Após quase seis meses de protestos, o movimento pró-democracia teve uma vitória arrasadora nas eleições locais em Hong Kong e mostrou um cartão vermelho à líder do governo, Carrie Lam. No passado, Pequim usou o poder do dinheiro para lidar com desaires eleitorais em Taiwan, que considera uma província rebelde que um dia há de regressar ao controlo da China continental. Mas a mesma tática poderá ser impossível de repetir no antigo território britânico..As eleições em Hong Kong eram vistas como um teste após meses de protestos e violência, sendo que tanto o executivo como Pequim esperavam que a "maioria silenciosa" saísse em apoio do governo, mostrando que os manifestantes são apenas um pequeno grupo de extremistas. Mas tal não se concretizou nas urnas, no primeiro fim de semana livre de protestos desde agosto. Pelo contrário: o movimento pró-democracia terá ganho 17 dos 18 conselhos distritais, num revés para Lam..A resposta de Pequim poderá decidir o futuro..Em Taiwan, as autoridades chinesas reagiram a desaires eleitorais com mão firme. Em 2016, Tsai Ing-wen, do Partido Democrático Progressista (que se opõe à ideia de uma só China, contra a ideia da independência de Taiwan), venceu as eleições presidenciais..Pequim optou por apertar os cordões às bolsas taiwanesas, usando o seu poder económico para isolar a ilha a nível internacional (já só 15 países reconhecem Taiwan, menos seis desde a eleição de Tsai), assim como travar a entrada de turistas chineses no território (a perda terá sido em redor de dois milhões por ano) e tentar atrair os empresários para a sua esfera de ação. Ao mesmo tempo intensificou manobras militares em redor da ilha e fez uma aposta nos media..O resultado foi que nas eleições locais do ano passado, centradas mais no ganha-pão dos taiwaneses do que em ideologias políticas, o Kuomintang (que defende uma maior aproximação à China continental e que estava no poder antes de Tsai) teve uma estrondosa vitória. Ganhou em 15 concelhos locais (num total de 22), subindo dos seis que tinha até então. Por seu lado, o partido de Tsai caiu de 13 para seis..O Kuomintang esperava repetir o sucesso nas presidenciais de janeiro. Mas os eventos em Hong Kong trocaram as contas em Taiwan, com a violência no antigo território britânico e a forma como Pequim não aceita as exigências dos manifestantes a servirem de alerta aos taiwaneses. O receio é que possam eventualmente perder as liberdades que têm conquistado ao longo do tempo..A ilha de Taiwan (ou Formosa, como foi batizada pelos navegadores portugueses) esteve pela primeira vez sob controlo chinês após uma vaga de migração no século XVII, tendo sido cedida aos japoneses após a guerra de 1895. No final da Segunda Guerra Mundial, a então República da China assumiu o controlo da ilha, que se tornaria o refúgio do presidente Chiang Kai-shek e restantes nacionalistas do Kuomintang, derrotados em 1949 pelos comunistas de Mao Tsé-tung. Cerca de dois milhões de militares e altos quadros, mais as famílias, instalaram-se então na ilha..A República da China nunca renunciou à sua reivindicação de ser o único governo legítimo de toda a China, mas a nível internacional acabaria substituída pela comunista República Popular da China como verdadeira representante do povo chinês (em 1971 nas Nações Unidas). Em 1979, os EUA reconheceram formalmente a República Popular da China, apesar de se comprometerem a defender Taiwan de uma reunificação pela força (o que ainda hoje é válido, com o presidente norte-americano, Donald Trump, a trabalhar para expandir as relações com a ilha)..Reação às eleições em Hong Kong."Isto é histórico. Os primeiros dados sugerem uma vitória esmagadora para o campo da oposição. Os habitantes de Hong Kong falaram, alto e bom som. A comunidade internacional tem de reconhecer que, quase seis meses depois, a opinião pública NÃO se voltou contra o movimento", escreveu no Twitter Joshua Wong, ativista estudantil que esteve preso por causa do Movimento dos Guarda-Chuvas de 2014 em Hong Kong e que agora foi impedido de se candidatar..A primeira reação da líder do governo de Hong Kong, Carrie Lam, foi dizer que o executivo "respeita o resultado eleitoral". Além disso acrescentou que o governo "vai ouvir as opiniões dos membros do público humildemente e refletir seriamente"..Do lado de Pequim, a resposta foi cautelosa. "Não importa o que acontece, Hong Kong é uma parte da China e uma região administrativa especial da China", disse o chefe da diplomacia Wang Yi, após um encontro com o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe. "Qualquer tentativa de perturbar Hong Kong ou até danificar a sua prosperidade e estabilidade não terá sucesso", acrescentou..Os manifestantes, com novo fôlego depois do sucesso nas eleições, vão querer que Lam e Pequim cumpram as suas cinco exigências: a retirada da lei da extradição que desencadeou as manifestações (a única exigência que já foi cumprida); o lançamento de um inquérito independente à atuação da polícia; recuar na designação dos protestos de 12 de junho como "motins"; amnistia para todos os manifestantes que foram presos; e a introdução do sufrágio universal para eleger tanto o Conselho Legislativo como o líder de Hong Kong..Em 2014 a recusa de Pequim em autorizar eleições verdadeiramente livres para a liderança do governo de Hong Kong desencadeou o Movimento dos Guarda-Chuvas. Nada indica que farão de forma diferente agora, sabendo que em última instância os eleitores querem uma verdadeira democracia e isso é algo que nunca lhes vão dar, apesar de muitos alegarem que isso ficou prometido durante a transição da soberania britânica para a chinesa, em 1997..A aposta de Pequim tem sido acusar os países estrangeiros de estarem a intrometer-se na política chinesa (nomeadamente os EUA). No terreno, podem escolher ignorar os resultados das eleições ou limitar ainda mais os poderes dos conselhos distritais agora dominados pelos movimentos pró-democracia. Um alvo mais fácil poderá ser a própria Lam, rosto do descontentamento popular..Os conselhos distritais não têm muito poder, pelo que normalmente estas eleições eram ignoradas pelos eleitores. Em 2015 votaram apenas 47% dos eleitores (1,47 milhões de pessoas). Mas, desta vez, estava em causa mostrar o descontentamento com Carrie Lam e a participação cifrou-se em mais de 71%, sendo que houve também um recorde de 4,1 milhões de inscritos para votar. Votaram 2,94 milhões de pessoas..Apesar de não terem muito poder, fora a gestão local de rotas de autocarro ou de recolha de lixo, os conselheiros distritais sentam-se no comité de 1200 membros que vai eleger o próximo líder do governo. Os eleitores de Hong Kong elegem dois ou três candidatos propostos pelo comité. E, nestas eleições, o movimento pró-democracia elegeu 117 novos conselheiros - muitos são jovens que se candidatam pela primeira vez e derrotaram experientes políticos que apoiaram o governo.