emprego, que vão de insultos ao telefone a uma conversa tragicómica. Pelo correio chegam caixas com presentes envenenados e no muro do jardim da casa surgem umas expressões de ódio grafitadas. Mas, tirando este mal-estar geral, não há um único traço na presença de Miri que inspire uma atmosfera mórbida. Bem pelo contrário..Nesta série britânica que a Filmin nos faz chegar com o selo dos produtores de Fleabag, e coescrita pela própria Daisy Haggard com Laura Solon, nada desafina no registo entre a comédia e o drama, passando pelas notas de mistério. Não admira que tenha sido um fenómeno no Reino Unido. Back to Life é um exemplo da melhor escrita para televisão, com uma economia e eficácia impressionantes que nos movem do humor negro para emoções delicadas quase sem se dar por isso..Uma inteligência narrativa que se revela, desde logo, na dinâmica das personagens, em que todos os secundários contam: há o pai de Miri, defensor acérrimo das boas práticas ambientais, que anda distraído dos indícios de infidelidade da mulher, essa mãe que mantém uma estranha distância da filha enquanto tem um caso com o homem mais errado possível; há uma suposta melhor amiga que está a esconder alguma coisa, e uma figura comicamente sinistra armada em detetive, que diz estar a investigar "o que aconteceu naquela noite"; há a oficial de liberdade condicional que mais parece uma psicóloga sem vocação mas com um apetite voraz para biscoitos; e há Billy (Adeel Akhtar), o vizinho adorável e vacilante que cuida de uma tia com problemas mentais, e, sem saber que Miri é o famoso papão que assombra a cidade, se aproxima dela com a simpatia mais comovente. Uma simples cena em que os dois saboreiam gelados de cone pode fazer-nos deslizar para a pura comoção enquanto rimos da gentileza atrapalhada dele..Por sua vez, Miri é a antítese do perfil de "assassina psicopata", como lhe chamam volta e meia. O seu otimismo ligeiramente tocado de insegurança, nunca idiota ou neurótico (bengala de muitas séries), leva para a frente os episódios de uma maneira peculiar e, ao mesmo tempo, com naturalidade. "Eu sou uma pessoa normal", diz a certa altura, como se não fosse possível perceber isso a olho nu. E esta candura controlada da personagem - de apenas querer acordar todos dias com a perspetiva de uma jornada melhor - é o que torna Back to Life uma preciosidade tão empática, sem escorregar um milímetro para o tom excessivo, seja no que for..O segredo está na capacidade de se trabalhar um equilíbrio absoluto, sem tocar os extremos: nenhuma personagem sai fora da sua escala, e nem a aura obscura do passado se sobrepõe ao espírito positivo da (anti-)heroína. Há um mistério por resolver, o fantasma do não-dito, mas nada é mais importante do que a textura realista que parte de Miri e passa por todos os outros. Ficamos presos até ao osso no ritmo justo dos episódios, nos encontros e pequenos gestos, nas mentiras piedosas e feias que gerem a história, e nas verdades que explodem só o suficiente para depois sarar feridas abertas. É a tempestadezinha perfeita para nos pôr as emoções no lugar e ajudar ao regresso a uma espécie de normalidade. No fundo, crimes à parte, estamos todos a reaprender a andar de bicicleta (sem rodinhas)..Já dissemos que Back to Life é muito bom? Vale sempre a pena relembrar. A segunda temporada deverá chegar ainda este ano.