Aos 39 anos, Pedro Henriques matou a sogra, a filha de dois anos e meio e, depois, suicidou-se. O crime ocorreu na Amora, no Seixal, e chocou a sociedade portuguesa, no início do mês de fevereiro de 2019. Era o décimo caso de violência doméstica desde o início do ano. Psicólogos forenses e psiquiatras traçaram-lhe de imediato o perfil psicológico, tal foi o "ato grave" e "dramático" que protagonizou.."Um homem marcado por pensamento paranoico", com uma "dor mental medonha" e "mente muito perturbada." Mas o que terá feito com que este homem mudasse o seu comportamento, já que antes se manifestava estável? Terá dado sinais de alguma patologia psiquiátrica que até então não tinha sido diagnosticada? Estaria a viver um processo de depressão profunda e ninguém se apercebeu? Tudo questões que muitos pensariam que, agora, já não teriam resposta, mas há especialistas que defendem que uma autópsia psicológica poderia ajudar a construir o puzzle da vida deste homem, que vivia "em guerra aberta" com a ex-mulher, Sandra Cabrita, na disputa pela guarda da filha, com os próprios pais, que iriam a tribunal testemunhar a favor da nora, e com ele próprio..O psicólogo forense Carlos Poiares foi o primeiro a defender ao DN que este método de autópsia, ainda pouco utilizado em Portugal, se justificaria numa situação como esta. O ex-presidente do Instituto de Medicina Legal, Duarte Nuno Vieira, concorda: "Nos casos mais marcantes, particularmente graves e dramáticos para a sociedade, não se perderia nada em usar este método, pelo contrário, só haveria ganhos. Ou seja, haveria ganhos se fosse possível estudar este caso de forma mais aprofundada para se perceber melhor o que terá levado a estas mortes e ao suicídio deste indivíduo. É um caso incomum e poderia servir para se atuar no futuro em situações similares.".No entanto, se a sua posição é esta em relação ao caso do Seixal, o mesmo não acontece quando se coloca a questão de este método poder ser usado mais regularmente. Neste aspeto, o ex-diretor do Instituto de Medicina Legal não tem dúvidas ao defender: "É um método que só deve ser usado de forma complementar à autópsia de rotina." Até porque, "é moroso e caro", argumenta.."Para ser bem feito deve reunir uma equipa multidisciplinar, com técnicos de medicina legal, psicólogos, psiquiatras, criminólogos, etc. Portanto, há que ter sempre presente uma relação custo-benefício antes de se avançar para uma situação destas, porque o Estado não tem condições económicas suficientes e, portanto, há que estabelecer prioridades. E o uso deste método de forma generalizada não é uma prioridade.".O que é uma autópsia psicológica?.A autópsia psicológica é um método de investigação que surge nos anos de 1970 nos Estados Unidos, em Los Angeles, através de um médico legista. É a partir daqui que se criam regras e métodos para se fazer uma avaliação psicológica a quem morre. É usado em países da Europa, Espanha é um deles, a Suíça também. No resto do mundo, o Brasil tem investido em muita literatura sobre o assunto, mas Duarte Nuno Vieira confessa: "Não conheço um único país do mundo que tenha adotado este método como rotina.".Segundo explicou ao DN, há muito, desde o século XIX, que é usado como avaliação post mortem, "apenas não tinha uma designação tão científica nem regras específicas de metodologia."."Começou nos Estados Unidos da América, em Los Angeles, e foi-se espalhando um pouco por todo o lado, mas apenas para situações pontuais", justifica. A autópsia psicológica "não é mais do que a reconstrução do perfil psicológico de uma pessoa que morreu. Uma reconstrução que é feita através de entrevistas à família, aos colegas de trabalho, aos vizinhos, e visitas a vários locais, como de trabalho, domicílio e outros para se conseguir recuperar todos os antecedentes prévios à morte dessa pessoa.".Sublinha que pode ser "um contributo relevante quando está em causa a suspeita de morte acidental ou suicida, pois permite um melhor conhecimento das causas que estiveram na génese de um suicídio, possibilitando depois melhor intervenção terapêutica em situações futuras similares", acrescentando que se trata de "um método que tem vantagens inegáveis.".Aliás, argumenta: "Não lhe vou dizer que não seria positivo que todos os casos de suicídio fossem estudados com esta componente, porque permitiria conhecer a fundo o que esteve na base deste ato, mas tendo em conta que vivemos num país com limitações económicas a prioridade deve ir para as autópsias que tenham interesse judicial. E, num caso de suicídio ou como o do Seixal, a justiça já está esclarecida.".Por isso, o especialista em matéria forense insiste que "este método só deve ser usado como um método complementar, como um passo à frente da autópsia de rotina, que deve começar no local em que o corpo é encontrado ou onde o crime é cometido e depois de todos os exames ao cadáver". Porque, explica, "a investigação que hoje é feita pelas autoridades policiais e judiciais já recolhe muita da informação necessária para se traçar os antecedentes da vida da pessoa que se está a autopsiar"..Em Portugal este método só é usado quando um técnico legista considera ser necessário obter mais informação do que a que existe disponível para determinar a causa de morte de uma pessoa. Normalmente, só se avança para esta situação de autópsia psicológica em situações de dúvida de mortes acidentais ou de suicídio ou de heranças. "Sempre que o Ministério Público coloca em causa se a pessoa que morreu estaria em perfeitas condições cognitivas no momento em que tomou a decisão de fazer um testamento", explica.."Participei em vários casos de pessoas que já não estariam em condições e que depois de morrerem aparecem testamentos que deixam a herança só a um dos herdeiros, a uma empregada, a uma instituição, etc.", conta Duarte Nuno..Para os psicólogos forenses a autópsia psicológica é fundamental em vários casos, nomeadamente em casos de violência, como o do Seixal. E, nestes, "é preciso traçar o perfil psicológico do agressor. É preciso torná-lo um casestudy, até para se saber se, de facto, as autoridades não atuaram atempadamente. "É preciso saber mais para não se cometerem os mesmos erros", defendeu ao DN Carlos Poiares..Em Portugal, as autópsias são feitas de acordo com as regras de medicina legal europeias e do Protocolo Internacional do Minnesota, que define o exercício da medicina legal.