Duas semanas depois de ter invadido a Ucrânia, a Rússia continua a avançar no terreno mas está longe de poder declarar a vitória. Na véspera de negociações entre os chefes da diplomacia de ambos os países, hoje na Turquia, as forças russas prosseguiram o seu avanço para Kiev. Segundo a AFP, estarão a aproximar-se de Brovary, um subúrbio a leste da capital, após avanços em Bucha e Irpin, a oeste. No sul da Ucrânia, os russos bombardearam um hospital pediátrico e maternidade em Mariupol, numa altura em que deveria estar de pé um cessar-fogo para permitir a retirada dos civis da cidade portuária..Num vídeo publicado ontem no Facebook, o chefe da diplomacia ucraniana, Dmytro Kuleba, disse estar preparado para o encontro com o homólogo russo, Sergei Lavrov, mas que as suas expectativas para o encontro eram "limitadas". Kuleba explicou que o sucesso das negociações depende "das instruções e diretivas que Lavrov tiver" do Kremlin. "Não estou a depositar grandes esperanças, mas vamos tentar e procurar retirar o máximo" das negociações, acrescentou..Lavrov chegou ontem ao final do dia a Antália, no sul da Turquia, onde vai decorrer o encontro, mediado pelo chefe da diplomacia turco, Mevlut Cavusoglu. Moscovo tem exigido nas negociações o reconhecimento da soberania sobre a Crimeia, a independência das regiões separatistas de Lugansk e Donetsk e a neutralidade de Kiev. Representantes de Kiev e de Moscovo já estiveram reunidos em três ocasiões, na Bielorrússia, tendo havido apenas acordo sobre corredores humanitários - que não estão, contudo, a funcionar a 100%..O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, disse que Ancara está "a trabalhar para impedir que esta crise se transforme numa tragédia", esperando que o encontro entre Kuleba e Lavrov "abra caminho para um cessar-fogo permanente"..Na guerra para mediar a paz, a Turquia marca assim os primeiros pontos. Membros da NATO, os turcos têm sido aliados da Ucrânia, fornecendo drones militares (os Bayraktar) que já foram usados para travar os avanços russos - e já têm uma música em sua homenagem. O diretor de tecnologia da empresa privada que fabrica os drones é genro de Erdogan e o acordo para o seu fornecimento a Kiev não agradou à Rússia - ainda hoje Ancara diz que não se trata de apoio militar aos ucranianos, mas de um contrato comercial..Apesar dos drones, a Turquia mantém contudo boas relações com a Rússia, da qual depende em setores como o da energia (nas importações de gás) e do turismo - a própria Antália onde decorre hoje o encontro é uma região balnear muito frequentada pelos russos. Os turcos condenaram a invasão da Ucrânia, mas não se juntaram às sanções internacionais que têm sido adotadas. Ancara limitou contudo a passagem no estreito do Bósforo aos navios militares russos, autorizando só a passagem aos que estão registados como tendo a sua base no mar Negro..As tropas russas continuam a ter como alvo as principais cidades ucranianas, com vários corredores humanitários a serem criados para permitir a retirada de civis. O negociador ucraniano David Arakhamia anunciou no Facebook terem conseguido retirar, num só dia, mais de 40 mil mulheres e crianças de todos os cantos da Ucrânia. "Tentei 100 mil, mas não consegui", escreveu, dizendo que as zonas mais problemáticas são em Mariupol, Kharkiv e Kiev..Nas redes sociais, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, denunciou o bombardeamento de um hospital pediátrico e maternidade em Mariupol, alegando que "crianças" estavam sob os escombros. Na mensagem divulgava um vídeo onde se via a destruição. Apesar das previsões trágicas, um responsável local deu conta de apenas 17 funcionários feridos. "Atrocidade! Durante quanto tempo irá o mundo ser cúmplice ao ignorar o terror? Fechem os céus agora! Têm o poder mas parecem estar a perder a humanidade", tinha escrito Zelensky no Twitter, na mensagem em que alegava que havia crianças nos escombros. Já o chefe da diplomacia reiterou que "pelo bem da humanidade, deem-nos aviões, agora! Estão a ser perdidas vidas enquanto isto está a ser considerado, uma e outra vez"..Twittertwitter1501579520633102349.A possibilidade de os ucranianos receberem os aviões de combate MIG-29 da Polónia parece ter caído por terra, depois de Varsóvia dizer que estava "preparada" para os entregar na base aérea norte-americana de Ramstein, na Alemanha. A ideia seria os polacos receberem depois, em troca, caças F-16 dos EUA. Washington foi apanhada de surpresa com o anúncio, recusando essa proposta que, avisou Moscovo, criaria um "cenário potencialmente perigoso"..Os russos estarão entretanto a concentrar os seus esforços na capital Kiev, com o Instituto para o Estudo da Guerra, de Washington, a alegar que parecem estar a preparar-se para um ataque antes do final da semana. De acordo com as autoridades britânicas, Moscovo já terá confirmado o uso de armas termobáricas - que usam o oxigénio em seu redor para gerar uma explosão de alta temperatura. Já os EUA alegam que os russos estão a também a lançar bombas sem sistema de navegação, ou seja, bombas sem alvos concretos..O porta-voz do Ministério da Defesa russo, Igor Konashenkov, admitiu ontem que alguns recrutas tinham sido capturados pelas forças ucranianas. Na prática admitiu que eles estão a combater na Ucrânia, dois dias depois de Putin ter dito que não enviaria recrutas nem reservistas para participar na "operação militar especial" e que os soldados profissionais estavam a cumprir os objetivos previstos.."Infelizmente, vários casos da presença de recrutas nas unidades das forças armadas russas que participam da operação militar especial no território da Ucrânia foram confirmados", disse, explicando que quase todos já tinham sido retirados para território russo, mas admitindo que alguns foram capturados pelas forças ucranianas..O porta-voz de Putin, Dmitry Peskov, explicou depois que, antes de ordenar o ataque, o presidente russo teria pedido aos seus comandantes que "excluíssem categoricamente" os recrutas das operações. Peskov disse ainda que os oficiais que ignoraram essa ordem serão "punidos"..susana.f.salvador@dn.pt