Homenagem a Sassoli: "Vamos continuar o teu trabalho"
O ex-primeiro-ministro italiano e antigo eurodeputado Enrico Letta, amigo pessoal de David Sassoli, fez um emotivo discurso em que destacou "o sorriso, os olhos e as palavras" do presidente do Parlamento Europeu, que morreu na semana passada. E tudo aquilo que defendia, como o facto de a "democracia não poder ser tomada por certa" e haver necessidade de se lutar por ela, se defender. "Vamos continuar o teu trabalho. As tuas lutas vão continuar a ser as nossas lutas. Nunca te vamos esquecer. Adeus David", disse.
Uma homenagem a Sassoli marcou o início dos trabalhos desta semana no Parlamento Europeu em Estrasburgo. Amanhã, como já estava previsto ainda antes da sua morte, será eleito o sucessor ou sucessora à frente dos trabalhos do hemiciclo. Mas hoje foi dia de homenagem.
"O sorriso era um presente especial", lembrou Letta, falando numa imagem que traduzia "a sua força e a sua serenidade". E acrescentou: "O seu sorriso era um dom inato, mas o seu sorriso era antes de tudo um estado de espírito. Era um sorriso de boas-vindas. Era o sorriso da compreensão. Era o sorriso da gentileza e da coerência".
Em relação aos olhos, mencionou o olhar dos outros. "O David tinha esse grande dom de olhar mais além. Ele sabia não ficar pelas aparências e sabia ir até à substância".
Quanto às palavras, Letta lembrou que Sassoli "consagrou toda a sua vida a dar voz aos que não tinham voz". Dar "esperança aos que não a tinham", referiu.
Considerou que as cerimónias fúnebres em Itália foram "um hino à Europa".
Lembrou ainda o facto de Sassoli ter mantido abertas as portas do Parlamento Europeu numa altura de pandemia. "Imaginem qual teria sido a resposta europeia à pandemia se o Parlamento tivesse continuado em lockdown. Teria sido muito diferente, tenho a certeza", afirmou.
Também uma palavra para os migrantes. "Tal como manteve abertas as portas deste Parlamento, o David tinha como objetivo abrir as portas para os cidadãos em todo o continente", defendendo uma maior participação política de todos. "A verdade é que, tl como ele costumava repetir, é que 'nós não temos medo dos migrantes, mas temos medo da pobreza'. A Europa não pode ser uma fortaleza", referiu o ex-primeiro-ministro italiano.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, teve que cancelar a presença no hemiciclo em Estrasburgo, depois de um contacto com alguém que testou positivo à covid-19. Mas através do Twitter deixou a sua homenagem e partilhou o discurso que tinha previsto pronunciar.
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Com rosas brancas espalhadas pelo hemiciclo e um retrato de Sassoli, a homenagem contou ainda com um discurso do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e do presidente francês, Emmanuel Macron (que este semestre tem a presidência europeia), além dos líderes dos diferentes grupos parlamentares.
Macron disse lembrar com emoção Sassoli, destacando também o seu sorriso e o seu "percurso político exemplar". O presidente francês usou a homenagem também para reiterar a necessidade de proteger a democracia face à ameaça do autoritarismo, destacando valores como o estado de Direito. E lembrou o italiano como alguém com "o rosto de um europeu de boa vontade".
A presidente do grupo parlamentar dos Socialistas e Democratas, Iratxe García Perez, não conteve as lágrimas no seu discurso. O ex-presidente da Comissão Europeia Jacques "Delors dizia que à Europa faltava alma. David era essa alma", afirmou. Outros grupos parlamentares, mesmo de posições opostas às de Sassoli, destacaram a sua capacidade de diálogo e respeito pela democracia.
Roberta Metsola, presidente interina do Parlamento Europeu, que liderou a cerimónia, lembrou em italiano o "momento particularmente difícil e complicado" que Sassoli liderou nos últimos dois anos, com a pandemia de covid-19. E que todos perderam um amigo, deixando uma palavra também para a mulher e os dois filhos, presentes no hemiciclo, com rosas brancas em alguns dos microfones dos deputados.
Num pequeno vídeo, lembrou-se alguns dos melhores momentos ao som do primeiro discurso após ser eleito presidente do Parlamento: "A União Europeia não é um incidente da história", disse então em 2019, falando da necessidade de ambição de todos.
Houve ainda momentos musicais, com a violoncelista Anne Gastine a interpretar duas suite para violoncelo de Bach e a cerimónia a terminar com o hino europeu, a Ode à Alegria, de Beethoven.
susana.f.salvador@dn.pt