Homenagear a água a torcer por vários bairros da cidade
"Santo António, Alfama é padroeiro." É com a traquinice própria da tenra idade que um dos marchantes do conjunto d"A Voz do Operário, no bairro de São Vicente, foge à norma imposta pela realidade e pelo ensaiador de que a intenção é relembrar o santo casamenteiro de que o padroeiro de Lisboa é São Vicente. A "rebeldia", mostrada durante um ensaio da marcha infantil, não tem o apoio de outras crianças, mas é sintomática da origem diversificada do grupo que, desde há 26 anos, atrai os lisboetas mais pequenos à típica tradição alfacinha.
"Esta não é a marcha dos alunos da [Sociedade de Instrução e Beneficência de] A Voz do Operário, é a marcha de Lisboa", ressalva Vítor Agostinho, responsável pelo conjunto, adiantando que cerca de 40% dos participantes mais não frequentam aquela escola. Ao todo, são mais de 70 os meninos - um número superior ao dos conjuntos a concurso - com idades compreendidas entre os seis e os 12 anos que, este ano, vão "homenagear a água".
"As raparigas vão vestidas de varinas, os rapazes de aguadeiros", revela o também ensaiador, salientando que se trata de "duas profissões já extintas" na capital. "É também um projeto pedagógico", acrescenta, ciente de que, ao longo dos últimos 26 anos, tem vindo a formar futuros marchantes (quase) profissionais, sem que qualquer bairro fique a perder. "A diferença é o tamanho dos marchantes", atira, antes de frisar que o tempo de atuação e as regras são exatamente iguais aos dos grupos populares que desfilam "para nota".
Nada que impeça Vítor Agostinho de se esquecer de que, em causa, estão simplesmente crianças. A prová-lo estão os momentos em que, com uma organização inesperada e algo desconcertante, os petizes correm e saltam durante o desfile, como se de uma simples brincadeira se tratasse. Alguns tornam-se mais tarde adultos em ponto pequeno, tamanha a seriedade que imprimem aos passos memorizados sem dificuldade, numa capacidade comum aos seis cantores que, no seu jeito infantil, entoam ao vivo as marchas deste ano. O ritmo, esse, é o do apito de Vítor Agostinho, que, incansável, não para de dar indicações. "Olha os pés", insiste, antes de, com um olhar doce, dar por terminado o ensaio.
Padrinhos: Bruna Quintas e Diogo Carmona