Quando vemos a desenvoltura "muito inglesa" do líder do Partido Liberal Jeremy Thorpe, na série A Very English Scandal (disponível na HBO), estamos a assistir a um espetáculo de alta qualidade chamado Hugh Grant. O ator, londrino de gema, que hoje celebra 60 anos, parece que já os tinha marcados na pele dessa personagem de gabarito..Entenda-se: não é pelo penteado e pelas rugas pronunciadas, antes pela subtileza e o requintado humor negro da sua expressão. A mesma que deixa a milhas a imagem do jovem que gaguejava perante a beleza de Andie MacDowell ou de Julia Roberts, dando lugar a um homem maduro pouco atreito a romantismos, mas com um pragmático charme inglês refletido na postura. Traços da sua formação literária em Oxford? Muito provavelmente..Caso para dizer que este Hugh Grant sexagenário não se confunde com a inocência cómica das personagens de Quatro Casamentos e Um Funeral ou Notting Hill. A mudança de estilo começou a sentir-se em 2016, no filme Florence, Uma Diva Fora de Tom, de Stephen Frears, no qual ele interpreta com justíssima elegância britânica o marido da socialite Florence Foster Jenkins, conseguindo não ficar atrás da protagonista, o "monstro" Meryl Streep..Seguiram-se as aventuras de um vilão genial em Paddington 2 (2017), de Paul King, e os três episódios do referido A Very English Scandal, de novo assinados por Frears, realizador que despertou definitivamente a faceta pouco simpática, mas irresistível, do maturado Grant..YouTubeyoutubeggDTJc470Co.Se dúvidas houver, ponha-se os olhos na última amostra de ação em The Gentlemen: Senhores do Crime, de Guy Ritchie, ou, dentro de um registo mais pesado, na série The Undoing, que chega em outubro à HBO, com Nicole Kidman no centro de um mistério - Grant faz de marido dela. E marido é coisa que não experimentara ser, na vida real, até aos 57 anos. Deu finalmente o nó com a sueca Anna Eberstein, atual companheira de quem tem três filhos, deixando para trás uma atribulada vida amorosa que desde sempre fez as delícias dos tabloides. Primeiro foi a relação de longa data com a atriz Elizabeth Hurley, depois Jemima Khan e, por fim, a chinesa Tinglan Hong, de quem tem outros dois filhos. Pelo meio, o escândalo que o atingiu em 1995, quando foi apanhado dentro de um carro com uma prostituta, Divine Brown (na altura namorava com Hurley), não causou danos de maior na carreira, mas sim uma enorme aversão de Grant aos paparazzi, que considera a pior espécie de profissão e contra as práticas abusivas da qual se tem batido ao longo dos anos..Olhando para o percurso do ator inglês, o mínimo que se pode dizer é que o refinamento agora (re)encontrado já se vislumbrava nos primeiros filmes, mais precisamente aqueles em que foi dirigido por James Ivory. Desde logo, o título que o lançou, Maurice (1987), adaptação do romance de E.M. Forster, em que veste a pele de um jovem em conflito com a sua homossexualidade, e, mais tarde, Despojos do Dia (1993), adaptado do Nobel Kazuo Ishiguro, com um pequeno papel mas tendo por sua conta uma das cenas mais vigorosas do filme, em que procura abrir os olhos ao mordomo Anthony Hopkins sobre a nuvem negra nazi que paira sobre a casa do seu senhor... Este é o Hugh Grant que conhece e se move bem nos cenários da alta sociedade..Antes ainda de ganhar fama como improvável galã de comédias românticas, parece ter ensaiado a timidez em Lua-de-Mel, Lua de Fel (1992), de Roman Polanski, mas foi Quatro Casamentos e Um Funeral (1994) que o colocou na mira do grande público e lhe pôs um Globo de Ouro nas mãos. Até à data, proeza única..Quanto à celebridade, títulos como Notting Hill (1999), O Diário de Bridget Jones (2001) e o Amor Acontece (2003) são os outros responsáveis pela etiqueta "romântica" que se colou à imagem de Grant, e com a qual, à medida que o tempo foi passando, deixou de lidar bem. Não se trata de renegar essa fase da carreira, mas do desejo de se libertar de um cliché saudável que só agora começa a ficar ao longe perante o perfil apurado das recentes performances, de resto, muito pouco românticas. Estará Hugh Grant a caminho de se tornar a crème de la crème da sua geração de atores? Aos 60 anos, dir-se-ia que está quase no ponto.