Meses de trabalho. Foi preciso semear, aplicar os compostos orgânicos, regar, controlar a experiência a par e passo. E depois analisar os resultados e publicá-los. A ideia era perceber como se comportariam, numa pequena horta urbana e usando apenas compostos naturais como fertilizantes, duas variedades de milho diferentes - uma híbrida comercial, que é a mais utilizada em Portugal, e outra tradicional, chamada pata-de-porco multicolorido, que é usada há gerações por agricultores da região de Sintra. Agora aí estão os resultados, com uma série de novidades, uma delas até surpreendente para os próprios investigadores. Esta: os valores nutricionais das maçarocas da espécie saloia superaram os da variedade comercial. E essa não é a sua única vantagem..Coordenado por investigadores do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (CE3C) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), o trabalho acaba de ser publicado no Journal of Cleaner Production, e abre novas perspetivas sobre o papel que as hortas urbanas podem desempenhar na alimentação da população que vive nas cidades, dando-lhe, para isso, uma base científica como diz Florian Ulm, o investigador principal do estudo.."Mostramos que é possível produzir uma quantidade razoável de alimentos no pequeno espaço de uma horta urbana", e, com isso, "começamos a dar uma base científica a esta prática para a produção alimentar, que está em expansão em muitas cidades, e que, no futuro, com a grande maioria da população a viver em grandes centros urbanos, também pode ser uma alternativa importante. O certo é que "este é o primeiro estudo científico sobre agricultura urbana realizado no Permalab", o laboratório vivo de permacultura da FCUL - um espaço de mil metros quadrados no campus -, conta Florian Ulm..Tudo começou com acácias.Tudo começou por causa das acácias, árvores que em Portugal são invasoras, porque facilmente ganham terreno às plantas nativas, causando prejuízos aos agricultores, sobretudo no sul do país - de tempos a tempos, estes são obrigados a limpar os terrenos de acácias, que estão sempre a regressar. Florian Ulm, que está a fazer doutoramento sobre esta espécie, lembrou-se de que os restos que ficam depois abandonados nos campos poderiam ser usados como composto na agricultura.."Se toda aquela biomassa pudesse ter utilidade, seriam só vantagens, porque isso ajudaria a diminuir a sua pressão sobre o ecossistema", explica este jovem investigador de nacionalidade alemã, que há oito anos chegou a Portugal para fazer Erasmus e que, passado um mês, "já sabia que era aqui que queria viver", como ele próprio conta..O Permalab na FCUL, onde colabora com o CE3C, era o local certo para testar aquela hipótese, e a experiência foi para o terreno. "Utilizámos as duas variedades de milho, a híbrida e a tradicional, e testámos dois tipos de compostos orgânicos - um à base da biomassa de acácia e um composto orgânico comum.".Urbana, sustentável e parte da solução alimentar.A experiência mostrou várias coisas novas, mas há uma conclusão de base que se destaca: a de que é possível produzir milho nas cidades, utilizando adubos exclusivamente orgânicos e um espaço surpreendentemente diminuto. "Numa área muito pequena, de 22 metros quadrados, é possível produzir em três meses a quantidade deste cereal que um português médio consome anualmente, e que, segundo a FAO, corresponde a 48 gramas diários [cerca de 18 quilos num ano]", adianta o investigador..A resposta à pergunta de partida, acerca da viabilidade e eficácia de um composto à base de acácia, foi igualmente positiva - "usámos uma mistura de preparado de acácia com desperdício alimentar e conseguimos resultados positivos", confirma Florian Ulm. Mas os dados mais importantes - e a melhor surpresa - acabaram por ser os da produtividade e os do rendimento nutricional das duas variedades de milho testadas.."Estávamos à espera de que a variedade tradicional crescesse menos, mas isso não aconteceu. As duas desenvolveram-se bastante bem", diz o investigador. O mais importante, porém, é que, em todas as situações - sem composto adicionado, e com cada um deles -, a variedade tradicional incorporou sempre maior valor nutricional e também uma menor taxa de metais pesados, "muito abaixo dos limites na União Europeia", o que é um dado essencial, já que esta é uma produção feita em horta urbana, no coração de uma cidade em que o trânsito automóvel domina..Estas vantagens do milho pata-de-porco multicolorido, que foram "uma boa surpresa" para os investigadores, juntam-se a uma outra que esta variedade já tem à partida, em relação ao milho híbrido. Ao contrário do que acontece com este, que é estéril, e por isso as sementes têm de ser compradas todos os anos pelos agricultores às empresas que o comercializam, as sementes da variedade tradicional podem ser semeadas de novo, dando autonomia aos agricultores.."O milho híbrido é muito utilizado porque permite produções elevadas, no entanto, os nossos resultados mostram que é possível obter maiores valores nutricionais com esta espécie tradicional", garante Florian Ulm..Num mundo em mudança, com a sombra das alterações climáticas no horizonte, a população mundial em crescimento exponencial e os riscos ambientais e de sustentabilidade a avolumarem-se perigosamente, estes resultados mostram, como diz Florian Ulm, que a solução para os crescentes problemas da alimentação no mundo também passa por aqui, pela horta urbana, e esta agricultura de pequena dimensão, feita de forma sustentável.