Htin Kyaw: o homem que a Nobel Suu Kyi escolheu para ser presidente no seu lugar
Vai ficar para a história como o primeiro presidente civil da Birmânia desde 1962. Mas, acima de tudo, Htin Kyaw era já conhecido por ser um amigo próximo e confidente de Aung San Suu Kyi, a líder da Liga Nacional para a Democracia, vencedora das eleições de novembro, mas impedida pela Constituição de se tornar chefe de Estado porque os seus dois filhos têm nacionalidade estrangeira.
"Vitória! Esta é a vitória da nossa irmã Aung San Suu Kyi. Obrigado", declarou o economista, de 69 anos, depois de ter sido eleito com os votos de 360 dos 652 deputados do Parlamento birmanês. Kyaw bateu Henry Van Thio - também da LND, proposto pela câmara alta - e o tenente-general Mying Swe, indicado pelas Forças Armadas, que tiveram 79 e 213 votos, respetivamente. Ambos vão ser nomeados vice--presidentes.
Oficialmente cabe a Htin Kyaw escolher o governo que entrará em funções no próximo dia 1 - à exceção dos ministros do Interior, Defesa e Segurança Fronteiriça, que são nomeados pelos militares -, mas na prática esse papel será levado a cabo por Aung San Suu Kyi, que já garantiu que irá dirigir o novo executivo, apesar de não ter especificado se fará parte dele ou continuará como deputada.
Já se sabe que o novo governo vai ser reduzido para quase metade do tamanho habitual - vai ter 21 ministérios e 18 ministros e que Suu Kyi ficará com a pasta dos Negócios Estrangeiros.
"Ao escolher Htin Kyaw, a senhora Suu pode manter a sua promessa de estar "acima do presidente"", explicou à Bloomberg Yan Myo Thein, um analista político birmanês. "Htin Kyaw não é corrupto, é educado e da confiança da senhora Suu. A maior parte dos membros seniores da LND, incluindo Htin Kyaw, seguirão a sua liderança."
Nascido a 20 de julho de 1946, Htin Kyaw é filho do famoso poeta e académico birmanês Min Thu Wun, conhecido por ser um dos fundadores do movimento literário new age Khit-San e com uma curta carreira como deputado, nos anos 90, pela LND. A sua ligação ao partido passa também pela mulher, Suu Suu Lwin, deputada e filha de U Lwin, antigo ministro das Finanças e um dos fundadores da Liga Nacional para a Democracia.
Ao contrário do pai, o novo presidente da Birmânia nunca foi eleito deputado, mas não é um estreante nos meandros políticos, que foi intercalando com uma carreira académica. Depois de se licenciar em Economia pela Universidade de Rangum em 1968, começou a dar aulas quando tirava o mestrado. Os seus colegas da universidade recordam-no como um estudante inteligente e que adorava desporto, tendo praticado polo aquático. Graças a uma bolsa passou ainda pela Universidade de Londres (1971-72) e pela Asia Electronics Union em Tóquio (1974), sempre na área da informática.
No ano seguinte, e já de regresso a casa, tornou-se chefe adjunto de divisão no Ministério da Indústria. Em 1980, Kyaw foi nomeado diretor adjunto do Departamento de Relações Económicas Internacionais do Ministério do Planeamento e Tesouro. Demitiu-se do serviço público 12 anos depois, aparentemente pelas ligações da sua família à oposição, mas pelo meio já havia feito uma pausa para tirar um curso na Escola de Gestão Arthur D. Little, nos Estados Unidos.
Coração da tradição liberal
Foi precisamente nos anos 90 que o novo presidente se tornou um membro de confiança do círculo de Aung San Suu Kyi, de quem foi colega de liceu. Esta nova proximidade levou a que fosse preso a 22 de setembro de 2000, tendo passado quatro meses encarcerado, por entrar em confronto com um funcionário ferroviário ao ajudar a Nobel a viajar para fora de Rangum.
A confiança depositada por Suu Kyi em Kyaw foi consolidada há quatro anos, quando foi nomeado diretor da Fundação Daw Khin Kyi, uma instituição de caridade criada pela líder da LND e que tem o nome da sua mãe.
"Htin Kyaw é um homem muito calmo, muito sossegado e que adora literatura", declarou à agência de notícias AP Zaw Min, que conhece o agora presidente da Birmânia há mais de 20 anos e que, em 2009, publicou em livro uma compilação de artigos escritos por Kyaw sobre o seu pai intitulado A Vida do Meu Pai. "Ele fala firme e suavemente. Ele é uma pessoa muito bondosa, muito honesta, calma e apaixonada. E vive de uma forma muito simples", acrescentou o mesmo amigo.
Já Thant Myint-U, historiador e neto do antigo secretário-geral das Nações Unidas U Thant, elogiou a escolha feita por Suu Kyi e disse ao jornal britânico 'The Guardian' que o novo chefe do Estado é "oriundo de uma família que tem sido o coração da tradição liberal da Birmânia há quase um século".